30.5.23

“As pessoas fugiam de nós”: covid-19 provocou um estigma nos doentes semelhante ao da tuberculose, mas depois também o ajudou a combater

Joana Ascensão, in Expresso


Foi intenso mas passageiro o estigma sentido pelos doentes que contraíram covid-19 no início da pandemia. Um estudo coordenado por duas investigadoras do ISPUP mostra que, à medida que a pandemia se foi normalizando na sociedade, o estigma foi-se esbatendo


Um estudo recente, Tuberculosis and COVID-19 Related Stigma: Portuguese Patients Experiences, – que contou com a participação de duas investigadoras do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), Raquel Duarte e Ana Aguiar – provou que o efeito do estigma sentido pelos doentes com covid-19 no início da pandemia foi idêntico ao sentido pelos doentes que experienciam a tuberculose.

Contudo, à medida que a pandemia se foi interiorizando na sociedade, bem como os hábitos de uso de máscara, de etiqueta respiratória e de lavagem das mãos, o efeito de normalização da experiência de contrair uma doença infecciosa estendeu-se da covid-19 para a tuberculose.

“A pandemia ajudou a diminuir um pouco o estigma associado à tuberculose. No início, houve imenso estigma associado à covid, mas à medida que o tempo foi passando, com o andamento da pandemia, a ideia de contrair uma infeção foi-se normalizando”, explica ao Expresso Ana Aguiar, uma das coordenadoras do estudo junto com Raquel Duarte (também ex-secretária de Estado da Saúde).

Através de uma análise qualitativa, por meio de entrevistas concretizadas por duas médicas que realizaram o seu internato em pneumologia no Centro de Diagnóstico Pulmonar de Vila Nova de Gaia, entre 2019 e 2021, foi possível identificar doentes que se sentiram estigmatizados por terem contraído covid-19 e tuberculose.

“Eu acho que as pessoas fugiam de nós” relatou às investigadoras uma mulher de 58 anos infetada com o vírus SARS-CoV-2, em 2020, cujo testemunho se pode ler no estudo.

O estigma é “uma questão que interessa particularmente à ciência, porque é, em si mesmo, um problema de saúde pública”, como refere Ana Aguiar, já que ele acarreta, por exemplo, um atraso estudado e documentado no diagnóstico da tuberculose.

Se com a covid-19, pelas condições específicas em que a doença surgiu mundialmente, o efeito não perdurou, interessa saber se a experiência da pandemia trouxe melhoras significativas na vivência de outras doenças infecciosas. Mas nisto, Ana Aguiar tem algumas dúvidas.

Numa fase mais tardia da pandemia os doentes reportavam que “dizer ‘covid-19’ e dizer ‘tuberculose’ tinha um peso completamente diferente”, mantendo o segundo nome uma “conotação muito, muito pesada, que gera estigma”, associado a uma contração da infeção por via de comportamentos de risco.

Num país com uma baixa incidência, como Portugal, mas onde “cada vez se fala menos da doença”, o tempo de diagnóstico está a aumentar. Isso preocupa os profissionais de saúde, que insistem na importância de normalizar a doença para a qual já existe cura. “Se nós tivermos uma sociedade altamente consciente sobre as doenças infecciosas, conseguimos combater o estigma”, diz Ana Aguiar.