23.5.09

Crise não afecta famílias habituadas a poupar muito

por Rita Carvalho, in Diário de Notícias

É nos lares numerosos que a incidência de pobreza é mais elevada: 47%. Muitos estão agora com enormes dificuldades. Mas nas famílias onde o aumento dos filhos é uma opção ponderada a austeridade impõe-se, e a grave situação económica não se faz sentir.

Cereais ao pequeno-almoço só ao fim-de-semana, roupa compra-se nova no hipermercado ou vem dos primos e irmãos mais velhos. Telemóveis só a partir dos 15 anos e televisão só nos quatro canais. São hábitos de austeridade como estes que fazem com que a crise não afecte a família Líbano Monteiro, composta por pai, mãe e oito filhos. Só o pai está empregado, por opção do casal, mas o orçamento familiar, gerido à risca, é suficiente.

Famílias como a dos Líbano Monteiro estão bem preparadas para resistir à grave situação económica, diz Ana Cid Gonçalves. A secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, (APFN), que hoje se reúne em congresso, explica: "Não são famílias que se habituaram a viver acima das possibilidades, como muitas das que agora estão a ser atingidas pela crise."

Mas nem todas são como esta e é precisamente nos agregados maiores que há maior índice de pobreza: actualmente, 47% segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. "Há famílias numerosas com todo o tipo de rendimentos e esta conclusão não pode generalizar-se", alerta a APFN. Nas menos organizadas e com salários mais baixos - e onde o aumento do número de filhos não obedece a um planeamento familiar - a crise agudizou as dificuldades já existentes.

"Os casos mais dramáticos são de desemprego e doença. Os pedidos de apoio social à associação subiram 20% este ano e há muita gente a receber apoio alimentar e na saúde", diz a porta- -voz. Mas muitas pessoas ligam apenas para expor a situação e pedir conselhos, pois sabem que a associação não dá apoios directos, apenas encaminha e informa. "Tentamos criar condições para que as pessoas não tenham de mendigar", diz Ana Cid.

Disciplina, poupança, contenção. São palavras postas em prática diariamente e transmitidas de geração em geração por quem optou por ter muitos filhos e sabe que é nos cortes do dia-a-dia que se poupa. "Pois aqui é tudo vezes dez", diz o pai Manuel Líbano Monteiro. Engenheiro e sócio na empresa onde trabalha, explica: "Temos imenso cuidado com os gastos diários. É nestes consumos que têm de se criar hábitos de poupança."

As regras não são de hoje, acrescenta Maria Adelaide, a mãe. "Somos uma família sem dificuldades, mas habituados ao 'ter de chegar para todos'. Sabemos viver com o que temos e sem luxos." Os luxos são os restaurantes - quando há é no MacDonald's ou Pizza Hut -, as férias lá fora, os iogurtes líquidos, as bolachas saborosas, os sumos às refeições, o peixe fresco, a roupa de marca.

Com uma licença que lhe permite dedicar-se exclusivamente à família, a mãe organiza e gere a rotina dos filhos, faz as compras, prepara as refeições, trata da casa, leva e traz os mais novos à escola. O dia começa cedo, com a preparação dos mais novos (Teresinha, três anos, Maria, seis, e Pedro, nove) para irem para o colégio e respectivas refeições. A partir do 5.º ano, vão para a escola pública e passam a andar a pé ou de transportes públicos.

Os mais velhos, que têm actividades ao fim do dia - como o ballet da Mafalda, 18 anos, até às 20.30 -, andam de autocarro com passe social. O Francisco, com 20 anos e carta de condução, só em ocasiões especiais pega no carro dos pais.

"Costumo dizer que eu ganho e ela gasta", conta, em tom de brincadeira o pai, que acabou de chegar a casa para o almoço. É ele que gere as semanadas: 1,30€ para os pequeninos, 3,90€ para os mais velhos. Os gastos extras, para saídas, por exemplo, avaliam-se um a a um, para que se aprenda a dar valor ao dinheiro e à poupança.

"Quem é que almoça hoje?", pergunta o pai, acrescentando que todos os dias os lugares variam. Comer em casa é outra forma de poupar. "Acima de tudo, uma forma de estar. Só assim podemos estar em família", sublinha. "Apesar das restrições, não somos nenhuns tiranos", atira, a rir, Manuel. "Eles percebem que tem mesmo de ser assim. E não pedem porque já conhecem as regras. Nem sequer se queixam. Os amigos, primeiro, estranham, depois acabam por admirar", conclui.