Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos aponta caminhos para combater a crise da habitação nas grandes cidades. Para comprar uma casa nas freguesias mais baratas de Lisboa ou Porto, é preciso ter poupanças entre 20 e 30 mil euros e pertencer à classe dos 20% mais ricos. Portugal é o segundo país da OCDE com mais jovens adultos a viverem com os pais.
Os preços no setor da habitação estão a subir acima da inflação há dez anos, enquanto que o rendimento das famílias sobe a metade do ritmo. O baixo número de novas casas construídas na última década, o crescimento do alojamento local e da compra por estrangeiros têm levado a que quase 80% dos jovens adultos portugueses vivam ainda com os pais.
Estas são algumas conclusões de um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), sobre a crise da habitação nas grandes cidades, que aconselha a olhar para as políticas lá fora, como a habitação social, e que aponta os erros que levaram a esta situação, considerando que o mercado imobiliário em Portugal tem uma "oferta inelástica", ou seja, que cresce pouco em reação à subida de preços.
Os autores salientam que, para que um casal consiga comprar uma casa na freguesia mais barata de Lisboa ou do Porto, sem gastar metade do seu orçamento num alojamento, é necessário que ambos pertençam à classe dos 60% mais ricos na capital e dos 80% mais ricos no Porto.
Ao mesmo tempo, o valor de “entrada” para a casa disparou: passou de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa, e de cerca de 16 mil para 37 mil euros no concelho do Porto, entre 2017 e 2022.
Preço das casas está a subir desde 2014
Índice subiu os preços sempre acima da taxa de inflação. Última vez que a inflação esteve acima do crescimento dos preços no setor foi há 10 anos.
Qual o impacto da evolução de preços na acessibilidade dos jovens à habitação?
A maior discrepância entre os preços praticados no ramo imobiliário com a realidade aconteceu durante a pandemia da Covid-19. Em 2020, o rendimento dos portugueses, o PIB per capita, caiu oito pontos percentuais, ao passo que os preços das casas subiram 8%.
Com a subida da inflação e, consequentemente, das taxas de juro no ano passado, as famílias das classes mais baixas ficaram mais vulneráveis, por terem uma taxa de esforço - o peso do crédito à habitação no total de rendimentos - bastante mais elevada do que as outras.
Segundo o estudo da FFMS, uma das consequências do aumento dos preços das casas a partir de 2017 em Portugal, foi a deterioração da acessibilidade ao mercado da habitação. Tal levou a que, para que conseguissem comprar ou arrendar uma casa, famílias precisem de utilizar uma percentagem maior do seu rendimento.
No caso de uma pessoa a viver sozinha, é mais difícil a compra e arrendamento de casa. Para que um jovem consiga comprar uma casa mediana em Lisboa ou no Porto, mesmo na freguesia mais barata, precisa de ter um rendimento compatível com a classe dos 20% mais ricos de cada cidade e ter poupanças entre 20 e 30 mil euros para dar de entrada.
Estrangeiros dão mais mil euros por metro quadrado que portugueses
A procura de habitações por parte de estrangeiros e imigrantes também não ajudou no acesso habitacional. Em 2022, o investimento imobiliário representava 13% do PIB, quando em 2008 o mesmo investimento era apenas relativo a 4% do PIB.
Segundo o estudo, de 2012 a 2022, foram atribuídos mais de 10 mil Vistos Gold, utilizados por estrangeiros extracomunitários que recorrem ao programa de autorizações de residência para atividade de investimento imobiliário, num investimento de 6 mil milhões de euros.
Por seu lado, o visto para nómadas digitais foi atribuído a mais de 26 mil estrangeiros nos últimos cinco anos.
Em média, uma casa é vendida em Portugal por um preço de 1.565 euros por metro quadrado. No mesmo período, estrangeiros compraram casa a um valor mediano de 2.411 euros por metro quadrado - quase mais mil euros por metro quadrado do que o valor pago por compradores portugueses.
As regiões com as maiores discrepâncias são Lisboa e Porto. Na Área Metropolitana de Lisboa, os estrangeiros pagam mais 1.581 euros por metro quadrado que os portugueses. Na Área Metropolitana do Porto, a diferença é de 1.222 euros por metro quadrado.
