25.7.23

“A existência de regras que sejam claras beneficia os pequenos países”

Sérgio Aníbal, in Público

Ministro das Finanças, Fernando Medina, quer regras em que, se uma economia estagnar ou entrar em recessão ligeira, não se lhe exija uma redução forte da dívida.


Fernando Medina coloca-se, no debate europeu sobre novas regras orçamentais, na posição de quem quer encontrar uma solução intermédia entre os dois campos, um liderado pela Alemanha e outro pela França, neste momento em confronto. Regras transparentes até podem ser benéficas para Portugal, defende, desde que sejam fortemente anticíclicas.

Na negociação das regras orçamentais europeias, ainda tem esperança que se chegue a um acordo até o fim do ano, ou vamos ter as regras actuais em vigor em 2024?

Tenho a expectativa que se possa chegar a esse acordo. Há diferenças de fundo que estão a separar os países, mas a convicção que tenho é que essas diferenças não são de todo em todo irreconciliáveis. Há uma diferença entre aqueles que pretendem uma política mais assente em regras, claras, escritas, que sejam públicas e conhecidas, e aqueles que entendem que este processo deve ser um processo mais negociado numa base país a país e na base de indicadores mais largos de sustentabilidade de vida pública.

A Europa está à procura dessa fórmula mágica já há muitos anos. Os défices estruturais tinham esse objectivo.
Sim, mas a questão não é que se esteja a descobrir aqui a solução particularmente nova, a questão é saber se temos ou não condições políticas para andar para a frente. E eu creio que temos, porque se partirmos para um sistema que é caro aos alemães e a um conjunto muito importante de países, quer dizer que nós temos que ter aqui um conjunto de regras que sejam transparentes. E devo dizer que partilho, desse ponto de vista, como ministro das Finanças de um pequeno país, que a existência de regras que sejam claras beneficia os pequenos países, porque a nossa capacidade negocial num processo não é igual à dos grandes. Por outro lado, partilho muito da visão, aliás é aquilo que tenho mais defendido, que acentuemos o mais que pudermos a dimensão anticíclica da política.

Portugal, nestes dois campos, onde é que está?

Eu acho que entre estas duas posições é possível e desejável encontrar aqui um caminho, porque a verdade é que nós iremos sempre ter regras que são quantificadas e identificadas. A regra dos 3% de défice não irá desaparecer e a regra dos 60% de dívida também não irá desaparecer. Por isso, o que nós estamos a falar aqui é o ritmo a que se impõe a redução da dívida e a sua consequência, o seu impacto quando ela não é cumprida. O que nós precisamos, fundamentalmente, é que as regras sejam de natureza anticíclica. O que nós não podemos ter, e voltar a ter, como já tivemos no passado tantas vezes, é que tenhamos regras que sejam regras de natureza pró-cíclica. Isto é, que em períodos de muito baixo crescimento ou até recessão, as regras nos estejam a empurrar para estratégias orçamentais de grandes reduções de dívida pública. Isso é má política.


E como é que isso se faz?

Pode-se fazer com a definição de um conjunto de indicadores aplicáveis a períodos de mais alto crescimento e a definição de um outro tipo de indicadores a períodos de muito baixo, nulo ou até recessão. Porque se para efeitos de recessão a proposta da Comissão mantém um elemento importante, que é uma cláusula de escape nacional, eu creio que era possível robustecermos a proposta da Comissão [Europeia] neste aspecto. Aquela proposta é um bom instrumento, mas é um instrumento que na prática se vai aplicar em situações limite, de um país estar ele próprio numa crise sozinho, uma crise muito profunda. É um processo que terá de ser aprovado pelo Conselho [Europeu], será um processo que não será fácil. Nós temos de criar dentro do sistema de regras uma regra bastante mais simples. Se uma economia estagnar, ou se uma economia estiver numa recessão ligeira, não é de esperar que esteja a reduzir significativamente a sua dívida, ou que esteja a ter excedentes orçamentais.


O Governo tinha como grande prioridade neste debate a criação do instrumento orçamental comum permanente. Isso parece já estar um bocado afastado agora destas discussões.


Nós temos mantido essa prioridade. É importante como elemento de estabilização macroeconómica, isto é, a nossa União Económica e Monetária não está completa sem esse instrumento. E depois é necessário também por razões práticas, que têm a ver quer com a vida normal da União, quer com a vida futura da União, quer seja a vida futura pós-PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] em 2026, quer a vida futura que se coloca em questões tão estruturais para o nosso futuro colectivo como o apoio à Ucrânia.
[...]

Neste momento está-se permanentemente a fazer um exercício a nível europeu de procurar nas alíneas, nas subalíneas, nos topos dos vários programas orçamentais, a margem para poder encontrar verbas para o financiamento à Ucrânia. A questão tem que ser encarada com outra robustez, isto é, tem que haver orçamento. Ao haver orçamento tem que se financiar esse orçamento e nós temos de nos colocar no lado daqueles que defendem que a União tem que ter e deve ter receitas próprias que, no fundo, facultem essa base orçamental comum, que, no fundo, vai ter esses dois efeitos.

De certa forma, eu creio que, neste momento, o ambiente é o seguinte: como há um PRR, há, por parte de vários Estados, a dizer o seguinte: “bom, mas isso não é um tema de urgência, vamos é executar os PRR que temos”. O que nós temos dito é que se esta necessidade é uma necessidade que se colocará do ponto de vista estrutural, não esperemos pelo fim de 2026, para a resolver, vamos discuti-la já. Não conseguimos ainda fazer vencer esta nossa posição a nível europeu, mas não desistimos dela e temos a expectativa que ela possa avançar antes da próxima crise.

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