António Perez Metelo e Gonçalo Fernandes Santos, in Diário de Notícias
Tema sempre presente nas suas intervenções é a globalização, uma força imparável, que pode ser caótica ou ordenada. Qual a visão da OCDE nesse processo?
A globalização é, efectivamente, inevitável. Está a ser impulsionada pela tecnologia, pelas comunicações e pela inovação. O grande desafio está em saber como se consegue que a globalização ajude a maioria da Humanidade e evite o crescimento das desigualdades. Como ajudar a que haja, com a criação de empregos e boas políticas públicas, uma difusão do bem-estar. E, também, a luta coordenada contra problemas que não têm já resposta nacional possível, como a mudança do clima, o ambiente, o desenvolvimento sustentável.
E a escassez da água...
Sim. Tema pouco tratado até agora. A energia, relacionada com o ambiente e as mudanças do clima. O tema das migrações, a saúde pública, que enfrenta desafios cada vez mais comuns, graças à crescente mobilidade das populações. Mas também a luta contra as forças que procuram atentar contra a globalização.
A que forças está a referir-se?
Pelo facto de se estar a dar uma maior polarização em termos de repartição de rendimentos, entre países e dentro de cada país, gera-se a percepção de que esta coisa da globalização é uma ameaça e que ela vem de fora.
Essa percepção ganha força nos 30 países da OCDE?
Cabe precisamente à OCDE explicar que a globalização é uma força com um saldo líquido positivo, que pode ser mais bem encaminhada com boas políticas públicas. Se não for assim, as consequências são muito concretas: o "não" à Constituição europeia, a incapacidade de concluir a Ronda de Doha, o surgimento do proteccionismo sob a capa dos "campeões nacionais". O essencial é distinguir entre segurança nacional e proteccionismo. A verdade é que o proteccionismo por razões de interesse de grupo - e não de segurança - provoca uma má alocação de recursos. Há preocupações legítimas com a segurança nacional, mas é preciso não baralhar as coisas.
E há ainda as reacções contra as migrações.
Aumenta o envelhecimento das populações. Nalguns casos há já recuo no número absoluto de habitantes de um país, que pode ser compensado com a corrente de imigrantes. Como fazer desta tendência um fenómeno no qual todos ganham? Eis um assunto que temos de enfrentar para que as pessoas se apercebam mais das oportunidades e haja menos resistência intuitiva pela falta de suficiente cooperação nos temas globais.
Com tantas organizações regionais e internacionais, sectoriais ou não, qual é o papel específico da OCDE?
A OCDE teve três grandes épocas: a do pós-guerra, a reconstrução física da Europa, o Plano Marshall; depois vem a etapa do confronto ideológico entre economias de mercado e economias de planificação central, com a prevalência do modelo de economia de mercado; e hoje confronta-se com o desafio da globalização. O nosso mandato básico é fazer com que a economia do mundo melhore, focando a atenção em temas que requerem uma coordenação e de uma concertação que, no passado, só se usava no âmbito do comércio. Tecnologia, educação, saúde, ambiente, são temas muito mais diversificados e complexos. Veja o caso da internet. Vamos ter uma conferência mundial em Seul, em 2008, precisamente para analisar todos os aspectos derivados da expansão da internet, bem como das políticas públicas que se devem e não se devem adoptar nesse campo.
E o método de trabalho na OCDE consiste em difundir as melhores práticas dos seus 30 membros?
Nós funcionamos com um sistema que, creio, nos dá uma vantagem comparativa. Quando observamos um fenómeno interessante, medimo-lo, quantificamo-lo. Comparam-se políticas e extraem-se as conclusões, que conduzem às propostas de melhores práticas. E agora começam a solicitar-nos que avancemos não só com essas propostas, mas também com a experiência dos 30 na concretização das reformas.
Os relatórios sobre cada país são decisivos para esse trabalho?
Sim. Mas é preciso ter em conta que eu dirijo uma organização de especialistas, apoiados por uma série de pilares. São os comités temáticos, mais de cem. É a parte da organização que as pessoas não vêem. Fala-se de agricultura, há uma trintena de especialistas, vice-ministros, directores-gerais dos países membros mais os dos observadores, para discutir os problemas de hoje: as sementes geneticamente modificadas, a produtividade agrícola, os mercados protegidos. Quem escolhe os temas são especialistas "com a mão na massa", não são académicos. E esses temas assim seleccionados são, por definição, globalizados e muito próximos da realidade.
Nos seus discursos insiste que a globalização tem de promover a prosperidade, a equidade e a sustentabilidade. Mas não se vêem progressos claros nestas três frentes...
Nós somos também a sede do CAD, o Comité de Ajuda ao Desenvolvimento, no qual os mais ricos organizam as transferências públicas em favor dos mais pobres do mundo. O problema não está, apenas, na existência da pobreza nos países menos desenvolvidos. Há progressos nessa frente, sobretudo na Ásia. O problema existe também dentro dos países da OCDE. Estudámos vinte casos. Em dezassete há uma deterioração na repartição de rendimentos. Só há uma resposta possível: políticas de educação, de treino vocacional, políticas activas de emprego, de investigação e desenvolvimento. Mas, nos países mais pobres, existe o problema adicional de canalizar bem os 107 mil milhões de dólares anuais de ajuda ao desenvolvimento para que possam ter o maior efeito multiplicador possível.
Não o têm tido...
