27.7.23

Lisboa e Porto lideram na “sobrevalorização do preço das casas” desde 2017

Pedro Crisóstomo, in Público

Problema é mais visível nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Economistas defendem alargamento da oferta a pensar no longo prazo e medidas imediatas para apoiar famílias com menores rendimentos.

As dificuldades que os residentes em Portugal enfrentam para arrendar uma casa ou para comprar um apartamento próprio têm intensificado o debate público sobre o rumo das políticas de habitação no país. Há uma percepção geral de que os preços das rendas e dos imóveis estão elevados, mas é isso sinónimo de que há uma “exuberância” nos valores dos imóveis, tendo em conta os factores que levam à formação dos preços?

Justamente para perceber se, nos últimos anos, os preços têm estado “em linha com os factores macroeconómicos” que os determinam ou se há um desfasamento, três economistas recorreram a um modelo de análise específico que cobre um período de quase três décadas e concluíram que “a partir de 2017 os preços da habitação estão claramente acima” do que seria de esperar, de acordo com os “determinantes utilizados” na formação desses preços.

O estudo, a que o PÚBLICO teve acesso, é publicado nesta quinta-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), com o título A crise da habitação nas grandes cidades – uma análise, assinado pelos economistas Paulo M. M. Rodrigues, Rita Fradique Lourenço (ambos do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal) e Hugo de Almeida Vilares (professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto).

Os dados sugerem que há “uma possível sobrevalorização” dos preços das casas, sendo esse problema mais visível em Lisboa e Porto (não apenas nas duas cidades, mas também nas duas áreas metropolitanas).

Para chegarem a esta conclusão, os autores assumiram como determinantes dos preços o “rendimento disponível per capita, a taxa de juro do crédito à habitação, o stock [de] empréstimos, o investimento residencial, o investimento directo estrangeiro em imobiliário e a taxa de desemprego”. Os economistas lembram que os preços são explicados por duas componentes — uma “fundamental” (os factores macroeconómicos) e outra que não tem que ver com estes “fundamentos”. “[E] se houver uma componente não fundamental significativa (‘bolha’), então é porque existe um comportamento exuberante dos preços que domina a dinâmica da série temporal.”

Para terem uma perspectiva de médio prazo, escolheram uma amostra de 27 anos (de 1996 a 2022) e, logo numa primeira análise nacional, verificaram que, de facto, “a partir de 2017 os preços da habitação estão claramente acima”; no entanto, no final de 2022, no quarto trimestre, num período já marcado por uma forte inflação no país, “essa sobrevalorização esbate-se um pouco, sugerindo que os preços das casas em termos reais estarão grosso modo em linha com o que os seus determinantes estruturais sugerem”.

Para complementar esta avaliação inicial, os economistas realizaram um “teste econométrico concebido especificamente para analisar” se existem “períodos de exuberância” nas duas maiores cidades e nas áreas metropolitanas de cada uma. E, olhando para os dados de 1996 até 2022, identificaram “períodos de exuberância nos preços da habitação em Lisboa e no Porto” que, neste caso, se mantinham ainda “no final de 2022”.

Menos jovens a comprar

O facto de as casas terem ficado “mais caras a partir de 2017” dificultou o acesso dos cidadãos residentes em Portugal ao mercado da habitação. “As famílias precisam de utilizar uma percentagem maior do seu rendimento para comprar ou arrendar casa. Para além do aumento dos preços das casas, a instabilidade do emprego e as condições de crédito mais restritivas têm também contribuído para aumentar a dificuldade do acesso”. Esse aperto, admitem, pode ter levado a “alguma alteração demográfica das famílias que pedem crédito à habitação nos últimos cinco anos”, porque se verifica “uma diminuição de pedidos de crédito por parte de agregados familiares mais jovens, provavelmente com perfil de risco mais elevado e um aumento do número de agregados familiares em faixas etárias mais velhas e com um perfil de risco mais baixo”.

O rendimento exigido para a compra de uma casa “aumentou consideravelmente nos últimos anos nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”, confirma o estudo. Para que dois trabalhadores no activo, por exemplo, consigam adquirir um “alojamento mediano na freguesia mais barata de Lisboa ou do Porto, é necessário que as duas pessoas atinjam pelo menos o percentil 60 da distribuição de rendimentos dessa zona geográfica, quando em 2017 era acessível a um agregado no percentil 40 em Lisboa ou 20 no Porto”. Além disso, dizem, “o capital inicial que é necessário dar de ‘entrada’, mesmo nos casos em que a avaliação bancária coincide com o valor de transacção, aumentou para a casa mediana de cerca de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa, e de cerca de 16 mil para 37 mil euros no concelho do Porto, entre 2017 e 2022”. Um fenómeno que, acrescentam, “tem ainda maior expressão nas duas áreas metropolitanas, “onde é notório o agravamento das condições necessárias” para a compra de casa em todos os concelhos.
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Pensar no médio prazo

A situação do sector imobiliário nesta fase de maior incerteza no sector financeiro tem vindo a merecer a atenção do Fundo Monetário Internacional em análises económicas recentes. E, no caso de Portugal, face ao grau de endividamento dos particulares e à dimensão que os créditos com taxas variáveis assumem no total dos empréstimos concedidos pelos bancos, o organismo considera Portugal uma das economias com maiores riscos de viver um problema de crédito malparado, se a subida das taxas de juro se reflectir no mercado imobiliário. “As economias com preços elevados das casas e altos níveis de endividamento das famílias com taxas de juro variáveis são particularmente vulneráveis a um consequente stress no sector financeiro”, referiu o FMI num relatório de Abril.

No estudo divulgado pela FFMS, os autores lembram que a última década ficou marcada em Portugal “por uma redução na construção de casas novas, em parte devido ao foco na reabilitação urbana, que é um processo mais demorado e complexo, às restrições financeiras no sector da construção e às cicatrizes no sector resultantes da crise financeira internacional de 2008-2009 e da crise da dívida soberana em 2010-2012”.
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Para o médio prazo propõem a aposta “na expansão da oferta efectiva, num aumento da sua elasticidade, num planeamento das cidades que queremos ter, numa política integrada de provisão de sistemas de transportes sustentáveis e de bens e serviços públicos”.

O estudo acaba de ser conhecido imediatamente após o Parlamento ter aprovado o novo pacote Mais Habitação, que inclui o fim do programa de “vistos gold” para quem faça investimentos no imobiliário, incentivos à transferência de apartamentos de alojamento local para o arrendamento habitacional e a criação de uma contribuição extraordinária sobre apartamentos de alojamento local. O autores não se pronunciam directamente sobre a orientações de política traçadas pelo Governo, nem sobre as medidas criadas; no entanto, consideram que tomar “medidas absolutas para limitar a procura quer no alojamento local, quer por parte de estrangeiros não são eficazes nem desejáveis, dada a grande heterogeneidade espacial existente no contexto do alojamento local, e a capacidade e efeitos da implementação de limitações à entrada de estrangeiros nos mercados de habitação, ou da alteração de fiscalidade específica”.

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