18.5.09

Há sopa quente atrás da Igreja do Marquês

Ana Cristina Pereira,in Jornal Público

Aumento de pedidos de ajuda na paróquia de Nossa Senhora da Conceição fez nascer novo serviço de apoio alimentar


Ermelinda Santos acolhe quem vem à Porta Solidária comer uma sopa. Trata cada um pelo nome. A porta, nas traseiras da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na praça Marquês de Pombal, abre às 19h. Minutos antes, a voluntária está cá fora, a conversar um bocadinho.

Há um rapaz de trinta anos, encorpado, a entrar. De manhã, dorme, "sabe tão bem". De tarde, levanta-se da cama e vai ao Coração da Cidade, comer. A esta hora, entra aqui. Era padeiro. Deixou de trabalhar há um ano. "Tenho um tumor na tola. Não me operaram. Os gajos têm medo de chegar à caixa crónica!" (sic)

Os homens entram no salão e sentam-se em volta de uma mesa muito comprida, com a toalha de plástico muito esticada. Em frente a cada banco, talheres, guardanapos, mimos. O primeiro turno de voluntários preparou a comida, a mesa. O segundo turno limpará, arrumará.

Há uma hora, a sopa já repousava em termos gigantes vindos do Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Na cozinha, voluntários preparavam 105 merendas. Uns partiam pão, outros barravam manteiga, enfiavam fiambre, posicionavam a fruta que iria compor a oferta.

O projecto - que une a paróquia de Nossa Senhora da Conceição, o Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti - arrancou a 26 de Fevereiro. Cada vez chegavam mais pedidos de ajuda, justifica o padre Rubens Marques.

Lançaram-se apelos na igreja e na Internet. A palavra passou de boca em boca. Num instante, apareceram mãos. A Porta Solidária já soma 140 voluntários e já serve à volta de 100 carenciados por dia.

O voluntário José Elias mostrou a dispensa. A resposta à campanha para obter donativos para servir uma sopa foi tão positiva que, agora, quem vem ao Marquês já não come só sopa. Há sempre pão. Por vezes, fruta, bolos. "Isto tem funcionado com donativos de particulares."

A satisfação de ajudar

"O voluntariado funciona como um escape", comentava Rosa Maria Santos, avental quase transparente. Vem de 15 em 15 dias, mas há quem venha uma vez por semana e até todos os dias: "Depende da disponibilidade de cada um."

Dos que chegam, não estão todos sem-abrigo. Alguns estão apenas sem emprego (na mesa comprida come um professor que antes dava aulas no ensino secundário) ou com um emprego demasiado mal pago. "Quem dá a cara por causa de uma sopa precisa mesmo", compreende o pároco.

Ao balcão, Cristina aguarda uma sopa ralada. A rapariga de 24 anos tem uma filha de 19 meses: "Estou num quarto, não tenho onde cozinhar nem nada." Morava numa casa. O companheiro ficou sem emprego e decorridos três meses ficaram sem casa. Já foi empregado de limpeza, motorista, trolha, empregado de café, empregado hoteleiro, operador.

Em frente ao casal, jantam Odete e as três filhas - 22 meses, 11 anos, 14 anos. Envergonhadas, muito envergonhadas. O marido é mecânico, ganha 600 euros por mês. E ela é doméstica - "Olho por cinco!" A família recebe 260 euros de rendimento social de inserção. Se tivesse habitação social, não precisava de vir aqui. Paga 350 euros de renda. E água, luz, gás, passes...

Daqui, Cristina e o companheiro seguem para o Hospital de Santo António. Todas as segundas e terças à noite vai lá buscar comida. A sua agenda está cheia de marcações destas. "Às quartas, vou a São Bento. Ás quintas, à Sé. Às sextas, ao Santo António. Ao sábado e aos domingos, à Fnac."

Quase 22h e a fila já se alonga junto ao Hospital de Santo António. Estão a chegar os voluntários do CASA - Centro de Apoio ao Sem Abrigo. Os Samaritanos vêm mais tarde. Hoje é terça, depois deles ainda virá o senhor Rocha. Noutros dias, outros particulares.

Há um ano e meio, circulou uma mensagem de correio electrónico a pedir voluntários. Agora, debaixo do chapéu CASA, há grupos "de segunda a sexta". Cada um gasta uns cinco euros por semana. "Não é muito dinheiro. Compenso não fazendo gastos supérfluos", diz Rita Serafim. "A sopa está bacana!", comenta Nuno, o rapaz que estava no Marquês. E ela sorri, satisfeita.

140 voluntários estão a apoiar cerca de cem pessoas nesta iniciativa de solidariedade que começou a 26 de Fevereiro