24.7.23

Bater à porta do isolamento e da solidão: como voluntários com mais de 55 anos fazem “quase um trabalho entre pares” com os mais velhos

Sofia Correia Baptista Jornalista e Sara Tarita Ilustradora, in Expresso


Voluntária há vários anos em diferentes projetos, no caminho de Margarida Lopes surgiu, no final de 2020, um que a cativou particularmente. Na altura estava desempregada e o Porta 55+ procurava voluntários com mais de 55 anos. Desde então, nunca mais deixou esta iniciativa que atua em três freguesias do concelho de Vila do Conde na resposta à solidão e isolamento social dos mais velhos. “Voltei a sentir-me útil.”

Trata-se de um “dois em um”, explica Joaquim Pereira Cardoso, gestor do projeto dinamizado pelo Centro Social e Paroquial de Mindelo. “Os beneficiários não são apenas os utentes finais – com mais de 65 anos –, mas também estes beneficiários intermédios, que são os voluntários, na medida em que, ao fazer um trabalho de acompanhamento e companhia, em termos de atividades com os mais velhos, também se estão a preparar para a sua fase de envelhecimento”, justifica ao Expresso.

Para Margarida, é “quase um trabalho entre pares”. “Talvez isso nos permita um melhor reconhecimento das necessidades dos outros, um pouquinho mais velhos que nós. À partida, já temos a sensibilidade para nos pormos na pele dos outros, porque entendemos bem as coisas. E também nos projetamos: daqui a dez anos estamos, provavelmente, numa situação idêntica”, aponta a voluntária, de 61 anos.


O projeto surgiu devido à existência de “necessidades” da população mais velha que “não estavam a ser satisfeitas”, indica Joaquim Pereira Cardoso. São pessoas que não precisam de ser institucionalizadas, estão num contexto de algum isolamento ou solidão e “querem muito viver na sua própria casa”. O objetivo é proporcionar-lhes bem-estar e “torná-las mais ativas, mais saudáveis e mais felizes”.

E porque todas as pessoas são diferentes, faz-se “um fato à medida de cada um” – o que quer dizer que o trabalho desenvolvido, apelidado de “atelier de alfaiate”, é adaptado a cada beneficiário, explica o vice-presidente do Centro Social e Paroquial de Mindelo. Margarida faz atividades tão diferentes com os quatro utentes que acompanha como ir às compras, cuidar de flores, conversar ou jogar scrabble.

DAR E RECEBER

Antes disso, a equipa técnica – composta por uma psicóloga, uma assistente social e duas educadoras sociais – faz uma avaliação de cada situação, de forma a propor as atividades que mais se adequem. O intuito é “ser uma mais-valia”, resume a voluntária. “Queremos sempre aportar valor à nossa atividade.”

Após ficar desempregada, Margarida optou por reformar-se e esta experiência foi fundamental: diariamente, sente que “valeu a pena”. “Deu sentido aos meus dias. Estou a dar algo de mim e estou também a receber, que é o reconhecimento de saber que estou a ser útil”, retrata. O que contribui para “uma certa autoestima”: “Sinto-me contente comigo.” E também tem “aprendido imenso”, por exemplo sobre plantas, com uma senhora de 80 anos que visita – uma troca de vivências que a comove quando partilha.

Depois de receberem formação, os voluntários passam a ser designados como embaixadores do projeto. A capacitação abrange “várias áreas do desenvolvimento pessoal e social e um conjunto de competências transversais para que possam desempenhar melhor o seu papel”, diz Joaquim Pereira Cardoso. Entre as matérias abordadas, Margarida destaca a programação neurolinguística, assim como questões relacionadas com a saúde e o envelhecimento, a perda cognitiva ou a nutrição.

Habitualmente, as visitas são semanais e o número de pessoas que cada voluntário acompanha depende da respetiva disponibilidade. Neste momento, são 28 embaixadores para 75 utentes – mas o projeto já chegou a mais de 100 beneficiários. O apoio do programa Portugal Inovação Social terminou no final de junho e, agora, procuram-se outras formas de financiamento. “Não nos passou pela cabeça que o projeto podia claudicar”, afirma Joaquim Pereira Cardoso. A câmara municipal deverá assegurar um apoio durante este ano e o Porta 55+ apela também ao contributo de empresas.