14.11.18

Aqui, o cinema abre as portas à discussão da saúde mental

Beatriz Silva Pinto, in Público on-line

O festival Mental arranca a 16 de Novembro e dura até o final do mês, em Lisboa e no Porto. No programa, há mais de 10 filmes, cinco debates e um documentário vencedor sobre a violação e o stress pós-traumático.

“Quando as pessoas estão informadas, vão agir de outra forma. Vão tratar-se, vão falar, não vão ter tanta vergonha ou estigma.” Foi partindo desta premissa que, em 2017, Ana Pinto Coelho engendrou um festival de cinema e artes em que a saúde mental é protagonista. O Mental, co-produzido pela Direcção-Geral da Saúde, realiza-se entre 16 e 30 de Novembro, em Lisboa e no Porto.

A ideia foi “importada” da Escócia, onde se organiza o SMHAFF — Scottish Mental Health Arts and Film Festival que, há 12 anos e através de mais de 300 eventos por todo o país, se compromete a desafiar ideias pré-concebidas sobre saúde mental com a ajuda das artes. A meta pessoal de Ana, conselheira em dependências químicas e de comportamento, é que um dia também este projecto se faça itinerante e possa correr Portugal.
A curadora do Mental

Ana Pinto Coelho trabalhou toda a vida nas áreas da comunicação e organização de eventos. Aos 40 anos, “farta” da indústria e guiada por um antigo interesse pela área da saúde mental, foi para Oxford tirar um curso em Addiction Counseling ou, em português, “aconselhamento em dependências químicas e de comportamento”. Em 2017, organizou a primeira edição do Mental.

No Mental, que quer chamar à discussão a população geral e não apenas os académicos, o cinema é a principal porta de entrada para a informação: “Todas as nossas conversas e debates temáticos são associados a um filme que a seguir é exibido.” E, neste ano, pela primeira vez, foi organizado uma open call internacional de cinema que recebeu mais de 90 filmes de 22 países, todos eles relacionados com temáticas relativas à saúde mental. O júri — composto por Rui Henriques Coimbra (jornalista), Eurico de Barros (crítico de cinema), Catarina Belo (estudante de cinema), João Gata (escritor) e Maria João Barros (psicóloga) — escolheu nove finalistas para integrarem o programa do festival e, entre eles, um vencedor: o suíço Matteo Born, de 28 anos.

A apresentação do documentário A Viagem de Laura, nesta sexta-feira (16), que vai contar com a presença do realizador vencedor, é um dos pontos altos do evento apontados pela curadora. No Auditório Orlando Ribeiro, em Lisboa, será contada a história (real) de uma mulher que, após ter viajado para Marrocos para fazer voluntariado, foi sequestrada e violada múltiplas vezes. Quatro anos depois, Laura decide desfazer em pedaços o único objecto que restou do seu projecto humanitário — uma bandeja de prata — e parte com Matteo para Marrocos, para deixar um fragmento em cada local onde foi abusada.

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Além dos trabalhos finalistas da open call, tanto os debates como os outros filmes, mais conhecidos, que se lhes seguem vão focar as temáticas da esquizofrenia, do suicídio, da ciberdependência e da prevenção. Numa das conversas, Sónia Farinha Silva, psiquiatra e membro da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, vai falar sobre a relação da comunicação social e os suicídios (dia 18, no Auditório Orlando Ribeiro). Na verdade, os media são um ponto sensível da maior parte das discussões, adianta Ana. “A área da saúde mental ainda não está presente na comunicação social portuguesa como está há mais de 20 anos na Europa (…) Fala-se de saúde física, não se fala de saúde mental, que está ali ao canto como se não fizesse parte de nós enquanto seres humanos.” Esta foi, aliás, uma das razões pelas quais convidou jornalistas para moderar todas as conversas do festival.

Uma breve paragem no Porto: porquê?
O festival vai aterrar no Porto durante dois dias (29 e 30 de Novembro), apesar de o fazer “sem quaisquer apoios” e após várias tentativas frustradas de estabelecer uma parceria com a Câmara Municipal do Porto, adianta Ana Pinto Coelho: “Nem sala nos cederam, estamos a pagar o auditório Almeida Garrett à hora.” Os apoios financeiros que o festival conseguiu até à data são “muitíssimo baixos”, confessa.
Outros momentos “a não perder” são aqueles em que utentes do hospitais Júlio de Matos, em Lisboa, e Magalhães Lemos, no Porto, sobem ao palco para um espectáculo de dança e teatro, respectivamente. Tanto a apresentação de Mundos (24 de Novembro, no Auditório Carlos Paredes) como a da peça Ex-tigma (30 de Novembro, no Auditório Almeida Garrett) querem aproximar quem as vê de quem actua e provar que é o estigma, e não a doença mental, que constrói muros entre as pessoas. Em Lisboa, logo após o espectáculo do Núcleo de Dança Júlio de Matos, a coreógrafa e bailarina Sónia Baptista apresenta a performance chamada #adepressãotemestasfuças.

A prova de que o festival é realmente transgeracional é o dia que dedica às crianças e à prevenção e promoção de saúde mental. “É importante que se perceba de pequeno a importância das emoções”, explica Ana. Para isso, há uma peça infantil, uma conversa e um filme para assistir a 25 de Novembro, no Auditório Carlos Paredes, em Lisboa.
O Mental arranca oficialmente esta sexta-feira, 16, mas, já na quarta-feira, junta-se ao lançamento do livro As Aventuras de Mr. X – A Trilogia, de João Gata, na atmosfera m, em Lisboa, com a apresentação de João Tordo e João Vasco Almeida. À excepção desta apresentação, que é gratuita, o festival é pago e custa, em média, 7 euros por dia.