31.7.23

Opinião: Quem vive quer casa

Manuel Rocha, opinião, in Diário A Beiras


Estudar em Coimbra é, ainda antes da sebenta, viver em Coimbra. É essa a preocupação de grande parte dos mais de 25.000 estudantes que todos os anos “almamaterizam” na Universidade de Coimbra, e de significativa parcela dos mais de 10 mil jovens que aderem a uma das muitas escolas do Instituto Politécnico de Coimbra. Em contas por alto há, nesta Cidade, 35 mil jovens precisados de cama para o recobro diário das forças que as atividades cerebrais e físicas lhes levam (pelas mais diversas razões, algumas de juvenil disponibilidade), precisados de lugar a que chamem casa quando a casa de família não fica perto daqui.
Estudar, para ser direito humano, é também direito à habitação em custo que não signifique a recusa da colocação por falta de vaga na residência universitária. Alojamento de estudantes é preocupação prioritária numa Cidade em que o ensino superior ocupa grande parte dos seus orgulhos. Desconhecendo os números reais dos estudantes do ensino superior que chegam dos tantos lados de Portugal e do estrangeiro, forçoso será concluir que a oferta institucional de cerca de duas mil camas é curta. Coimbra precisa mesmo de dar prioridade ao alargamento do alojamento estudantil a preços comportáveis, aumentando, também assim, a atratividade da oferta local de ensino superior.
Trabalhar em Coimbra é, antes do ofício, morar por cá. Quando a satisfação das necessidades do “mercado” deixar de ser a prioridade dos dignitários da pirâmide governativa, Coimbra voltará a ser a cidade funcional de que precisamos. Nesse dia, e nos dias a seguir, estará cumprida a parcela de liberdade individual que depende do direito à habitação, a concretização da convicção, entre outras, de que “quem casa, quer casa”, tradução simplificada da fase da vida em que o afastamento da descendência não é impedimento da aproximação afetiva – o único traço familiar que perdura vida adentro.
A soberania das vidas é um fator de liberdade, pelo que ao “mercado” deve caber o que cabe ao mercado: a oferta para além da satisfação da necessidade básica. O “mercado” dos nossos dias, porém, comporta-se como predador, abundante em paciência, esperando o melhor momento para atacar. Assim se explica o escandaloso volume de casas vazias na Cidade, a sistemática fuga ao fisco em troca de miseráveis reduções do preço do arrendamento, as “Lei Cristas” que banalizam o despejo, a subida de taxas de juro com que a Banca nos verga quando quer.
Viver em liberdade é também ter direito à habitação a preços comportáveis. Por isso é que, na Coimbra partilhada por estudantes e trabalhadores, é urgente o alargamento do património habitacional público – única forma de habitar o desabitado, recuperar o arruinado, valorizar o desprezado, revitalizar os lugares históricos que não podem ser apenas-cenário, programar o espaço público para os passos de todos os dias, disciplinar o negócio imobiliário – o anunciador de “sonhos” que é, afinal, o grande concretizador de pesadelos.
A Coimbra dos nossos anseios é, todos os dias, encantadora. A Coimbra da especulação imobiliária é que não tem encanto nenhum – nem na hora da despedida.