Pequenas derrapagens no calendário podem fazer muita diferença. Um exemplo: nao é indiferente pedir a pensão a 31 de dezembro ou a 1 de janeiro. Outro exemplo: se pedir a reforma no mês em que faz anos, arrisca-se a perder um mês de bonificação
Para quem quer reformar-se ou negoceia com o patrão a saída para a reforma há alguns pequenos detalhes a ter em conta. Mais mês, menos mês, ou, por vezes, um dia de diferença apenas, podem ditar alterações relevantes no valor da pensão. Quem quer prolongar a vida ativa, e ficar mais tempo a trabalhar, também deve planear o modo mais conveniente de fazer descontos: há uma altura para adiar a reforma, e há um momento em que mais vale reformar-se e descontar sobre o salário. Para quem trabalhou em mais que um país, há empecilhos que também exigem múltiplas precauções. Filomena Salgado Oliveira, da FSO Consultores, ajudou-nos a elencar cinco dicas.
A dica desta segunda-feira é sobre a importância de dar atenção ao calendário.
A primeira regra é básica: se já reúne as condições para se aposentar, e não está a planear acumular bonificações, não espere pelo ano seguinte para meter os papéis. Faça-o no máximo até 31 de dezembro.
A explicação chama-se Idade Normal de Reforma (INR), que faz depender a pensão da evolução da esperança média de vida aos 65 anos a cada ano. Agora, “imaginemos que a idade da reforma aumenta em três meses. De um dia para o outro posso para o pior dos mundos: ou não me posso reformar e tenho de trabalhar mais três meses, ou perco três meses de bonificação”, avisa Filomena Salgado Oliveira.
Se quiser reformar-se, não espere pelo início do ano seguinte, faça-o até ao fim do ano. Dado relevante: o que conta para este efeito é a data indicada no pedido como data de reforma e não a data da aprovação pelos serviços.
Se meter os papeis para a reforma perto da altura em que faz anos, outra recomendação é que tenha atenção às datas. É que na hora de calcular a idade de reforma, a Segurança Social subtrai sempre o mês em que a pessoa faz anos, lamenta Filomena Salgado Oliveira.
Um exemplo: “Imagine que me reformo no dia 20 e o dia do meu aniversário é a 19. No dia 19 completei mais um mês completo, face ao meu aniversário, pelo que tenho direito a mais um mês de bonificação face à minha idade pessoal de reforma”, mas “a Segurança Social não se dá ao trabalho de ver o dia em que a pessoa faz anos, deixando sempre esse mês de fora. Na maioria das situações, a Segurança Social, retira sempre um mês na bonificação”.
Recomendação? “O meu conselho é que a Segurança Social mude a regra. Até lá, aconselho às pessoas se reformem sempre no dia 1 do mês seguinte ao aniversário (ou depois), nunca no próprio mês”. Claro que esta regra só é válida para quem tenha como dia de aniversário o final do mês. Há vários casos em tribunal, mas eternizam-se. Os nossos juízes parecem não gostar muito destas matérias, e os processos tornam-se ainda mais morosos, diz a consultora.
“HÁ QUE REPENSAR AS CONDIÇÕES DE ACESSO À REFORMA, INCLUINDO A PARCIAL”
A partir de certa idade as pessoas querem trabalhar menos, não necessariamente deixar de trabalhar. O trabalho a tempo parcial seria uma solução ajustada para permitir uma transição suave para a reforma e uma passagem gradual de conhecimento entre gerações, diz Filomena Salgado de Oliveira, especialista em Segurança Social e sócia da FSO Consultores, em conversa com o Expresso.
Sem esta solução, pessoas acabam por recorrer ao subsídio de desemprego.
Os atuais incentivos estão adequados para fomentar o prolongamento da vida ativa?
Não, estão muito longe do necessário. Por um lado, devido aos limites à idade da reforma. No setor público os funcionários públicos não podem trabalhar para lá dos 70 anos; no privado podem mas o contrato de trabalho cessa e o converte-se automaticamente em contrato a prazo de seis meses. Todos os direitos acumulados se perdem e ao fim de seis meses tem de haver acordo encontre as partes para renovar o contrato. Mas mais grave que isto, é o facto de as pessoas se reformarem de um momento para o outro, sem haver oportunidade de passagem do testemunho e conhecimento para quem fica.
Qual a solução? Premiar mais quem trabalhe mais?
Jugo que o mais equilibrado e útil em termos de economia, incentivos, de mercado de trabalho e de passagem do testemunho, é criar-se um regime de uma reforma a tempo parcial.
Reforma a tempo parcial em que fase? Antes ou depois da idade legal?
Vamos supor que é à idade de reforma pessoal – há várias pessoas que conseguem atingi-la aos 63, 64. Nesse caso, poderia reformar-se a 50% e aplicavam-se as regras de cálculo, nesse momento, sobre metade da remuneração. A outra metade poderia continuar a acumular e a fazer bonificações. E a assegurar-se a passagem de testemunho. Não libertava um lugar, apenas meio, mas resolviam-se dois problemas: a transmissão de conhecimento e pessoas mais felizes na reforma, pois tinham tempo para se adaptar.
Mesmo que a pessoa tenha menos de 40 anos de descontos?
Atualmente não pode. Há duas soluções: ou alterávamos o regime para a reforma a tempo parcial, ou mantínhamos as regras flexibilizando a reforma parcial. Senão mantém-se o problema de termos a idade da reforma a aumentar e as empresas a quererem que as pessoas saiam. E prolongam-se as situações que temos assistido, em que a única alternativa passa por acedem à reforma após esgotarem o subsídio de desemprego. Mais subsídios de desemprego (cerca de 3 anos) para permitir o acesso à reforma.
O sistema tem os incentivos errados?
Completamente. Conheço uma pessoa que não queria receber o subsidio de desemprego, mas, como só podia reformar-se por essa via, optou por entregar o dinheiro a uma instituição de caridade. Recebeu uma boa indemnização e achava imoral ainda ter subsídio.
A solução era o tempo parcial?
Qual é o objetivo da maior parte das pessoas à medida que envelhece? Trabalhar menos, mas não necessariamente deixar de trabalhar. E como é muito difícil hoje em dia a quem tem formação superior aos 60 anos ter 40 de descontos, a única alternativa para se reformar passa pelo desemprego. Alterar-se a regra, pouparia alguns subsídios de desemprego e permitiria melhorar as condições para quem dele necessita e, não utilizá-lo como um trampolim para a reforma. Há que repensar as condições de acesso à reforma e, em minha opinião, também na reforma a tempo parcial. Há muito tempo que se fala, mas não se avança. Possivelmente, conseguiríamos melhorar os apoios no desemprego de quem deles efetivamente precisa, desde logo pela alteração do limite máximo, muito penalizador para remunerações acima de €1500.
E a idade de reforma: prolongar a vida ativa para lá dos 70, faz sentido?
Não me parece correta a regra de proibição do sector público. Mas, no privado também muito pouca gente chega aos 70 anos a trabalhar e, chegando, mesmo a decisão seja individual, a vontade da empresa acaba por imperar. Não deve haver proibições mas, em regra, o que as pessoas querem é trabalhar menos. Daí a importância da reforma a tempo parcial.