18.7.23

Jovens “vão ter de viver com um nível de vida abaixo do nosso”

João Carlos Malta (texto) e Salomé Esteves (infografia), in RR

Os jovens portugueses são cada vez menos, ganham (maioritariamente) abaixo de mil euros e saem cada vez mais tarde de casa. Mais de metade não está feliz com o trabalho que tem e têm problemas com a aparência. E o mais preocupante, um em cada quatro já pensou ou já tentou suicidar-se. Tudo isto numa geração em que desigualdade entre homens e mulheres vai permanecer.


Um dos principais mantras em relação aos jovens portugueses é a de que "esta geração viverá pior do que anterior”. A ideia tem por base o critério material, ou seja, o rendimento.

A investigadora Helena Lopes, do ISCTE, acredita que é mesmo inevitabilidade viver com menos, mas as razões não serão primeiramente económicas. A Terra, simplesmente, não aguenta o nível de consumo que agora existe.

“Já ultrapassámos praticamente todos os limites do planeta. Isso significa que os jovens não vão poder ter o mesmo modo de vida do que nós. Vão ter de viver com um nível de vida abaixo do nosso. Vão ter de viver com outro tipo de mobilidade, com menos objetos, com menos”, resume a investigadora do ISCTE, especialista em mudanças sociais.


Helena Lopes diz que os jovens terão de passar a dar valor a outras coisas que não o rendimento, porque "o consumo dos ricos bloqueia a transição ecológica”. Em resumo, a professora acredita que os sistemas educativos “têm de se adaptar e tentar que os jovens não aspirem a ser ricos. Eles vão ter de contentar-se e serem felizes com uma vida com menos, com menos coisas materiais”.

Mas um país em que 72% dos jovens até aos 34 anos ganha menos de 950 euros, segundo os dados do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), “Os jovens em Portugal, hoje”, está no ponto em que as questões de cariz material não têm um peso fundamental? A investigadora reconhece o problema e sem arriscar números diz que o rendimento disponível para os jovens devia ser suficiente para o “acesso à habitação e necessidades básicas”.
Rendimento "será sempre determinante"

Outra leitura tem Lídia Pereira, deputada europeia do PSD e líder da juventude do Partido Popular Europeu (PPE). Até entende que o contexto ambiental leve a que as preocupações sejam redobradas, mas pensa que o rendimento será sempre determinante.

“Nunca podemos negligenciar ou desconsiderar a questão material. É o que permite ser financeiramente livre, ou seja que se consiga poder fazer escolhas da maneira que se entender”, argumenta, reforçando, no entanto, a necessidade de aumentar a vida útil dos bens que compramos.

A mesma deputada diz que nas conversas com pessoas da sua idade, os temas relacionados com a habitação e condições de vida continuam a ser dominantes. Por isso, “não estamos em condições de descartar a questão económica”.

A investigadora do ISCTE Helena Lopes afirma estar, nos últimos anos atenta, aos dados do emprego, e considera que “as expectativas dos jovens relativamente ao trabalho são muito diferentes dos das anteriores”.

A mesma acredita que “os jovens estão dispostos a ganhar menos para ter mais qualidade de vida e para ter mais tempo livre”.

Helena Lopes diz que há uma maior vontade em que o trabalho se concilie com a vida familiar e que, por isso, “uma parte delas já sabe que vai viver de maneira diferente e aceita isso perfeitamente”.

Mas pensa que é fundamental que o sistema educativo contribua para esta mudança de ambição. Dá o exemplo da Finlândia, em que às crianças se fomenta o gosto pela natureza. “A ideia é encontrar outros prazeres e motivos de satisfação que não sejam mudar de carro todos os anos ou ter uma casa de 250 metros quadrados”, identifica.

Já Lídia lamenta que esta seja uma geração com a “ambição coartada”. “Há hoje em dia dificuldade de conseguirmos vislumbrar para a frente essa mesma perspetiva de crescimento e de melhoria contínua das condições de vida”, argumenta.

A ideia que ouve mais repetida em forma de desejo é de “pelo menos poder providenciar aquilo que recebi dos meus pais à minha filha.”
Cada vez menos

Uma verdade inequívoca, qualquer que seja a idade em que se entende que acaba a juventude, é de que o número de jovens é cada vez menor. Esta a reduzir-se de década para década em Portugal.

Segundo o estudo da FFMS “Os jovens em Portugal, hoje”, de 2021, entre 15 e 34 anos, conforme dados do INE/ Pordata, 21,5 % da população residente em Portugal situa-se nesta faixa etária, isto é, pouco mais de 2,2 milhões de jovens.

A redução do peso na sociedade leva, na opinião de Lídia Pereira, a que o poder político tenha menos respostas para este grupo e que os jovens sejam normalmente “tratados de forma paternalista”, como algo de que se tem de falar em época de eleições, altura em que se criam “livros brancos para a juventude”.

Lídia considera que o que preocupa os jovens é o que aflige a sociedade de forma quase transversal, ou seja, o acesso à habitação e à saúde, por exemplo.

A mesma investigação olha para as questões da habitação. Quase seis em cada 10 jovens (56%) vive em casa dos pais até aos 34 anos. Deste grupo, a grande maioria apresenta como motivo para a situação a instabilidade económica.

"Aquilo que os jovens vão ter de dar valor não é ao rendimento, nem à quantidade de dinheiro que vão ganhar", Helena Lopes, professora do ISCTE.


A média de idade de saída em Portugal da casa da família está há vários anos nos 30 anos.
Descontentes com o que veem ao espelho

Um dos dados mais impressivos, segundo uma das coordenadoras do estudo Laura Sagnier é a da forma como os jovens olham para a aparência.

