24.5.23

Mais Habitação: engenheiros alertam para riscos de segurança com simplificação dos licenciamentos

Rafaela Burd Relvas in Público


Mais Habitação: engenheiros alertam para riscos de segurança com simplificação dos licenciamentos
Governo propõe que maioria das instalações eléctricas de baixa tensão fique isenta de projecto elaborado por profissional habilitado, medida para cujas “graves consequências” os engenheiros alertam.


O Governo prepara-se para reformar e simplificar os licenciamentos em matéria de urbanismo e ordenamento do território, com o objectivo de disponibilizar mais habitação a preço acessível. As medidas, que fazem parte do pacote legislativo Mais Habitação, estão prestes a ser discutidas na Assembleia da República, mas suscitam várias dúvidas aos especialistas do sector. Os engenheiros alertam para a intenção do Governo de isentar de projecto eléctrico a larga maioria das instalações de baixa tensão, uma proposta que, no seu entender, vem criar “consequências muito gravosas” sobre a qualidade e segurança da habitação nova, gerando mesmo “risco de incêndios e explosões”.

Em causa está a proposta de lei n.º 77/XV, que foi aprovada na generalidade na semana passada e irá, agora, ser discutida e votada na comissão parlamentar especializada. É proposto conceder ao Governo autorização legislativa para rever uma série de diplomas, como o regime jurídico da urbanização e da edificação (RJUE), o regulamento geral de edificações urbanas, o regime jurídico das autarquias locais ou a lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo.

Entre as várias medidas que são apresentadas, o Governo propõe, por exemplo, alargar de forma significativa o leque de casos que passam a estar isentos de controlo prévio (como obras de alteração no interior de edifícios que não afectem a estrutura de estabilidade, ou obras de reconstrução, das quais não resulte um aumento da altura da fachada), simplificar procedimentos administrativos para obtenção de licenças urbanísticas e eliminar uma série de obrigatoriedades actualmente existentes no processo de construção.

Neste último campo, o Governo propõe a “eliminação da obrigatoriedade de existência de projecto elaborado por projectista para efeitos de execução de instalações eléctricas abaixo de 41,4 kVa, quando, até agora, o limite a partir do qual era obrigatória a elaboração de projecto por projectista era 10,35 kVa”.

Traduzindo: o actual regime das instalações eléctricas de serviço particular prevê que as instalações eléctricas até à potência de 10,35 kVa podem ser feitas sem projecto eléctrico (definido por lei como “o conjunto de peças escritas e desenhadas e outros elementos de uma instalação eléctrica necessários para a sua execução e correcta exploração”). O Governo propõe que esta isenção seja alargada às instalações eléctricas até uma potência de 41,4 kVa, o que, na prática, significa que a larga maioria das instalações eléctricas de baixa tensão (em que está incluído o uso doméstico de electricidade, ou seja, os imóveis habitacionais) deixa de precisar de um projecto elaborado por um profissional habilitado para o efeito.

E isso, alertam os engenheiros, comporta riscos graves. “Esta decisão constitui um claro retrocesso na segurança das pessoas e bens, contribuindo para a anarquia na execução destas instalações especiais, cada vez mais importantes, nomeadamente na tão falada eficiência e transição energética”, começa por referir a Ordem dos Engenheiros, num parecer entregue ao Parlamento. E acrescenta: “Não se concebe, à luz da evolução tecnológica e da segurança, construir ou reabilitar um edifício, para habitação, comércio, restauração, residência para idosos, infantário, escola ou outro, e aceitar como verdade que este seja mais rápido, mais barato, mais bem concebido e, principalmente, mais seguro para as pessoas, por não haver um projecto eléctrico elaborado por um profissional da engenharia.”

A isenção proposta pelo Governo, aponta ainda a Ordem dos Engenheiros, abrange “a maioria das instalações de baixa tensão, num universo de cerca de seis milhões”. E os clientes, diz, passarão “a estar nas mãos dos agentes executantes, infelizmente cada vez menos competentes, por motivos de mão-de-obra pouco qualificada e mal paga no sector da construção”. A isto acresce que os executantes das obras “não terão a obrigação de registar os traçados da instalação eléctrica”, pelo que “o processo cadastral da obra ficará vazio, o que compromete gravemente uma futura intervenção no edifício”.

Neste contexto, conclui a Ordem dos Engenheiros, a ser concretizada, esta proposta “irá fatalmente resultar em graves consequências”, incluindo “maiores custos na construção, maiores riscos de incêndio e perigos para pessoas e animais, maior degradação da qualidade dos serviços de instalações eléctricas” ou o “aumento da concorrência desleal entre empresas”.

O mesmo é defendido pela Ordem dos Engenheiros Técnicos, que também já entregou ao Parlamento o seu parecer sobre esta proposta do Governo. “Dúvidas não nos restam de que o benefício da obrigatoriedade da existência de projecto eléctrico para todas as novas edificações é muito superior ao risco acrescido da dispensa de projecto eléctrico para potências inferiores a 41,4 kVa, caso em que aumentará, de forma drástica, o risco de incêndios e explosões, pondo em causa a vida das pessoas e o seu património”, resume o parecer.