Alexandra Campos, in Público
Ministra da Saúde anunciou plano de contingência de curto prazo para os meses de Verão para evitar encerramentos de urgências. E frisou que a tutela está disponível para contratar “todos os especialistas que aceitem ser contratados pelo Serviço Nacional de Saúde”.
A ministra da Saúde anunciou esta segunda-feira que vai avançar com um plano de contingência, de curto prazo, para atenuar os problemas nos serviços de urgência de ginecologia-obstetrícia dos hospitais nos meses de Julho a Setembro, o qual passa pela contratação de recém-especialistas e pelo “funcionamento mais articulado, antecipado e organizado das urgências em rede”, e adiantou que tem outro plano, de médio prazo, para atacar questões “estruturais”.
Ao início da noite desta segunda-feira, à saída de uma maratona de reuniões com responsáveis dos hospitais, da Ordem dos Médicos (OM) e dos sindicatos do sector, após três dias de encerramentos e de transferência de doentes de urgências de ginecologia-obstetrícia de vários hospitais, Marta Temido foi vaga nas declarações aos jornalistas. Não revelou que medidas concretas tem em carteira nem explicou como tenciona resolver um problema que está a provocar uma grande disrupção no funcionamento destes serviços – o pagamento diferenciado das horas extraordinárias aos médicos do quadro dos hospitais e aos clínicos que são contratados em prestação de serviço (vulgo “tarefeiros").
Os “tarefeiros” chegam a cobrar, em situações excepcionais em que não há alternativa como as deste fim-de-semana prolongado, mais de 100 euros por hora. Recebem habitualmente 40 a 50 euros por hora, cerca de três vezes mais do que o que é pago aos médicos do quadro dos hospitais e, se faltarem, não podem ser penalizados. E há muitos médicos que preferem abandonar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e ficar a trabalhar à tarefa.
No curto prazo, Marta Temido admitiu que vão ser ponderadas “questões remuneratórias associadas”, sem especificar que tipo de implicações isso terá nos valores pagos aos médicos e adiantou que será aberto já esta semana um concurso para a contratação de recém-especialistas.
Quanto ao plano de médio prazo, desvendou apenas que está a ser equacionada a criação de uma coordenação para apoiar as “reestruturações necessárias” na rede materno-infantil semelhante à que foi constituída para o apoio à resposta em medicina intensiva durante a pandemia e acentuou que a tutela estará disponível para contratar “todos os especialistas que aceitem ser contratados pelo Serviço Nacional de Saúde”.
A maratona de reuniões aconteceu depois de três dias caóticos em que a falta de especialistas para completar escalas implicou o encerramento e limitações no atendimento em vários serviços de urgência, com necessidade de encaminhamento para outros hospitais. Os problemas foram sendo noticiados após a divulgação do caso de uma grávida que se deslocou ao Hospital das Caldas da Rainha e acabou por perder o bebé, na noite de quarta-feira.
Grávidas em trabalho de parto em enfermarias
A partir de sexta-feira, foi essencialmente na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) que a situação se complicou com encerramentos e contingências em várias urgências de obstetrícia (maternidades), mas também houve problemas em Braga e no Algarve. Em LVT, aconteceu uma espécie de choque em cadeia. Os encerramentos e as limitações de várias maternidades provocaram um aumento da pressão no hospital de Santa Maria, onde algumas grávidas tiveram de permanecer “em trabalho de parto em enfermarias”, descreveu ao PÚBLICO o director do serviço de obstetrícia, Diogo Ayres Campos. “Isto é uma amostra do que se irá passar nos meses de Verão”, avisa.
Os problemas são muitos, mas aquele cuja resolução é mais premente é o de “harmonização” do que se paga aos médicos dos quadros dos hospitais que fazem horas extraordinárias nas urgências e os valores que recebem os prestadores de serviços, defende o presidente da Sociedade Europeia de Medicina Perinatal. “É muito desagradável ter um médico a ganhar 25 euros à hora e vir outro de fora [do hospital] ganhar mais de 100 euros por hora”, o que acontece em fins-de-semana prolongados, no Natal e no Verão, exemplifica.
Desta forma, os médicos do quadro “são incentivados a fazer urgências noutros hospitais”. Resultado? “Os hospitais do SNS estão a competir uns com os outros” para conseguirem completar as escalas dos serviços, uma vez que não podem funcionar sem um número mínimo de profissionais. Mas são necessárias igualmente “medidas de fundo” e é preciso “ir à raiz do problema”, que “tem a ver com a pouca atractividade do SNS” e a deficiente qualidade das instalações, sublinha.
