11.7.23

Mais velhos e mais sós. O retrato de quem trabalhou sem descontos

Paula Sofia Luz, in DN


Número de pessoas com mais de 80 anos aumentou muito nos últimos dois anos em Portugal, chegando atualmente aos 750 mil. E continuará a subir. No Dia Mundial da População, a Pordata divulga um estudo revelador: há meio milhão em risco de pobreza, a viver com menos de 551 euros por mês. A investigadora Luísa Loura diz que na próxima década o quadro se vai alterar, a vários níveis.

Os níveis de pobreza em Portugal têm muito a ver com a população mais idosa". Luísa Loura, coordenadora do estudo que a Pordata divulga esta terça-feira, Dia Mundial da População, junta à frase o alerta: o número total de idosos com mais de 80 anos aumentou bastante: atualmente serão 750 mil, "mas serão mais de um milhão daqui a 15 anos", refere a professora que coordenou o trabalho, insistindo na ideia de que "os idosos devem ser olhados de outra forma -- desde os menos idosos, que embora com idade avançada ainda têm autonomia, aos muito idosos", lembrando que "os dados dos Censos nos mostram com uma enorme clareza quando é que começam a perder autonomia, a capacidade de se movimentar, de ir ao médico". Ao mesmo tempo, outro dado a inquieta: a (pouca) capacidade instalada nos Lares da Segurança Social.

"Estas são as pessoas [população com mais de 80 anos] com uma carreira contributiva mais curta, que não foram abrangidas pela obrigatoriedade dos empregadores no sentido de fazerem descontos. Por isso este grupo é especialmente vulnerável: são pessoas que têm dificuldades financeiras enormes e já não têm autonomia". A verdade é que, apesar de serem já uma população muito grande, "vão aumentar em número muito rapidamente", adverte Luísa Loura.

Alterações no perfil

O estudo da Pordata deixa sinais preocupantes em várias perspetivas. Se neste momento se contabilizam 2 milhões e 500 mil idosos em território nacional, é certo que o número irá escalar muito rapidamente. "Mas é preciso termos em conta que a população idosa vai ter alterações fundamentais no seu perfil: as habilitações literárias, que vão ser muito parecidas no grupo dos homens e das mulheres -- até com um pouco mais de escolaridade nas mulheres do que nos homens, o que altera completamente o perfil atual, em que as mulheres têm menos escolaridade -- e também uma grande parte dessa população já terá uma carreira contributiva completa, e a pensão de reforma com que vão ficar já alinha com o tempo de trabalho que tiveram".

"Estas pessoas só recebem pensões mínimas porque o Estado (a sociedade como um todo) não lhes deu essa proteção. E essas pessoas trabalharam. Tinham 30 a 40 anos quando aconteceu o 25 de abril. Contribuíram muito para a qualidade de vida que hoje em dia a população mais nova tem". Ou seja, "houve uma grande preocupação com a proteção na saúde, o que se nota com a esperança média de vida, que aumentou muito, mas não com a proteção social". E esse investimento na saúde é notório no grande aumento do número de centenários no país. O estudo mostra que, na última década, os idosos com 100 anos ou mais aumentaram 77%, com tendência para crescer. Em 2022 viviam em Portugal 2940 pessoas com 100 ou mais anos.


"É bom que estejamos por cá mais tempo, mas já agora que seja de vida saudável", sublinha Luísa Loura. "Os próximos 10 anos ainda vão ser muito críticos na atenção que a sociedade tem de dar a este grupo mais vulnerável. Sem proteção, são pessoas que deram muito do seu esforço ao país na fase da democratização e da melhoria das condições de vida", adianta. Os números mostram que 163 mil idosos receberam o Complemento Solidário para Idosos nos últimos dois anos, embora o número de beneficiários tenha estado a diminuir desde 2019 (quando mais de 176 mil idosos foram apoiados) e está hoje longe dos cerca de 242 mil apoiados anualmente entre 2009 e 2013.

