Luís Reis Ribeiro, in DN
Lagarde sinaliza que "talvez" possa fazer uma pausa no aperto dos juros em setembro porque a economia já está a vacilar e a inflação a descer, mas não o suficiente. Ou seja, depois é para continuar a subir.
As taxas de juro da zona euro voltaram ontem a subir (pela nona vez consecutiva desde julho do ano passado), mas esta campanha de aperto monetário já está a surtir alguns dos efeitos desejados pelo Banco Central Europeu (BCE): uma quebra na procura e na inflação, disse a presidente da instituição, Christine Lagarde
Mesmo com todos estes sinais, as taxas do BCE subiram mais 0,25 pontos percentuais. A taxa central (de refinanciamento) aumentou para 4,25%, o maior valor em 15 anos.
O impacto depressor que já se está a materializar na atividade e nos preços pode fazer com que, depois das férias de agosto, o BCE fique menos inquieto com a inflação "demasiado alta, podendo mesmo "talvez" fazer uma pausa no ciclo agressivo de subidas de juro em setembro (data da próxima reunião de política monetária), afirmou Lagarde na conferência de imprensa na qual explicou a nova subida de juros.
A Reserva Federal dos EUA fez uma pausa em junho e esta semana retomou os aumentos.
Problema: no caso da zona euro, há muita incerteza e agora aconteceu um novo evento na crise inflacionista que pode reacender o fenómeno da inflação alta e impedir a possível pausa de setembro.
Ontem em Frankfurt, a chefe máxima do BCE avisou que o fim do acordo para a exportação de cereais da Ucrânia, na sequência da saída unilateral da Rússia é um risco sério e novo: pode dar novo fôlego à cavalgada inflacionista global, interrompendo a queda nos preços dos alimentos (que se estava a verificar até junho), puxando-os novamente para cima.
Este novo golpe vindo do teatro de guerra pode assim inviabilizar um momento de temporário de tréguas para os mais endividados, que ontem chegou a ser aventado na conferência de imprensa do BCE, na Alemanha.
Temporário pois, mesmo com a tal pausa, as taxas de juro vão ter de subir mais até ao final deste ano, pelo menos. "A inflação continua a descer, mas espera-se que ainda permaneça demasiado elevada durante demasiado tempo", avisa o banco central.
Como referido, a taxa diretora de refinanciamento aumentou para 4,25%, o valor mais elevado dos últimos 15 anos. É preciso recuar a julho de 2008, ainda o Lehman Brothers não tinha colapsado e arrastado a economia global para uma grave crise financeira, para encontrar um nível de juros tão elevado.
O BCE começou a subir juros há precisamente um ano, em julho de 2022. Na altura, aquela taxa principal, de refinanciamento, estava em 0%, o nível mais baixo desde que foi criada a zona euro (início de 1999).
Com a guerra, desde julho do ano passado que o BCE tem estado imparável no aperto das condições de crédito e estas, diz Lagarde, estão finalmente a tornar-se cada vez mais restritivas e a causar danos ou arrefecimento na atividade económica. Diz que já se notam sinais "vigorosos" de retração no crédito, logo em algumas atividades de investimento e de consumo. Isso faz arrefecer a inflação, como pretende o BCE, reconhece o próprio. Faz parte do seu plano e programa.
"Condições mais restritivas travam cada vez mais a procura"
E Lagarde confirma isso mesmo: a estratégia de Frankfurt está a resultar, mas ainda vai no início ou a meio caminho. Depende dos dados económicos daqui para a frente, recordou a banqueira central.
"Os aumentos anteriores das taxas de juro estão a ser transmitidos de forma vigorosa: as condições de financiamento tornaram‑se mais restritivas e estão a refrear cada vez mais a procura, o que constitui um fator importante para fazer a inflação regressar ao objetivo", congratula-se a presidente.
Olhando mais para o futuro, Lagarde conclui que "o panorama económico da zona euro deteriorou-se devido, em grande parte, a uma procura interna mais fraca e a uma inflação elevada".
No entanto, mesmo com tantas sombras no horizonte, o BCE não desarma. "A nossa expectativa é de que a inflação descerá mais no resto do ano, mas permanecerá acima do objetivo por um período prolongado. Apesar de algumas medidas revelarem sinais de abrandamento, a inflação subjacente continua a ser elevada", lamenta o BCE.
Assim, "as taxas de juro diretoras vão fixadas em níveis suficientemente restritivos, durante o tempo que for necessário" para conseguir baixar a inflação para os desejados 2%.
Em setembro, "talvez"
Em todo o caso, embora o caminho seja sempre a subir, "talvez" o BCE possa parar a meio para deixar a economia real respirar um pouco, em setembro, uma vez que os aumentos de taxas acumulados desde julho do ano passado já estão a ter um efeito negativo na procura e, com isso, a puxar para baixo a inflação., explicou Lagarde.
A subida desta quinta-feira estava praticamente garantida pois a inflação da zona euro continua muito longe do objetivo, ronda atualmente os 6,4% (estimativa para junho, do Eurostat).
Mas, com atividade e procura a começarem a tremer e com financiamento muito mais caro, Lagarde garantiu aos jornalistas que "[no conselho do BCE] temos uma mente aberta". Em setembro, "talvez" ocorra uma de duas coisas: "ou uma nova subida das taxas ou uma pausa", disse Lagarde. Descidas de taxas é que não vão acontecer de certeza, rematou.
Na conferência de imprensa, Christine Lagarde tentou assim tirar algum peso ao desejo expresso de por as taxas de juro "em níveis suficientemente restritivos".
"Temos uma mente aberta quanto às decisões a tomar em setembro e nas reuniões seguintes", disse a ex-ministra das Finanças de França, mas também avisou logo que não vai ser assim tão simples e sem espinhas.
"Existem riscos em alta para a inflação que incluem eventuais e novas pressões ascendentes sobre os custos da energia e dos alimentos" e algumas estão "relacionadas com a retirada unilateral da Rússia da Iniciativa dos Cereais do Mar Negro", assinalou a ex-diretora do FMI.
Recorde-se que em julho de 2022, Rússia e Ucrânia, dois dos maiores produtores de cereais do mundo, chegaram a um acordo mediado pela ONU e Turquia para reabrir três portos ucranianos do Mar Negro, pontos por onde foram reatadas as exportações de cereais da Ucrânia.
Os preços destas matérias-primas alimentares começaram a descer, movimento que durou até final de junho, início deste mês.
Na semana passada, a Rússia rejeitou renovar o acordo, alegando que as suas exportações estavam a ser bloqueadas.
Os preços destas mercadorias essenciais para a alimentação mundial começaram imediatamente a subir em flecha.
Tendo em conta o peso dos alimentos no cabaz do índice de preços no consumidor, a inflação europeia não tardará a ressentir-se e o BCE promete não ficar de braços cruzados a vê-la subir outra vez.
jornalista do Dinheiro Vivo