Recordando que a Ordem dos Médicos já contabilizou que faltam 5500 profissionais no SNS, o bastonário Miguel Guimarães destacou igualmente que existe um despacho de 2011 que impede as instituições de contratarem os seus médicos em prestação de serviço depois de estes terem feito as 150 horas extraordinárias previstas na legislação. “Se os médicos fizerem mais horas extraordinárias a partir deste limite recebem 12, 13, 14, 17 euros à hora [consoante a categoria], enquanto os prestadores de serviços recebem 40 a 50 euros por hora”, nos dias normais, especifica.
Bastava que as instituições pudessem pagar o mesmo aos seus médicos para que os problemas na constituição das escalas ficassem atenuados. “A ministra disse que a proposta era interessante. Mas será que vai avançar nesse sentido?”, pergunta. Na reunião foi ainda anunciado que vão ser publicados os indicadores de saúde materna e também foi abordada a necessidade de revisão da carta hospitalar nesta área.
Concentração de serviços de urgência?
Esta é uma medida que tem sido anunciada desde há vários anos mas que se antevê muito polémica. O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, lembra que chegou a ser anunciada em 2013 uma reforma da rede de referenciação materno-infantil, que implicava até o fecho da Maternidade Alfredo da Costa, mas desencadeou enorme contestação e não avançou. “Claro que não é uma reforma que seja fácil de fazer neste momento. Mas podemos olhar só para as três maternidades da margem Sul, que estiveram encerradas ou com limitações durante dois ou três dias. Neste caso específico, a hipótese de concentração [das equipas] num só hospital poderá fazer sentido”, acredita.
Xavier Barreto também põe a ênfase no problema de uma grande parte das urgências estarem actualmente a ser garantidas por prestadores de serviços que não tem vínculo às instituições. “Se calhar faz mais sentido propôr-lhes um contrato individual de trabalho. É obvio que, com os actuais salários, não conseguimos recrutar porque não somos competitivos...”. Os hospitais precisam de autonomia e flexibilidade para poder contratar os médicos que necessitam, diz, notando que, no início da carreira, um médico ganha pouco mais de 2700 euros brutos (cerca de 1800 euros líquidos) no SNS.
Os responsáveis dos sindicatos que representam os médicos não esconderam a desilusão à saída da reunião. “Não ouvimos qualquer proposta concreta”, lamentou Noel Carrilho, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), frisando que os encerramentos de vários serviços de urgência nos últimos dias não constituem problemas pontuais, como defendeu a ministra, mas “são estruturais”. “Não me pareceu que [a ministra] estivesse ciente de que está [aqui] em causa um problema estrutural” e “não tem a noção da gravidade da situação nos serviços de obstetrícia”, que se estende ainda a outras especialidades e “um pouco por todo o SNS”, criticou também Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos.
Oito urgências fechadas ou em contingência
O caso da grávida que perdeu o bebé na noite de quarta-feira no hospital das Caldas da Rainha - em averiguação pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde e pela Entidade Reguladora da Saúde - foi o primeiro sinal de alerta. Mas há problemas em várias regiões e em diversas especialidades, apesar de a ginecologia-obstetrícia ser a mais preocupante.
No Hospital de Almada, por exemplo, não houve urgências de ginecologia-obstetrícia na passada quarta-feira, 8 de Junho, e até às 08h30 de quinta-feira e de ortotraumatologia até às 20h de quarta-feira. Também houve problemas no São Francisco Xavier (Lisboa), com a urgência de obstetrícia fechada na sexta-feira à noite e no sábado de manhã. Caldas da Rainha, Barreiro, Setúbal e Santarém estiveram igualmente com limitações, tal como o Amadora-Sintra.
No domingo, a urgência de ginecologia e obstetrícia de Loures esteve fechada e reabriu apenas às 20h. E a urgência de obstetrícia do hospital de Braga também esteve encerrada durante 24 horas. Na Guarda, não houve urgências de ortopedia nos últimos dias.
Esta segunda-feira, foi o Hospital de Vila Franca de Xira que solicitou ao Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) que encaminhasse para outras unidades os utentes transportados em ambulância, por não conseguir dar resposta na urgência geral.
Constrangimentos mantêm-se em Lisboa e no Algarve
Os constrangimentos mantêm-se em alguns serviços. A partir das 20h desta segunda-feira, as urgências de obstetrícia dos hospitais do Barreiro e do São Francisco Xavier voltaram a encerrar até às 8h da manhã de terça-feira. As grávidas serão encaminhadas ou devem dirigir-se a outras unidades da região, como as de Setúbal, Almada, Cascais, o hospital de Santa Maria e a Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, avisou a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
O serviço de urgência de ginecologia e obstetrícia de Portimão vai também estar encerrado e durante quase uma semana, entre as 21h desta terça-feira e as 9h da próxima segunda-feira, devido à dificuldade em assegurar escalas, informou o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA).
O conselho de administração do CHUA acrescenta que a resposta está garantida no hospital de Faro pela equipa de especialistas local, que será reforçada com médicos do hospital de Portimão.