30.5.23

Esta "espécie rara sobre rodas" pode ajudar a sua empresa a integrar pessoas com deficiência

Pedro Sousa Carvalho, in Expresso


Catarina Oliveira anda pelo país de cadeira de rodas a dar palestras e formação sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. O Expresso Ser assistiu a um webinar desta consultora que nos apresentou um autêntico compêndio sobre as barreiras que estas pessoas enfrentam e a forma como as empresas as podem derrubar. E deixa este conselho: “Não encarem a inclusão como um custo, encarem como um investimento”


“Sou uma mulher branca, cabelo castanho, encaracolado, estou de camisa branca e atrás de mim está um painel azul. Sou uma pessoa com deficiência motora”. É assim que se apresenta Catarina Oliveira para o caso de estar presente na conferência alguém com deficiência visual. Uma conferência promovida pela empresa de recursos humanos Multitempo by JobandTalent.

Catarina Oliveira, 34 anos, é natural do Porto, nutricionista, consultora e formadora para a diversidade e inclusão, embaixadora da Associação Salvador e, ainda, formadora na empresa AccessLab. “Comecei há sete anos com um projeto no Instagram chamado @especierarasobrerodas, onde comecei a desmistificar todas as questões relacionadas com a deficiência. Durante 27 anos fui uma pessoa sem deficiência e tornei-me numa pessoa com deficiência motora há sete anos. Percebi então que o mundo, seja a nível de trabalho, seja a nível pessoal, começou a encarar-me como uma espécie rara sobre rodas”.

E que mitos quer desmontar esta consultora que tem mais de 41 mil seguidores no Instagram? São essencialmente três: 1) As pessoas com deficiência não querem trabalhar; 2) As pessoas com deficiência são menos capazes; 3) As adaptações nas empresas são muito caras e difíceis.

QUANTAS PESSOAS TÊM DEFICIÊNCIA?

De acordo com o Relatório Mundial da Deficiência da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de mil milhões de pessoas em todo o mundo têm algum tipo de deficiência, ou seja, 15% da população. Em Portugal são um milhão ou 10% da população.

“Quando pensamos em deficiência pensamos em cadeira de rodas, mas também temos deficiência visual, auditiva, temos deficiências invisíveis, temos

neurodivergências, temos deficiências intelectuais, nem todas são visíveis”, explica Catarina Oliveira que remata dizendo que “as pessoas com deficiência são a maior minoria do mundo”.

Os dados apresentados no webinar mostram que apesar de serem uma grande minoria, as pessoas com deficiência da União Europeia enfrentam ainda grandes dificuldades:28,4% das pessoas com deficiência estão em risco de pobreza e exclusão social comparativamente a 18,4% de pessoas sem deficiência;

37,5% das pessoas com deficiência estão inativas, comparativamente a 17,6% de pessoas sem deficiência;

50,8% das pessoas com deficiência têm emprego, contra 75% das pessoas sem deficiência. Em Portugal, a diferença na taxa de emprego entre pessoas com e sem deficiência é de 18,2 pontos percentuais.

QUE BARREIRAS ENFRENTAM ESTAS PESSOAS?

O que explica estas estatísticas são essencialmente as barreiras que se levantam e impedem que estas pessoas tenham acesso ao mercado de trabalho. “Grande parte dos problemas de viver com uma deficiência não é inerente à deficiência, é inerente às barreiras que temos constantemente de ultrapassar e que estão à nossa volta”, explica. E que barreiras são essas?

Algumas são comportamentais, sendo a mais óbvia a discriminação de pessoas com deficiência e risco agravado de saúde, que é punida por lei (Lei 46º/2006, de 28 de agosto). E a lei pune quer a discriminação direta, quer a indireta “quando me colocam cinco degraus à entrada de um restaurante”.

O capacitismo e a infantilização são outras das barreiras comportamentais que se erguem na vida destas pessoas. O capacitismo é este sistema de discriminação que assenta na premissa de que os corpos de pessoas sem deficiência são mais válidos, capazes e produtivos do que os das pessoas com deficiência. E a infantilização é tratar pessoas com deficiência como se fossem crianças: “Muitas vezes falam comigo com uma voz infantil, com uma vozinha. Muitas vezes nem sequer falam comigo, falam com quem está comigo. Vou a um café e perguntam a quem está comigo o que é que eu vou tomar, perguntam à pessoa que está comigo o que me aconteceu. Eu própria já fiz isso. Estar a falar com alguém com uma paralisia cerebral, que não tem necessariamente uma deficiência cognitiva, e estar a falar com essa pessoa como se ela fosse uma criança. E depois pensei: porque estás a ter este comportamento com alguém que é um adulto?”

A comunicação é outras das barreiras que se levantam à frente das pessoas com deficiência. A este prepósito, Catarina coloca duas questões às empresas: “Como é que vocês adequam uma entrevista de emprego? Será que vão pôr de parte uma pessoa surda, que comunica com linguagem gestual, simplesmente porque não têm um intérprete? Será que vocês vão perder um trabalhador que seja autista e que não consiga ter uma comunicação olho no olho, mas que possa ser extremamente capaz de ajudar a vossa empresa se a vossa empresa for, por exemplo, uma empresa de análise de dados?”