Estamos a chegar à conclusão de que o mais importante é aumentar a capacidade institucional. Instituições nacionais fortes são insubstituíveis para poder recolher e gerir a ajuda.
Mas estamos a avançar ou a retroceder nas melhores práticas?
Eu creio que estamos a avançar. O processo está a gerar níveis mais altos na saúde e na educação com a ajuda da tecnologia. Veja o caso do computador de 100 dólares, promovido por Nick Negroponte. Ele permite todas as conexões possível. O pessoal do Skype também quer meter-se nesse computador e permitir falar ao telefone através dele nos países em desenvolvimento. Isto é muito importante! A definição actual de classe média é a capacidade de ter um mínimo de acesso à computação. Esse é hoje o grande igualizador de oportunidades de acesso à informação. Agora repare: com mil milhões de dólares compram-se 10 milhões de computadores de 100 dólares. Hoje há 800 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever. Em breve a Nigéria ou o Brasil vão começar a fazer encomendas de milhões de aparelhos. E a esta escala começa a ser possível operar grandes transformações.
E esses impulsos devem vir apenas dos privados?
Não. Gordon Brown, o ministro das Finanças do R eino Unido, teve uma ideia brilhante pela sua simplicidade. Ele propõe que se quantifique a ajuda pública ao desenvolvimento dos próximos anos, antecipando-a para os dias de hoje mediante a emissão de obrigações para financiar uma campanha maciça de vacinação nos países pobres e quebrar já a dinâmica das doenças endémicas.
E os direitos sociais dos trabalhadores dos países emergentes estão a ser promovidos?
Cada vez mais. Mas há uma tensão devida da própria globalização. Quando um investidor dos EUA, da Europa ou do Japão investe na China e adopta as modalidades chinesas no mundo laboral, com baixos salários e com a ausência de grande parte dos direitos existentes no Ocidente, tem grandes ganhos de competitividade. Isto entra no campo dos valores e não só dos custos. Uma das razões pelas quais a OCDE quer ter uma relação mais próxima e intensa com países como a China, a Índia e outros países emergentes, é para que em matéria de melhores práticas se tenha um conhecimento acrescido e que a direcção empreendida nesses países seja no sentido de aproximação a um objectivo social. O problema não é estático.
Se os custos são uma vantagem competitiva dos países emergentes, quais são as nossas?
Educação, investigação e desenvolvimento, inovação, oportunidades de aprender no trabalho. E, o mais importante: quanta da nossa força de trabalho temos nós parada? Não apenas no desemprego oficial, mas também pessoas que não procuram activamente um emprego ou as mulheres e um bom número de jovens, de migrantes e de cidadãos mais velhos. Nos países da OCDE cerca de um terço da força de trabalho potencial não trabalha.
"Este é um momento crucial para Portugal"
Como valorizar o factor trabalho com reduzida produtividade?
Com formação profissional e formação contínua ao longo da vida de trabalho, como o Governo de Portugal quer fazer. Acontece que se está a verificar que aqueles que se foram valorizando ao longo da sua vida activa estão nas melhores condições de manter um posto de trabalho valorizado por mais tempo, graças ao capital de conhecimentos adquiridos. Construímos um sistema, no qual se morria aos 65 anos e se foi encorajando a saída precoce da vida activa. Mas, se a vida hoje em média chega aos 80, e se aos 65 estamos como novos, o sistema penaliza quem quer ficar a trabalhar! Só que já há países que valorizam o prolongamento no trabalho, enquanto se é produtivo, multiplicando o valor das pensões mais tardias. O outro aspecto é ter em conta, como acaba de ser feito em Portugal, a indexação da idade legal de reforma à esperança média de vida. Não é fácil pôr em prática este conceito, tão óbvio, tão revolucionário e tão simples. É que tudo evolui: a medicina, a vida humana, a longevidade e só o esquema de trabalho há-de permanecer rígido?
E que outros temas vão estar na sua agenda em Lisboa?
Estamos a discutir temas de desenvolvimento territorial, da reforma do Estado e do e-government, ou seja, dos serviços públicos electrónicos. Vamos tratar de projectos horizontais, como a educação com as já conhecidas provas PISA, que no final deste ano vão incidir sobre ciência e tecnologia. É a terceira ronda, depois da língua materna e da matemática. Vamos avaliar as universidades e concretizar o projecto Thales, para a formação de professores do secundário. E temos uma espécie de caixa de ferramentas para analisar tudo aquilo que pode tornar atraente o investimento, nacional e estrangeiro: legislação económica, saúde, educação, justiça. E vamos analisar as principais componentes da produtividade cujos indicadores em Portugal deixam muito a desejar.
Como superar os constrangimentos ao desenvolvimento que se sentem hoje?
Eu diria que este é um momento muito emocionante para Portugal. É um momento crucial já que se está a apostar em reformas que necessariamente têm um custo a curto prazo e que requerem, por isso, coragem política para empreendê-las. Mas elas vão ter resultados importantes para que Portugal se aproxime mais da média da UE e da OCDE. É essencial que a população compreenda que é preciso dar algum tempo para que surjam resultados, mas que este é o único caminho. A alternativa a estas reformas é um desempenho medíocre. Não é uma catástrofe, mas há que decidir se Portugal quer estar na cabeça, no meio ou no fim do comboio do desempenho económico. E o resto do mundo não está parado à espera que Portugal recupere...