Miguel Prado, in Expresso
A revisão do Plano Nacional de Energia e Clima para 2030 fixa metas que implicarão um ritmo de instalação de parques solares e eólicos como Portugal nunca teve. Mas os objetivos estão longe de esgotar o potencial técnico do país nas renováveis
Portugal tem feito um caminho de reforço, ano após ano, da capacidade instalada para produção de eletricidade renovável, mas até onde pode ir o país nessa expansão? No plano simbólico o céu é o limite, até porque é sobretudo na energia solar e eólica que estarão os grandes investimentos. E no plano técnico? Um estudo do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) mostra que o potencial do território nacional vai muito além das metas já traçadas pelo Governo.
A apresentação feita pelo LNEG este mês sobre o potencial técnico das renováveis em Portugal traça patamares que, à data de hoje, excedem em muito as necessidades de consumo do país. Mas mostra, ao mesmo tempo, que há um largo espaço para aproveitar melhor as fontes endógenas. Só na energia solar centralizada o LNEG estima que Portugal tenha um potencial de 46 a 169 gigawatts (GW), o que corresponde a 28 a 105 vezes a capacidade atualmente em operação em centrais fotovoltaicas.
O estudo também se debruçou sobre o potencial da energia solar distribuída (ou seja, as instalações mais próximas de pontos de consumo, aproveitando coberturas de edifícios ou terrenos próximos, por exemplo). E aí o potencial técnico do país ascende a 23,3 GW, ou seja, mais de 20 vezes a capacidade descentralizada que já está operacional em Portugal.
Para chegar a estes números do potencial descentralizado os investigadores do LNEG estudaram o espaço já artificializado no país, incluindo áreas industriais, edifícios comerciais, prédios residenciais e de uso misto, vivendas, edifícios de saúde, de ensino, turismo, culturais e militares e outros usos do solo. E concluíram que tecnicamente, aproveitando todas essas áreas, se poderia instalar em Portugal 23,3 GW de painéis fotovoltaicos, que gerariam perto de 37 terawatt hora (TWh) de eletricidade por ano (quase três quartos do consumo atual do país).
Já no que toca a produção fotovoltaica centralizada, o trabalho do LNEG aponta para um potencial técnico de 46 a 169 GW, que poderiam gerar 78 a 278 TWh anuais de eletricidade (muito acima do consumo do país, que ronda os 50 TWh por ano). Para estas contas o LNEG excluiu áreas com declives superiores a 3% e áreas protegidas, entre outros critérios.
Mas o vasto intervalo considera diferentes abordagens. O potencial de 46 GW já considera a exclusão de todas as áreas que hoje são reserva agrícola nacional (RAN) e reserva ecológica nacional (REN), bem como os espaços ocupados com culturas temporárias de sequeiro e regadio e sistemas aquíferos, excluindo também uma faixa de 500 metros em torno de habitações e prédios. Já o potencial de 169 GW apenas exclui a superfície neste raio de 500 metros de edifícios.
Os autores do estudo admitem que este exercício (que o LNEG tenciona atualizar numa base anual) tem um conjunto de limitações, nomeadamente um elevado grau de incerteza associado à estimativa de áreas cobertas (para energia solar distribuída) e da fração dessas coberturas que é tecnicamente passível de ser usada.
Este será um ponto crítico, já que muitos telhados não estão estruturalmente preparados para receber o peso dos módulos fotovoltaicos, além de poderem ter já estruturas e equipamentos que inviabilizam a total ocupação com painéis solares. O sombreamento de parte das coberturas também pode diminuir consideravelmente a área de facto útil para novas instalações fotovoltaicas.
CAPACIDADE VIÁVEL “SEGURAMENTE INFERIOR” AO POTENCIAL TÉCNICO
Pedro Pestana de Aguiar, administrador da Prosolia Energy, lembra que a aposta nas renováveis “permite baixar o custo de energia e atrair indústrias eletrointensivas, ao mesmo tempo que reduz as importações de combustíveis (carvão, gás natural) e reduz a dependência energetica”.
O gestor ressalva que o potencial apontado pelo LNEG é “teórico”, porque não contempla as especificidades dos terrenos usados nos projetos solares, nem considera os obstáculos e sombras que possam existir nas áreas contabilizadas. “Entrando em conta com estes factores, a capacidade realmente viável será seguramente inferior”, diz ao Expresso o gestor da Prosolia, que juntamente com a Iberdrola está a desenvolver a central solar Fernando Pessoa, em Santiago do Cacém, que terá mais de 1 GW de capacidade e será a maior do país.
José Allen Lima, consultor na área da energia, admite que nas renováveis há em Portugal “um potencial interessante, mas que tem muitos constrangimentos: equipar os telhados citadinos com fotovoltaicas, zonas de grande densidade de consumo”. “É fácil em estabelecimentos de serviços ou mesmo fabris, mas difícil em condomínios. Teria que haver intervenção do governo para ajudar a abrir esta possibilidade, tornando obrigatório deixar preparados novos edifícios para isso (tal como para carga de veículos elétricos), e permitir o aluguer de telhados para instalação, independentemente de a venda da energia produzida ser feita no prédio e também fora dele. Adicionalmente poderia ser útil a facilidade de instalação de algumas baterias locais, para prolongar o uso para horas noturnas”, sugere ao Expresso.
Segundo José Allen Lima, uma aposta deste género, planeada “de forma equilibrada”, permitiria “poupar investimento em rede de transporte e de distribuição” e evitar perdas nestas infra-estruturas. “Sai mais barato do que a eólica offshore e evita os problemas, que já se avizinham, de grande ocupação de terrenos e impacto paisagístico dos sistemas fotovoltaicos de grande escala”, acrescenta.
Ainda no domínio da energia solar, o LNEG estudou o potencial do país para centrais de concentração, tomando como modelo a tecnologia que usa coletores com cilindros para armazenar energia térmica e poder usá-la a qualquer hora para produzir eletricidade e injetá-la na rede a qualquer momento e não apenas quando há sol. Aqui, considerando as áreas disponíveis no país com maior radiação solar (um potencial superior a 1800 kilowatt hora por metro quadrado e por ano), os investigadores da instituição concluíram que o potencial técnico do país permitiria instalar até 62,7 GW.
Contudo, esta é uma opção ainda pouco madura, quando comparada com os convencionais painéis fotovoltaicos (que injetam instantaneamente na rede, a menos que tenham acoplados sistemas de baterias). Dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) indicam que Portugal conta com apenas 15 megawatts (MW), ou 0,015 GW, de capacidade solar de concentração. E mesmo o PNEC2030 considera volumes relativamente reduzidos de nova capacidade nesta área.