23.5.09

Qual foi a crise económica que gerou um maior desemprego?

João Ramos de Almeida e Sérgio Aníbal, in Jornal Público

O Governo aponta o dedo ao mandato de Durão Barroso. Mas contando os períodos recessivos, a crise actual não tem comparação


O ministro das Finanças garante que esta crise está a ser menos negativa para o emprego do que a de 2003. Mas se é verdade que há seis anos o desemprego começou logo a aumentar assim que a economia deu os primeiros sinais de abrandamento; agora, depois de uma resistência inicial, entrou-se em perda rápida e devastadora de empregos nunca vista nas últimas três décadas.

Ontem, numa cerimónia em Lisboa, Teixeira dos Santos afirmou que, "na última recessão, em 2003, o desemprego aumentou em quase 110 mil desempregados e nesta, que é bem mais grave, bem mais profunda e internacional, o desemprego aumentou menos 30 por cento". "Isto é, até agora o desemprego aumentou somente cerca de 70 mil, comparando o trimestre inicial deste ano como o trimestre homólogo do ano passado."
A declaração é equívoca porque menciona a palavra "recessão". Mas após questões do PÚBLICO, a ideia torna-se mais clara. Os cálculos citados pelo ministro iluminam o facto positivo de, nos meses anteriores à actual crise - quando a economia já abrandava, mas não tinha entrado em terreno negativo - os empregos terem resistido melhor do que no passado. Em 2002, geraram-se 94 mil novos desempregados nessa fase de abrandamento. E é contando com esse período e com a fase recessiva posterior que o ministro sustenta que a crise de 2003 foi mais penalizadora que a actual.
Mas ainda que o ministro esteja a comparar dois períodos iniciados quando a economia começou a abrandar (antes de entrar em recessão), as contas oficiais desvalorizam o fluxo de desemprego gerado com a quebra económica.

Analise-se, nas últimas quatro crises económicas, a evolução do mercado de trabalho nos três primeiros trimestres após a entrada em recessão técnica (dois trimestres consecutivos de quebra do PIB em cadeia). O período que vai do terceiro trimestre de 2008 ao primeiro de 2009 resultou na perda de 130 mil empregos e em mais 86 mil desempregados. Este valor supera os 42 mil empregos perdidos e 78 mil novos desempregados entre o terceiro trimestre de 2002 (entrada em recessão técnica) e o primeiro de 2003.

E nenhuma das outras recessões ultrapassou esse recorde. Em 1983-84, com o Governo de bloco central de Mário Soares, o aperto na procura nos primeiros trimestres provocou o desemprego de 45,6 mil pessoas e a perda de 87 mil empregos. A crise seguinte, após o abrandamento internacional que Cavaco Silva como primeiro-ministro negou até ao último momento que atingiria Portugal (Portugal vivia num "oásis" segundo o ministro Jorge Braga de Macedo), provocou 51 mil desempregados e menos 53 mil postos de trabalho. Durão Barroso e Santana Lopes também negaram a crise e, no entanto, destruíram-se 42 mil postos de trabalho e desempregaram-se 78 mil trabalhadores. A recente crise foi mais profunda: cerca de 130 mil postos de trabalho a menos e o desemprego atingiu mais 86 mil.

Mas as crises provocam efeitos no mercado de trabalho que se prolongam para lá da retoma económica. Por isso, as quebras de postos de trabalho parecem tão diminutas e, em cada recessão, o período entre o ponto mais baixo e o ponto mais alto da taxa de desemprego estende-se por quatro a cinco anos. Por outro lado, vem-se registando cada vez maiores níveis de desemprego após cada recessão, que não são absorvidos por uma ténue actividade económica.

O impacte da actual crise indicia ser mais profundo do que o efeito recente e deverá estender-se por um período prolongado. A verificarem-se níveis reduzidos de actividade económica como no passado, o desemprego estender-se-á por um período de alguns anos, o que deveria tornar mais cautelosa qualquer afirmação sobre as consequências da actual crise.