Licenciaturas com as mais altas taxas de desemprego estão cheias. Mas as opções dos alunos não estão totalmente desfasadas da realidade do mercado.
É um momento decisivo para dezenas de milhares de jovens. Na próxima segunda-feira arranca o concurso nacional de acesso ao ensino superior e as opções que cada candidato tomar podem ser determinantes para o seu futuro. Os jovens levam em conta os indicadores de desemprego na hora de escolher um curso? Os números sugerem que não. E isso não é tão surpreendente como pode parecer, dizem os especialistas.
Comecemos pelo número de diplomados de cada curso que estão inscritos nos centros de emprego – dados que foram actualizados esta quinta-feira no portal Infocursos. A generalidade das 20 licenciaturas onde esse indicador é mais elevado teve todos ou quase todos os lugares preenchidos no último concurso nacional de acesso – em 13 delas a ocupação de vagas é de 100% e apenas num caso, o curso de Contabilidade do Instituto Politécnico da Guarda (entraram 15 de 32 alunos possíveis na 1.ª fase), é inferior a dois terços.
Dez anos antes, só três destes mesmos cursos preenchiam todas as vagas disponíveis: Design Multimédia, na Universidade da Beira Interior; Comunicação Social, no Instituto Politécnico de Coimbra; e Turismo, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que continua a ter a terceira mais alta taxa de desemprego entre diplomados (12,9%).
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A empregabilidade “não é o racional determinante” para a escolha de um curso, contextualiza a investigadora da Universidade Lusófona Orlanda Tavares. Este foi precisamente o tema da sua tese de doutoramento – "As escolhas dos estudantes no acesso ao ensino superior português – processos e racionalidades", defendida na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Os jovens “continuam a usar o argumento da empregabilidade” na altura de escolher se devem ou não ir para o ensino superior, explica, mas o mesmo não acontece no momento de escolher a formação superior a que vão candidatar-se. Nessa altura, “pesam mais outros factores”, como a vocação, o interesse pessoal ou a influência da família.
Alguma investigação, nota o sociólogo do Instituto de Ciência Sociais da Universidade de Lisboa Vítor Sérgio Ferreira, aponta a existência de um crescimento do “valor intrínseco da formação”, em detrimento do seu “valor instrumental”. Ou seja, os jovens cada vez mais valorizam o gosto em estudar a ligação com a profissão que podem vir a desempenhar, mais do que a estabilidade do emprego ou os níveis remuneratórios associados a cada actividade.
Garantia de melhor salário
Parece haver, prossegue o mesmo especialista, até uma relação entre alguma perda de valor de um diploma do ensino superior – que continua a garantir salários mais elevados e maior protecção face ao desemprego, mas a níveis menos elevados do que em décadas anteriores – e as opções dos jovens.
Ou seja, “os estudantes parecem cada vez mais conscientes de que o valor de empregabilidade do diploma não é o que foi no passado”, e isso acaba por lhes dar “maior liberdade em escolher um curso de que gostam”. É uma ideia sintetizada numa frase que Vítor Sérgio Ferreira, vice-coordenador do Observatório Permanente da Juventude, ouve frequentemente de estudantes: “Isto está mal em todo o lado, mais vale escolher aquilo de que gosto.”
O mais recente inquérito Estudantes à Saída do Secundário, feito pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, já é de 2018/2019, mas os dados então recolhidos apontam no mesmo sentido. O facto de o curso superior escolhido oferecer “boas oportunidades de emprego” é apenas o terceiro motivo invocado pelos jovens para justificar a opção por determinada formação – o motivo é invocado por 30,8% dos alunos.
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Isso é perceptível quando se analisa a evolução, ao longo da última década, do número de alunos inscritos no ensino superior por área de estudo. As áreas que mais crescem são as da Matemática e Estatística (agora com 3.951 inscritos, mais 60% do que há dez anos) e as Tecnologias da Informação e Comunicação (12.663 estudantes fruto de um crescimento de 74% numa década).
São áreas em que a procura vem sendo alimentada não só pelo crescimento do mercado do trabalho, como pelo à-vontade com que as novas gerações se movem nos meios digitais, sendo inclusivamente estimulada pela tutela, que nos últimos anos deu indicações às universidades e politécnicos para abrirem mais vagas nas áreas das tecnologias digitais e ciências de dados, consideradas estratégicas.
Em sentido contrário, os cursos de ensino perderam 32% dos inscritos numa década, tendência que não pode ser desligada da “perda de prestígio social” da docência ao longo da última década, nota Orlanda Tavares; ao passo que arquitectura e construção têm menos 46% alunos do que há dez anos. A área foi particularmente afectada pelos efeitos das crises do subprime e das dívidas soberanas, que impuseram um travão a fundo neste sector económico.
Os estudantes que concluíram o ensino secundário e realizaram os exames nacionais vão poder candidatar-se a partir da próxima segunda-feira. A 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior decorre até 7 de Agosto. Os resultados das colocações são conhecidos no dia 27 do mesmo mês.
Ao dispor dos candidatos está um total de 54.311 vagas — um novo máximo histórico —, depois de o Governo ter autorizado nas últimas semanas 11 novos cursos a entrarem em funcionamento no próximo ano lectivo.