15.6.22

O SNS não sobrevive com planos de contingência

Manuel Carvalho, opinião, in Público

Chegou a hora de o Governo rever tudo de alto a baixo e deixar de acreditar nas ilusões dos planos de contingência como o que a ministra Marta Temido anunciou esta segunda-feira.

Há anos que os problemas nas urgências do Serviço Nacional de Saúde se repetem e há anos que diferentes governos prometem uma parafernália de soluções para os superar. Até agora, estas repetições não bastaram para pôr em causa a qualidade ou a confiança dos cidadãos no seu SNS. Mas começa a pressentir-se no ar a sensação de que estamos condenados a ter um serviço público pior. Chegou assim a hora de o Governo rever tudo de alto a baixo e deixar de acreditar nas ilusões dos planos de contingência como o que a ministra Marta Temido anunciou esta segunda-feira.

Os problemas da Saúde situam-se no contexto das carências que as funções públicas que exigem quadros mais qualificados enfrentam, como tantos textos da série que o PÚBLICO lançou sobre “O estado do Estado” comprovam. No caso do SNS, a situação é gritante. A saída expressiva de médicos para a Europa e para o sector privado ou a incapacidade de contratar novos profissionais mostram uma tendência assustadora. O facto de 24% dos médicos terem mais de 65 anos revela um cenário deprimente.

Claro que o país não tem condições para competir com os salários pagos no Reino Unido ou até em muitas unidades privadas. O Estado social de qualidade exige uma economia moderna, um tema lateral nas prioridades políticas dos últimos anos. Mas, como em tudo na vida, tem de haver prioridades. O envelhecimento da população e a pobreza que afecta um em cada cinco portugueses não podem ser encarados sem se colocar o seu direito à Saúde na primeira linha das prioridades.

Remunerar melhor os médicos, garantir-lhes perspectivas de carreira, enfrentar de vez esse incompreensível desfasamento entre a produtividade dos hospitais do Porto e os de Lisboa, pagar horas extras por igual a tarefeiros e profissionais do quadro são de imediato medidas que o Governo pode aprovar para proteger o SNS. Uma tarefa imensa que é impossível de resolver de um dia para o outro.

Entretanto, era bom que se acabasse com a ideia de que manter parcerias com privados é um crime hediondo, que só países irresponsáveis como a Alemanha ou os Países Baixos toleram. Face aos problemas nas urgências como os que vivemos por estes dias, a ideologia deve confrontar-se com o pragmatismo. Se o Governo e a sua esquerda querem garantir o acesso universal à Saúde, e se esse acesso passar pelos privados (como já passa através dos tarefeiros), porque não ir por aí? Muito pior será ver o SNS afogado em dramas e deixar instalar a sensação de que, a prazo, só os mais ricos terão direito à Saúde.