Onde metade das casas são AL
O estudo aponta ainda o impacto do alojamento local (AL) nas grandes cidades. Em algumas freguesias do centro de Lisboa, mais de metade das casas são afetas a AL. Cerca de 90% das unidades existentes até ao ano passado foram criadas entre os anos de 2014 e 2019.
O fenómeno do alojamento local chocou de frente com o mais baixo número de novos fogos a serem construídos no país, em 2015, e nos anos anteriores e seguintes. Entre 2013 e 2022 foram construídas apenas 150 mil novas casas no país, quatro vezes menos que na década anterior.
As causas da pouca oferta indicadas no estudo, que citam especialistas do mercado imobiliário, incluem o excesso de burocracia, a dificuldade de acesso ao financiamento bancário e a imprevisibilidade nos processos de licenciamento.
Agregados familiares na OCDE
Portugal é o 2.º país com maior percentagem de jovens adultos a viverem com os pais
Este país não é para novos que querem sair da casa dos pais
Portugal é o segundo país com maior percentagem de jovens adultos a viverem com os pais, com quase 80% das pessoas entre os 20 e 29 anos a viverem com um ou os dois pais.
Na Dinamarca, a percentagem é de apenas 11%. Na OCDE, a média é de 51%. Apenas a Coreia do Sul tem uma percentagem maior de jovens adultos a viverem em casa dos pais (79%).
Em Portugal, um em cada quatro agregados familiares são compostos por apenas um indivíduo a viver sozinho. Esta percentagem, de 23,2%, quase duplicou nos últimos 30 anos - era de apenas 12% em 1992.
Com a pandemia, o número de filhos que voltaram a viver com os pais disparou: de 2019 para 2021, a percentagem de pessoas a viverem sozinhas caiu cinco pontos percentuais (p.p.), enquanto a percentagem de casais com filhos em casa subiu 6,5 p.p.
Ao contrário da última década, há hoje um maior número de agregados familiares, com menor dimensão, causado pela reestruturação da vida familiar, indica o estudo.
Evolução da composição dos agregados familiares
Com a pandemia, o número de filhos a voltarem a viver com os pais disparou. Número de pessoas a viverem sozinhas duplicou nos últimos 30 anos.
No estudo, os autores apontam que o aumento dos preços da habitação tem superado os aumentos salariais e que isso levou a um agravamento das desigualdades.
O aumento dos preços das casas, a partir de 2017, levou a uma deterioração da acessibilidade à habitação, com um crescimento significativo da procura em Lisboa e Porto que leva à subida de preços.
O estudo refere ainda que Portugal “é um mercado com uma oferta inelástica, ou seja, que cresce pouco em reação à subida de preços, tornando-os mais voláteis”.
Estudo defende subsídios para inquilinos e proprietários
Para combater o problema habitacional, os autores do estudo propõem uma estratégia a curto, médio e longo prazo, de maneira a criar oferta, expandir as cidades, prestar apoio a famílias em situação mais difícil e dar qualidade habitacional aos cidadãos de forma sustentável, inclusiva, harmoniosa, acessível, e com menor volatilidade de preços e rendas.
No imediato, os especialistas defendem apoios a famílias em situações mais vulneráveis, como, por exemplo:
• Subsidiação da procura habitacional que deve focar-se no arrendamento;
• Subsidiação de proprietários para responder ao aumento das taxas de juro;
• Controlo de rendas durante um período de curta duração. "Sendo uma medida que preocupa os autores deste policy paper, pelo impacto negativo na oferta de casas no arrendamento, o eventual controlo de rendas deve ser de curta duração, circunscrito a limitação de crescimento de rendas, e idealmente complementado com um regime mais flexível de proteção de arrendatários a implementar no médio prazo", referem os autores do estudo.
Em relação ao alojamento local, os especialistas defendem que as restrições "devem ser adotadas a nível local atendendo à realidade de cada bairro/freguesia".
Consideram ainda que "as restrições absolutas à procura de estrangeiros são de evitar, porque deprimem a atividade económica e têm impacto reduzido devido aos direitos constituídos a nível europeu".
[notícia atualizada às 09h25 de 27 de julho de 2023]