29.11.18

Fotoreportagem: Um dia na vida de um sem abrigo

Por Natália Canadas e Inês Oliveira, in JPN

Tem 54 anos e vive há uma década como sem abrigo nas ruas do Porto. Para ele, todos os dias são uma luta para arranjar alimento e dinheiro. Vive na rua, mas mantém rotinas. E sente dificuldades como tantos outros que ocupam o chão da cidade. Apesar delas, mantém a esperança de um futuro com teto. O JPN acompanhou-o por um dia.

Vive há dez anos em situação de sem abrigo. Dorme há dois na Rua de Santa Catarina. Pedro (nome fictício) ocupou inicialmente uma entrada de loja na mais movimentada artéria comercial da Invicta. No começo do ano, mudou para outra. O arco que se forma na frente da loja serve-lhe de abrigo noturno. Sob a luz metálica do logótipo, monta todas as noites o seu saco-cama e senta-se a ouvir rádio até o sono tomar conta dele.

Acorda ainda de madrugada e põe-se a caminho de Matosinhos, com a bicicleta que lhe foi oferecida por um amigo. Vai arrumar carros e assim passa toda a manhã, de um lado para o outro à procura de lugares vazios e atento aos carros. Consegue 50 cêntimos, 20 cêntimos, dois euros, às vezes, nada. Para além disso, recebe o Rendimento Social de Inserção.
Quando oferecem, almoça num restaurante; outras vezes, come no supermercado; outras, ainda, não almoça. Ao JPN, conta que no último mês perdeu mais de oito quilos, há dias em que só bebe um café, outros só bolos e salgados trazidos pelas equipas de rua. Evita os refeitórios públicos e foge dos albergues: “Eu costumo dizer que prefiro estar na rua, porque na rua tenho espaço para fugir tanto da droga como do álcool, enquanto nos albergues está tudo lá dentro”.

Passa os dias sozinho e prefere distanciar-se das outras pessoas em situação de sem-abrigo. “O último com quem me dei, dei-me mal. Além de andar a dizer que eu o roubei, ainda andou a dizer a outros que eu lhes disse para não falar com eles. Até agora, nunca tive problemas, tentaram uma vez assaltar-me, mas tiveram azar que eu estava acordado, empurrei-lhe a cabeça contra a esquina da parede. Nunca mais”, conta.

A higiene fá-la no balneário no Campo de 24 de Agosto. Ao contrário da fome, garante que o frio não o atormenta. Dentro do saco cama ainda tem que tirar o casaco e dorme sem interrupções pela noite dentro. Move-se com a tranquilidade de quem só conhece esta vida, mas durante quarenta anos teve um teto. Foi marido, pai e motorista. O casamento deteriorou-se, a carta de condução caducou e não havia dinheiro para a renovar. Divorciado e desempregado começou a pedir dinheiro e acumulou uma série de dívidas, abandonou a terra natal e veio para o Porto. Encontrado sem teto por uma equipa dos Médicos do Mundo foi colocado na Casa da Rua. Por lá, ficou uns tempos, viveu em quartos e inúmeras residências.

Correu Portugal de Lisboa ao nordeste transmontano, a pé e à boleia, sem destino. Aí trabalhou nas vindimas e foi arranjando trabalhos temporários que lhe permitiram pagar as dívidas. Regressou ao Porto depois de atravessar o país. Continua à procura de emprego e acredita que em breve irá sair desta situação.

Acorda às 6 da manhã e segue para Matosinhos. “Para cá faz-se bem, agora para lá… A senhora da loja trouxe-me duas sandes, já as comi.”

Para já, a manhã vai fraca. “Um pagou-me o pequeno-almoço, e mais um, cinquenta cêntimos, meti um à frente, não deu nada, não são obrigados a dar.”

Às vezes é questionado pelas autoridades. A atividade não é regulada.

É nos cacifos do supermercado que costuma guardar os seu pertences.

É lá também que almoça, às vezes, quando tem dinheiro para o fazer.

“Esta madrugada passou lá [onde dorme] alguém que deixou um saco com leite com chocolate e quatro sandes”, conta ao JPN.

É de bicicleta e a pé que se move.

Leva o essencial sempre consigo.

O dia segue chuvoso e cinzento junto ao mar. Ao fim da tarde regressa ao Porto.

À noite, dorme em frente a uma loja em Santa Catarina. “A minha companhia é a rádio, uso um telemóvel avariado, a minha rádio é a Antena 1, gosto de ouvir os debates na Assembleia da República e os relatos de futebol.”

Artigo editado por Filipa Silva