No final desta corrida cheia de obstáculos, ainda encontramos as barreiras físicas, do ambiente que nos rodeia: os degraus, as escadas no local de trabalho, os pisos desconfortáveis que causam trepidação. Catarina Oliveira dispara uma série de perguntas para as empresas: “Será que existem na empresa lugares de estacionamento para pessoas com mobilidade condicionada? Será que na vossa empresa existem casas de banho adaptadas e acessíveis? Eu preciso de barras de apoio para me transferir para uma sanita e preciso de um espelho mais baixo, porque não me levanto. Se for maquilhada gosto de retocar a minha maquilhagem”.

Mas há mais perguntas: “Como é o mobiliário no local de trabalho? Será que as mesas são tão baixas que eu não consigo entrar lá com a minha cadeira? Será que no bar só existem mesas altas e eu tenho de comer no meu colo? Não é preciso abolir as mesas altas, é preciso ter também mesas baixas. Será que na receção da vossa empresa existe um balcão rebaixado para que eu não tenha uma parede entre mim e a rececionista? A vossa empresa tem um plano de evacuação onde se considera as pessoas com deficiência? Para uma pessoa surda, existem sinais luminosos em casos de emergência? Há portas pesadas e de difícil abertura?”

O QUE PODEM FAZER AS EMPRESAS?

É uma enorme check-list que as empresas que querem integrar pessoas com deficiência têm de fazer, sendo que existem algumas entidades, como o IEFP, que têm programas que ajudam as empresas neste percurso. Catarina Oliveira deixa ainda quatro sugestões de leitura/contacto para os diretores de recursos humanos:Convenção dos Direitos sobre Pessoas com Deficiência;

Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência 2021-2025;

Guia Prático das Pessoas com Deficiência em Portugal;

Linha de Apoio ao Cidadão com Deficiência do INR.

Para acolher trabalhadores com deficiência é necessário que a sua empresa faça adaptações razoáveis, ou seja, adaptações em função dos meios financeiros. Catarina Oliveira cita um inquérito da Job Accommodation Network para mostrar que “75% dos empregadores que forneceram adaptações razoáveis para os seus funcionários constataram que os ajustes foram extremamente eficazes no desemprego dos colaboradores” e ainda que “56% das adaptações nem sequer tiveram custos de adaptação”.

Nesta caminhada rumo à inclusão, as empresas também devem apostar na formação dos seus trabalhadores de forma a facilitar a integração na empresa de pessoas com deficiência. A este prepósito, esta especialista cita um estudo feito no Brasil onde as empresas foram questionadas sobre os maiores obstáculos que enfrentavam à contratação de pessoas com deficiência: “44% falou na falta de formação do staff, 41,7% na baixa qualificação dos candidatos e 78,4% na falta de preparação dos líderes de equipa. Muitas vezes os líderes da equipa pensam que contratar uma pessoa com deficiência pode reduzir a pique a produtividade. Isso só acontece quando a pessoa é integrada sem haver essa preparação”.

Neste processo de integração, também é importante não esquecer os ensinamentos que nos trouxe a pandemia sobre modelos de trabalho híbrido, flexibilidade no trabalho e recrutamento virtual. Sendo que o conselho mais importante deixado por esta consultora é não fazer nenhuma adaptação na empresa sem antes chamar alguém com deficiência.

No final, a formadora na empresa AccessLab deixou um desafio adicional às empresas. “E na administração têm alguém com deficiência?” Catarina Oliveira lança a pergunta e dá a resposta: “Vocês não imaginam o poder de mudança que nós temos numa empresa quando temos alguém com deficiência num cargo em que é possível tomar uma decisão. As mudanças começam a acontecer e são muito mais fáceis do que nós imaginamos”.
QUAIS SÃO OS BENEFÍCIOS?

Com a contratação e integração de pessoas com deficiência “beneficiamos todos, não é um ato de caridade e benfeitoria. A pessoa com deficiência é uma potência económica e se eu for para a vossa empresa posso acrescentar valor. Ou não, porque posso não ser competente no meu trabalho”. Catarina Oliveira elenca uma série de benefícios desta integração:Tem impacto nas condições financeiras e na autonomia da própria pessoa;
Tem um impacto no consumidor/cliente da empresa;
Enriquece e reforças as organizações;
Traz segurança aos colaboradores;
Estimula a inovação e a criatividade;
Diminui os conflitos e aumenta a produtividade.

Em jeito de conclusão, Catarina Oliveira, uma "espécie rara sobre rodas", diz que “quando a diversidade e a inclusão acontecem, geram transformações profundas que impactam positivamente a vida de todos os colaboradores, promovendo igualdade, equidade, criatividade, engajamento, motivação, respeito, tolerância e, consequentemente, o crescimento da empresa num ambiente saudável e produtivo”.

“Não encarem a inclusão, a acessibilidade, a integração da pessoa com deficiência como um obstáculo ao vosso crescimento económico. Não encarem a inclusão como um custo, encarem como um investimento. Vocês vão ter o retorno daquele investimento no futuro, podem não o ver, mas vocês vão percebê-lo”.