Já os beneficiários do Rendimento Social de Inserção com 65 ou mais anos (cerca de 12,8 mil) representam 5% do total dos beneficiários deste subsídio. A atribuição do RSI aos mais idosos tem estado a aumentar desde 2015 (quando o número de beneficiários rondava os 4,5 mil).

"Estas pessoas são completamente merecedoras de todo o apoio que nós lhes possamos dar", conclui a autora do estudo. A crueza dos números mostra que mais de 400 mil estão em risco de pobreza, vivendo com menos de 551 € mensais.

Em 2021, 17% das pessoas com 65 e mais anos estavam em risco de pobreza (em Portugal, o valor abaixo do qual alguém é considerado pobre situava-se, em 2021, nos 6608 euros anuais, o que equivale a 551€ mensais) mesmo depois de receber transferências sociais, como pensões e outros apoios do estado. Sem transferências sociais, 86% dos idosos estariam em situação de pobreza. E as mulheres têm maior risco de pobreza do que os homens (18,7% vs. 14,7%). "Por terem sido domésticas, muitas vezes o suporte de toda a família, não tiveram qualquer tipo de descontos, e por isso são elas as mais vulneráveis".

Ainda assim, a taxa de risco de pobreza entre os idosos foi a que mais baixou entre 2020 e 2021. Em 2006, por exemplo, a pobreza atingia 1 em cada 4 idosos.

A investigadora está ciente de que, daqui por 15 ou 20 anos, esse será um problema esbatido, porque "nessa altura as pensões já vão dar aquele conforto financeiro que permita às pessoas comprarem os remédios, ou pagarem o serviço de apoio domiciliário. Ou seja, já terão fundo de maneio para acautelar essas situações. E neste momento isso não acontece".
Continuar a trabalhar na idade da reforma

Doutorada em Estatística e Computação e licenciada em Matemática, Luísa Loura é docente e investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ela própria já integra a população-alvo do estudo, como refere ao DN. Aos 69 anos continua a trabalhar, e o seu caso é um entre os milhares que, em Portugal, continuam a contribuir para a economia do país, mesmo depois da chamada idade da reforma. De acordo com este documento da Pordata, 9% da população com 65 anos (ou mais) permanece no mercado de trabalho. Um total de 240 mil trabalham ou ocupam-se na agricultura. Note-se que a taxa de emprego entre as pessoas com 65 ou mais anos tem vindo a aumentar desde 2015 (9% em 2022 face a 6% em 2015), acompanhando a tendência nacional, e em 2022 era mais do dobro entre os homens comparativamente às mulheres (14% vs. 6%).

Na União Europeia, a taxa de emprego nesta faixa etária variou entre os 2% da Roménia e os 17% da Estónia. Portugal situa-se na 10.ª posição entre os 27 países.

O lado "utilitário" dos mais velhos tem aqui um duplo sentido. Luísa Loura fala dessa ambiguidade, que por um lado coloca pessoas ativas no mercado de trabalho, e por outro prende-se com a forma como é ocupado o tempo livre, "usando as infraestruturas que o país tem, nomeadamente culturais". "Tudo está interligado, nomeadamente a questão da solidão. As pessoas sentem-se sozinha principalmente se não estiverem ocupadas", enfatiza a coordenadora do estudo. Os dados mostram que cerca de 12% dessa faixa etária se diz muitas vezes só, quando no resto da população são 7%. "É uma diferença muito assinalável. E a solidão traz outros problemas, nomeadamente na saúde mental. Portanto, sentirem-se ocupadas é uma das coisas que traz mais satisfação com a vida. Seja mais ou menos útil para a sociedade". "E a questão financeira tem implicações também no lazer, com viagens de turismo, idas aos museus, espetáculos e outros. Isso custa dinheiro", sublinha Luísa Loura, para quem "a perspetiva de virmos a ter uma população idosa com mais disponibilidade financeira também traz uma boa visão para o país no uso desses recursos".

Mas até lá chegar, o panorama presente não é animador.



pauptla.sofia.luz@ext.dn.