21.7.23

Na hora de escolher um curso, garantia de emprego não é o mais importante para os jovens

Samuel Silva, in Público

Licenciaturas com as mais altas taxas de desemprego estão cheias. Mas as opções dos alunos não estão totalmente desfasadas da realidade do mercado.

É um momento decisivo para dezenas de milhares de jovens. Na próxima segunda-feira arranca o concurso nacional de acesso ao ensino superior e as opções que cada candidato tomar podem ser determinantes para o seu futuro. Os jovens levam em conta os indicadores de desemprego na hora de escolher um curso? Os números sugerem que não. E isso não é tão surpreendente como pode parecer, dizem os especialistas.

Comecemos pelo número de diplomados de cada curso que estão inscritos nos centros de emprego – dados que foram actualizados esta quinta-feira no portal Infocursos. A generalidade das 20 licenciaturas onde esse indicador é mais elevado teve todos ou quase todos os lugares preenchidos no último concurso nacional de acesso – em 13 delas a ocupação de vagas é de 100% e apenas num caso, o curso de Contabilidade do Instituto Politécnico da Guarda (entraram 15 de 32 alunos possíveis na 1.ª fase), é inferior a dois terços.

Dez anos antes, só três destes mesmos cursos preenchiam todas as vagas disponíveis: Design Multimédia, na Universidade da Beira Interior; Comunicação Social, no Instituto Politécnico de Coimbra; e Turismo, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que continua a ter a terceira mais alta taxa de desemprego entre diplomados (12,9%).
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A empregabilidade “não é o racional determinante” para a escolha de um curso, contextualiza a investigadora da Universidade Lusófona Orlanda Tavares. Este foi precisamente o tema da sua tese de doutoramento – "As escolhas dos estudantes no acesso ao ensino superior português – processos e racionalidades", defendida na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.


Os jovens “continuam a usar o argumento da empregabilidade” na altura de escolher se devem ou não ir para o ensino superior, explica, mas o mesmo não acontece no momento de escolher a formação superior a que vão candidatar-se. Nessa altura, “pesam mais outros factores”, como a vocação, o interesse pessoal ou a influência da família.

Alguma investigação, nota o sociólogo do Instituto de Ciência Sociais da Universidade de Lisboa Vítor Sérgio Ferreira, aponta a existência de um crescimento do “valor intrínseco da formação”, em detrimento do seu “valor instrumental”. Ou seja, os jovens cada vez mais valorizam o gosto em estudar a ligação com a profissão que podem vir a desempenhar, mais do que a estabilidade do emprego ou os níveis remuneratórios associados a cada actividade.

Garantia de melhor salário


Parece haver, prossegue o mesmo especialista, até uma relação entre alguma perda de valor de um diploma do ensino superior – que continua a garantir salários mais elevados e maior protecção face ao desemprego, mas a níveis menos elevados do que em décadas anteriores – e as opções dos jovens.


Ou seja, “os estudantes parecem cada vez mais conscientes de que o valor de empregabilidade do diploma não é o que foi no passado”, e isso acaba por lhes dar “maior liberdade em escolher um curso de que gostam”. É uma ideia sintetizada numa frase que Vítor Sérgio Ferreira, vice-coordenador do Observatório Permanente da Juventude, ouve frequentemente de estudantes: “Isto está mal em todo o lado, mais vale escolher aquilo de que gosto.”


O mais recente inquérito Estudantes à Saída do Secundário, feito pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, já é de 2018/2019, mas os dados então recolhidos apontam no mesmo sentido. O facto de o curso superior escolhido oferecer “boas oportunidades de emprego” é apenas o terceiro motivo invocado pelos jovens para justificar a opção por determinada formação – o motivo é invocado por 30,8% dos alunos.

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Isso é perceptível quando se analisa a evolução, ao longo da última década, do número de alunos inscritos no ensino superior por área de estudo. As áreas que mais crescem são as da Matemática e Estatística (agora com 3.951 inscritos, mais 60% do que há dez anos) e as Tecnologias da Informação e Comunicação (12.663 estudantes fruto de um crescimento de 74% numa década).

São áreas em que a procura vem sendo alimentada não só pelo crescimento do mercado do trabalho, como pelo à-vontade com que as novas gerações se movem nos meios digitais, sendo inclusivamente estimulada pela tutela, que nos últimos anos deu indicações às universidades e politécnicos para abrirem mais vagas nas áreas das tecnologias digitais e ciências de dados, consideradas estratégicas.


Em sentido contrário, os cursos de ensino perderam 32% dos inscritos numa década, tendência que não pode ser desligada da “perda de prestígio social” da docência ao longo da última década, nota Orlanda Tavares; ao passo que arquitectura e construção têm menos 46% alunos do que há dez anos. A área foi particularmente afectada pelos efeitos das crises do subprime e das dívidas soberanas, que impuseram um travão a fundo neste sector económico.


Os estudantes que concluíram o ensino secundário e realizaram os exames nacionais vão poder candidatar-se a partir da próxima segunda-feira. A 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior decorre até 7 de Agosto. Os resultados das colocações são conhecidos no dia 27 do mesmo mês.


Ao dispor dos candidatos está um total de 54.311 vagas — um novo máximo histórico —, depois de o Governo ter autorizado nas últimas semanas 11 novos cursos a entrarem em funcionamento no próximo ano lectivo.


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