O investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra questiona a eficácia dos programas lançados para atrair novos habitantes para o interior. Em entrevista ao Expresso, defende que o país tem de apostar na captação de mais imigrantes, mas com critérios de seleção.
Que balanço faz dos programas criados para atrair população para o interior?
São programas simbólicos que não são muito efetivos. Atrair para o interior 7500 novos habitantes em três anos é insignificante. Não é com ganhos como este, e com estes planos, que a população se vai alterar. Simbolicamente, estes programas mostram que o Estado não abandonou estes territórios e tem algum tipo de benefícios para apoiar a mudança, mas é apenas isso.
O que é necessário fazer?
Várias coisas, desde logo reter a população que está a sair. Provavelmente, as pessoas que saíram do interior para o litoral ou para o estrangeiro nos últimos anos foram mais do que as 7500 que para lá se mudaram no mesmo período. A verdade é que não estamos a conseguir reter a população, designadamente os jovens que vêm estudar para o litoral e depois já não retornam. Paralelamente, é necessário atrair novas populações, o que estes programas estão a tentar fazer, ainda que sem grande impacto; e depois é preciso recuperar os que saíram nas últimas décadas. Nenhuma destas etapas está a ter grandes resultados.
A atribuição de incentivos financeiros não é eficaz?
Creio que seria mais efetivo criar uma redução fiscal [para as pessoas que se mudassem para estes territórios] do que dar uma quantia à partida, porque nada impede que, algum tempo depois, voltem a sair.
A promoção do teletrabalho pode ajudar a atrair mais pessoas para o interior?
Creio que poderia, mas, após a pandemia, o teletrabalho não se desenvolveu tanto como era previsto. O Estado poderia ter sido o primeiro a deslocar ou a permitir que os seus funcionários se deslocassem para outras regiões do país que não o litoral, mas não deu esse sinal, nem promoveu esse processo de mobilidade.
Sem serviços públicos, as empresas não se instalam e não se atrai população para o interior
Devia fazê-lo?
Sim, até porque isso faria com que a pressão sobre os preços da habitação nos grandes centros urbanos diminuísse. Há muitas áreas de trabalho na Administração Pública que podem ser exercidas em qualquer lugar. Mas é preciso ver que não estamos a falar de mobilidade de trabalhadores, mas de mobilidade de famílias e, para isso, é preciso criar todas as outras infraestruturas, designadamente a nível educativo e de saúde, o que também não aconteceu.
Qual considera ser a medida mais importante para combater a desertificação?
A primeira é não deixar a economia desaparecer, mas em muitos destes territórios ela está a extinguir-se, a pouco a pouco. Retirámos de lá muitos serviços públicos e, por isso, as empresas não se instalam. E não havendo empresas, não se atrai população. Os jovens vão saindo porque olham para o futuro e percebem que não há ali nada que os retenha. Portanto, a grande solução é construir economia e construir sociedade de forma paralela. O melhor exemplo é o Fundão, que conseguiu não só estancar a perda de população, como ganhar habitantes. Fê-lo com um plano de desenvolvimento económico, de fixação de novas empresas e de comunicação que permitiu criar um movimento em que parece interessante viver naquele espaço. Isso não foi feito na maioria dos concelhos do interior.
A ideia de repovoar o interior é realista?
Não, porque não podemos obrigar as populações a mudarem-se para lá. O que podemos é reter as que lá estão e aquelas que escolhem lá fixar-se. Um dado interessante é que estão a chegar muitos imigrantes a estas regiões, seja por causa de trabalhos que não há cá quem queira fazer, como a limpeza de florestas, seja porque perceberam que no interior a habitação é muito mais barata e conseguem ter uma vida melhor do que nas grandes cidades. Temos de conseguir retê-los.
Portugal devia ter uma política ativa para captação de imigrantes, por exemplo, para estes territórios?
Temos de ter uma política ativa de seleção. Ou seja, mais do que apenas atrair trabalhadores, devemos pensar no perfil que queremos que tenham. Neste momento, muitos estrangeiros estão a trabalhar no turismo sem a preparação adequada que quisemos dar aos nossos próprios trabalhadores do turismo nos últimos anos. Desse modo, estamos, de alguma forma, a perder qualificação de mão de obra e fazemo-lo porque com isso conseguimos pagar salários mais baixos. Agradar-me-ia que tivéssemos um plano para atrair mão de obra mais qualificada; não necessariamente altamente qualificada, mas qualificada profissionalmente para as profissões que temos disponíveis. E temos de olhar para os sectores. Por exemplo, não interessa atrair pescadores para Foz Coa, porque eles não poderão exercer essa profissão, mas profissionais de áreas que se liguem à economia local.
A população estrangeira em Portugal atingiu no ano passado o valor mais alto de sempre. Ainda há espaço para crescer?
Continuo a ouvir responsáveis do turismo ou da construção civil dizerem que têm falta de mão de obra, pelo que ainda há espaço para vir mais gente. Aliás, ou chega mais gente, ou a economia começa a diminuir, porque deixa de poder funcionar na totalidade.