14.7.23

Ainda há resistentes no mercado da Sé nas vésperas da despedida

Mariana Correia Pinto (texto), Paulo Pimenta (fotografia), in Público online

Câmara do Porto anunciou indemnizações e encerramento até ao fim de Junho, mas comerciantes não receberam e não arredam pé. Fechar o mercado será “matar mais um bocadinho a Sé”?

As notícias da sua morte foram manifestamente exageradas. E trouxeram danos a quem por ali ainda resiste: “A gente já vendia pouco, mas ficou ainda pior depois de a câmara [do Porto] ir dizer para a rádio que isto ia fechar.” O protesto é de Maria Vitória, mais conhecida como Maria Comunista, e encontra eco em quase todas as conversas no Mercado de São Sebastião, na Sé do Porto. “Isto está como se vê”, diz a vendedora a apontar o estado degradado do edifício com quase todas as bancadas vazias: “Está mau, mas fechado ainda não está. Enquanto não nos pagarem aqui estaremos.”

No início de Junho, o vereador Ricardo Valente garantiu, numa reunião do executivo, encerrar o processo até ao fim desse mês, indemnizando as comerciantes e fechando portas. “A partir daí iremos ver o que fazer naquele espaço”, afirmou, recusando dar mais pormenores. As quatro vendedoras que ali permanecem já aceitaram sair, mas souberam desse prazo pelos jornalistas e, até agora, não foram chamadas pelo município. O PÚBLICO questionou a Câmara do Porto sobre o assunto, mas o gabinete de comunicação limitou-se a informar de que levará uma proposta sobre o assunto à próxima reunião do executivo, na próxima segunda-feira. Até quando estará o mercado aberto não se sabe. Se a autarquia pretende reabilitá-lo (tendo em conta que recuperou os 75 mil euros que havia dado à junta local para o fazer) e para que fim o vai usar permanece no segredo dos gabinetes dos Paços do Concelho.

Sentada ao lado da sua bancada, Maria Barbosa confirma a sua disponibilidade para pôr um ponto final numa história de muitas décadas. Não com alegria, mas entregue à resignação. “Tenho 82 anos e estou cansada. Se vendesse, valia o esforço. O problema é não haver gente: ainda ontem fui embora sem me estrear.”

A decadência do Mercado de São Sebastião, inaugurado nos anos 1990, não é de agora. E na Sé conhecem-se as costuras da história. “Desde que começaram a mandar gente para os bairros e para fora do Porto, isto foi morrendo.” O lamento é de Albertina da Liberdade, ex-vendedora, moradora na Travessa de São Sebastião e testemunho vivo de tempos em que a artéria era do povo ali nascido. “Isto estava sempre cheio de gente, agora somos quatro ou cinco e o resto é hostels.”

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O fecho do mercado entristece-a. Que fará, depois, às flores colhidas no seu campo, nos Carvalhos, do lado de lá da ponte? Às cinco da manhã, sem dias de folga, já está a regá-lo. Pouco depois, põe-se a caminho do Porto. “Gostava de manter o meu ritmo, ainda me sinto jovem. Às vezes, a minha filha pergunta-me se não estou cansada. Não estou! Levo a vida a brincar e isto passa.”

O movimento é fraco. Mas não cessa. Tal como a conversa, parte da delicadeza do mercado. “A gente aqui distrai-se”, comenta Carminda Nobre. Os clientes fiéis incentivam a resistência: “Espero ver-vos aqui mais vezes. Muita saúde”, acena um homem já a caminhar para a saída. Maria Barbosa, ou Maria do 21, alcunha de casamento por ter dado o nó com um homem que era o número 21 na tropa, pede a palavra: “Acha que isto fecha para sempre ou não?”, pergunta em jeito de remate, como se buscasse solução para a sua ânsia. Ela tem um palpite: “As pessoas hoje vão ao supermercado e compram tudo. Mais cedo ou mais tarde, fecham isto, depois há-de ser o Bolhão. Ou então é como o Bom Sucesso. Vai ser outra coisa.”

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