“O estudo não dá uma resposta, mas após falar com muita gente posso dizer que a exposição nas redes sociais e a comparação com situações ideais, que não representam a realidade, estão a fazer muitos danos quer às mulheres, quer aos homens”, explica.

Como consequência quase um quarto dos jovens (23%) já tentaram ou pensaram em suicidar-se. Ainda na área da saúde mental também 26% diz sofrer de ansiedade e depressão, e 12% já autoinfligiu lesões corporais.

Em relação ao nível de escolaridade, segundo Laura Sagnier, a conclusão óbvia é de que quem tem mais estudos, tem mais vantagens quer no acesso ao mercado de trabalho, quer em termos remuneratórios.

Mas o estudo da FFMS de 2021, deixa também claro que não é só nas questões financeiras que estudar é decisivo para ser beneficiado. Nas relações pessoais e afetivas, e também no bem-estar pessoal, este é um critério determinante. “Influencia até o grau de felicidade. Investir na formação dá vantagem em tudo”, resume Sagnier.
Licenciatura vale menos dinheiro

Ainda assim, recentemente um trabalho da Fundação José Neves revelou que o prémio de ter uma licenciatura diminuiu em Portugal. A diferença salarial entre jovens com o ensino superior e com o ensino secundário atingiu “mínimos históricos”, passando de 50% em 2011 para 27% em 2022.

A professora Helena Lopes do ISCTE considera que estes números são mais do expectáveis. São consequência de um maior número de pessoas que concluíram os estudos superiores. “É a lei da oferta e da procura. Quantos mais tiverem a licenciatura, menos essa diferença existirá”, resume.

Uma opinião bem diferente tem a deputada do PSD Lídia Pereira. Para esta jovem, o fenómeno “não é uma situação normal”. Revela a “dificuldade que tem existido no aumento do salário médio”. “O normal seria haver um crescimento contínuo, mas o problema em Portugal é cada vez mais a estagnação do salarial”, acrescenta.

Se em relação ao vencimento o cenário não é animador, também não o é em relação a satisfação com o trabalho. Mais de metade, 52%, não está contente com o trabalho que tem e um em cada três pensa em emigrar.

A fé dos jovens

Numa altura que faltam pouco mais de duas semanas para as Jornada Mundial da Juventude (JMJ) com a vinda do Papa Francisco a Portugal, um estudo recente da Universidade Católica revelou que cerca de metade dos jovens portugueses (49%) entre os 14 e os 30 anos de idade são católicos.

De acordo com o estudo “Jovens, Fé e Futuro”, do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP), 56% dos jovens portugueses são religiosos. A esmagadora maioria dos crentes – 88% – são católicos, 6% dos jovens são protestantes e 1% é Testemunha de Jeová.

Cerca de um terço dos jovens é religioso e praticante – rezando regularmente, participando em celebrações religiosas ou estando integrado em grupos na sua comunidade religiosa.

Os não praticantes apontam vários motivos para a sua opção: enquanto 44% dos jovens dos 14 aos 17 anos assinalam a falta de compromisso e empenho e 33% apontam a falta de tempo, os jovens mais velhos afastam-se da prática religiosa pelo “desacordo com algumas das normas da prática religiosa”, sentimento partilhado por 44% dos jovens entre os 18 e os 30 anos.
Mulheres continuam a ser prejudicadas

Um dos traços mais fortes do estudo que Laura Sagnier coordenou é o da desigualdade de género e que se reflete nas mais diversas dimensões de vida dos jovens.

E essa, diz a investigadora, é uma realidade “muitíssimo preocupante”. Há uma diferença objetiva na forma como a sociedade olha para o homem e para a mulher.

As mulheres estão numa posição muito mais vulnerável que se verifica em várias áreas: em termos da qualidade do sono e a frequência com que tomam medicamentos, ou na quantidade de situações em que se sentiram discriminadas. Mas também há uma desproporção clara na vivência de situações de assédio ou violência.

“Relativamente a passar por situações de violência psicológica, em alguma fase da vida, há 43% das mulheres que dizem isso aconteceu com elas, e nos homens 29%. É quase o dobro”, afirma.

"Entre os jovens que vivem em casal, as tarefas domésticas e a responsabilidade com os filhos é muito mais da mulher do que do homem", Laura Sagnier, coordenora do estido, "Os jovens em Portugal, hoje"

Se a pergunta for sobre se já estiveram numa situação de violência sexual, a diferença entre homens e mulheres é de quatro vezes mais.

A conclusão é que dificilmente será nesta geração que se entrará numa situação de paridade entre homem e mulher. Uma das dimensões mais gritantes é o desequilíbrio que existe nas tarefas domésticas e nas responsabilidades parentais. Isso, defende Laura Sagnier, continua a ter reflexos muito negativos na capacidade das mulheres se realizarem profissionalmente e pessoalmente.

“Entre os jovens que vivem em casal, as tarefas domésticas continuam a ser mais uma responsabilidade da mulher. O problema é que quando a mulher faz o dobro do parceiro, porque além do trabalho tem de em casa ser responsável pela lida doméstica, ela tem menos tempo livre para cuidar dela”, sublinha.

Por fim, quando chega a altura da parentalidade, “a mulher acaba por pedir redução da jornada de trabalho, enquanto o companheiro continua com a vida normal”.

“Isso acaba por afetar as mulheres no âmbito profissional e económico. É o que se chama de uma pescadinha de rabo na boca”, resume a investigadora.