31.7.23

Nove menores retirados da academia Bsports mantêm-se em instituições portuguesas

Marina Oliveira, in Público online

Outros 27 menores já regressaram aos países de origem. Por cá, continuam 47 jovens adultos considerados vítimas de tráfico de pessoas. Um mês após a operação do SEF, número de vítimas subiu para 94.

Nove menores retirados da academia Bsports mantêm-se em instituições portuguesas
Dos 36 menores estrangeiros retirados da academia de futebol BSports, em Riba d’Ave, em meados de Junho, e identificados como vítimas de tráfico de pessoas, nove ainda permanecem em instituições de acolhimento portuguesas. Os restantes 27 já regressaram aos países de origem acompanhados pelos pais ou por tutores legais.

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"Muito talento"

A coordenadora refere que, deste rol de 44 jovens adultos, apenas sete regressaram aos países de origem. Os outros 37 permanecem em Portugal, onde estão a tentar construir o seu futuro. “Estão a surgir algumas possibilidades de clubes de futebol nos seus países de origem, por isso, é possível que alguns regressem a casa”, revela Marta Pereira. Os jovens são oriundos maioritariamente da América Latina, nomeadamente do Brasil, Colômbia e México.

A coordenadora das equipas multidisciplinares de apoio às vítimas de tráfico afirma que não está a ser fácil concretizar os desejos destes jovens, que ainda têm esperança de singrar no mundo do futebol. “Continuamos à procura de soluções no mundo do futebol. Muitos deles têm muito talento”, acredita a técnica.

Não é estranho que assim seja. A BSports vendeu-lhes um sonho e agora sentem-se defraudados. Num vídeo que ainda continua no canal da academia, na Internet, vende-se que este é o "maior projecto de formação de futebol do mundo" e, num outro, a "porta de entrada para a elite do futebol europeu". Associa-se a marca a grandes nomes portugueses do futebol mundial, como Cristiano Ronaldo ou José Mourinho, e anuncia-se uma “formação integral única e pioneira”, que compatibiliza o ensino regular com a formação desportiva.

Não há dúvida de que essa parte não passava de ficção, porque tudo indica que os alunos, com idades entre os 13 e os 23 anos, não frequentavam a escola. Havia aulas assistidas de forma aleatória pelos jovens, como revelou um ex-professor da academia ao PÚBLICO.

As “infra-estruturas de elite” de que se gabava a BSports afinal implicavam que os jovens, que viviam em camaratas que chegavam a ter 12 camas, tivessem de percorrer cerca de 500 metros para chegar a um dos seis chuveiros existentes para as dezenas de atletas, como mostrou a TVI numa reportagem. Isso obrigava a que o banho fosse sujeito a hora marcada. Para quem estava nas camaratas, ir à casa de banho obrigava a uma descida de dois andares.

Questionada pelo PÚBLICO, Marta Pereira referiu que, apesar da grande repercussão mediática do caso, nenhuma organização ligada ao futebol – seja a Federação Portuguesa de Futebol, seja a Liga Portuguesa de Futebol Profissional ou até algum dos principais clubes portugueses – se ofereceu para ajudar a encontrar um futuro para estes jovens, parte dos quais se mantém à guarda do Estado português juntos numa estrutura cedida para esse efeito, onde são asseguradas as suas necessidades básicas. Tem cabido em grande parte ao relator nacional para o tráfico de seres humanos fazer contactos para tentar encontrar soluções.

Contactada pelo PÚBLICO, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Vila Nova de Famalicão não respondeu a nenhuma das perguntas feitas, remetendo para o Ministério Público (MP). O PÚBLICO já antes tinha enviado uma série de perguntas sobre este caso à Procuradoria-Geral da República, que, no entanto, não disponibilizou qualquer informação sobre o destino das vítimas de tráfico envolvidas neste caso.

“O inquérito encontra-se em investigação e sujeito a segredo de justiça, não sendo possível, neste momento, prestar informação mais circunstanciada”, justificou o MP.

Já o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que investiga este caso a pedido do MP, adiantou que até agora, no âmbito da Operação El Dourado, “foram sinalizadas 94 vítimas de tráfico de seres humanos, das quais 36 menores”. Confirmou ainda que até esta semana tinham sido “constituídos arguidos três cidadãos e cinco sociedades”. Trata-se do ex-presidente da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional Mário Costa, que dirigia a academia, do seu pai e de um primo destes.


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