25.9.11

A face humana da crise DesempregoA face humana da crise

Helena Oliveira, in Jornal de Negócios

Com 44 milhões de desempregados no conjunto dos países da OCDE e sem perspectivas de crescimento económico, a questão do desemprego assumiu um estatuto global. Se as principais preocupações giram em torno dos mais jovens e dos que pertencem à categoria de “longa duração”, a verdade é que todas as gerações em idade activa estão a ser afectadas. E são vários os efeitos colaterais que as perseguem

“De todas as faces da crise, das dívidas soberanas à banca, o desemprego elevado é o elefante na sala. Esta é a face humana da crise, a manifestação mais visível do desafio que enfrentamos para restaurar um crescimento sustentado”.

Foi assim que Angel Guarria, secretário-geral da OCDE, iniciou o seu discurso de apresentação do último relatório sobre Emprego lançado no passado dia 15 de Setembro, em Paris. Por todo o lado, multiplicam-se as preocupações com um fenómeno em galopante ascensão, que deixou de ter fronteiras fechadas e que é já considerado como um fenómeno global.

Só nos 34 países que integram a OCDE, são 44 os milhões de desempregados existentes. Só nos Estados Unidos, a soma ascende aos 14 milhões, sem esquecer mais 11 milhões designados como “sub-empregados” na medida em que estão a trabalhar muito menos horas do que desejariam. Contas feitas e desde que a crise financeira deflagrou, o desemprego atingiu mais 13 milhões de pessoas. De acordo com estimativas publicadas no já citado relatório da OCDE, a criação de emprego deverá continuar “anémica”, sendo que a taxa média de desemprego nestes países se situou em 8,2% (dados de Julho último), mas com alguns a manterem-se no clube dos dois dígitos como é o caso de Portugal, da Grécia, da Irlanda e da Espanha, a campeã em desemprego.

De entre as várias preocupações, sobressaem as que incluem os jovens - no primeiro trimestre de 2011, a taxa de desemprego para pessoas entre os 15 e os 24 anos ascendeu aos 17,4% nos países da OCDE – e os desempregados de longa duração que, só em Espanha, se situa acima dos 40%. Salvam-se as economias emergentes – Brasil, China e Índia – e “seguram-se” países como a Holanda, o Japão, a Austrália e a Coreia, sem grandes alterações no seu número de desempregados. A Alemanha destaca-se por ter sido o único país que, ao longo da crise, conseguiu reduzir o desemprego.

Com a Europa (e também os Estados Unidos) à beira de um ataque de nervos e sem perspectivas de crescimento económico, com uma estagnação no comércio mundial e com os níveis de confiança dos consumidores e empresas a apresentarem sinais de verdadeiro alarme, o desemprego será uma das prioridades na reunião dos ministros do Trabalho e do Emprego do G-20, que terá lugar em Paris nos próximos dias 26 e 27 de Outubro. Todavia, não se esperam milagres.

Esperam-se, sim, elevados custos humanos desta crise económica, a serem pagos por aqueles que não encontram trabalho, o que tem consequências óbvias traduzidas no aumento de depressões, divórcios, abuso de substâncias ilícitas e um sem número daquelas “coisas” que podem correr mal na vida. E se neste momento são várias as gerações em idade activa que se confrontam com este drama, o mesmo é vivido de forma diferente e com características próprias de cada “idade”. A imprensa internacional tem dado particular destaque a esta temática. E o VER reuniu alguns dos debates que têm vindo s ser feitos sobre a mesma.

Não há luz à vista, só um longo túnel
Até ao momento em que a procura relativamente a produtos e serviços aumente, as empresas não terão condições para contratar mais trabalhadores. Este é o consenso instalado entre os analistas. A constatação parece óbvia e a prioridade também: é necessário mais crescimento e aí se encontra o busílis da questão. Mais ainda e apesar de serem vários os analistas que salientam o facto de que a questão do desemprego é anterior à crise, é igualmente óbvio que a principal causa para a actual elevada taxa de desemprego reside na severidade da última recessão a par da anemia que caracteriza a sua subsequente retoma. Mas e mesmo assim, as economias ocidentais têm optado por políticas contraccionistas e há quem aponte o dedo ao facto de a mudança levada a cabo por vários governos no que respeita à austeridade fiscal ter sido prematura.

De acordo com um dossier publicado pela revista Economist no início deste mês, não é só a fraca procura a responsável pela queda no emprego e também é certo que o problema não pode ser resolvido apenas com mais estímulo. A revista inglesa refere que há muito que as economias ocidentais se vêem a braços com taxas de emprego em queda acentuada, resultado de uma combinação das novas tecnologias com a globalização, que reduziu a procura de trabalhadores com menos competências, sendo que muitas pessoas, especialmente os homens, têm falhado a responder a estas mudanças profundas no mercado laboral.

O problema das competências, ou da falta delas, sugere que quaisquer políticas laborais deverão assumir como prioridade mudanças profundas em termos de educação e formação. O problema adensa-se igualmente no que respeita aos trabalhadores mais qualificados, no sentido em que as empresas se queixam que, mesmo com a abertura de vagas, não existem candidatos com as competências certas para os preencher (o VER publicou um artigo no inicio deste mês, intitulado a Radiografia do Talento que aborda exactamente esta temática).

O Economist chama igualmente a atenção para a diferença que as políticas do mercado laboral podem fazer e que, em muitos casos, podem ser traduzidas por desregulação. Dando o exemplo da Espanha, a braços com 46% de desemprego jovem, a “culpa” recai no “duplo sistema” existente e que conjuga os trabalhadores com vínculo permanente e os facilmente despedidos trabalhadores temporários, que são desproporcionalmente jovens, política comum a vários países do mediterrâneo. Se a Espanha figura como recordista no desemprego – sendo que os seus jovens são os que piores perspectivas têm no conjunto dos países da União Europeia – a Grécia, a Itália e Portugal não se encontram em condições mais benéficas. Na verdade, os países do mediterrâneo parecem partilhar uma distinção brutal entre os “mais velhos” com emprego permanente e benefícios generosos e os mais jovens, com contratos de curto prazo e direitos mínimos.

No que respeita aos Estados Unidos e de acordo com uma sondagem divulgada pela Gallup no passado dia 15, o desemprego surge também no topo das preocupações dos norte-americanos, ultrapassando a “economia” que tem vindo a liderar este ranking. E, apesar de administração Obama ter já anunciado que a criação de emprego consiste na prioridade máximo do governo, os caminhos para lá se chegar continuam a ser uma incógnita.

Afirmando-se o desemprego como um problema global, as perspectivas para uma melhoria a curto prazo são afastadas pela maioria dos analistas. A título de exemplo e numa entrevista publicada o mês passado no The Washington Post, o economista Ezra Klein foi peremptório em afirmar as suas enormes dúvidas relativamente a uma saída para esta crise. O professor da Universidade de Nova Iorque chamou, contudo, a atenção, para o facto de muitos dos seus colegas norte-americanos, por estarem (mal) habituados à posição de domínio da América, se esquecerem de conceder a atenção necessária às ligações internacionais que afectam a economia do país. Klein afirma que seria muito mais fácil para os Estados Unidos resolverem a sua situação económica se o resto do mundo estivesse a crescer. “E o mesmo valeria para a Europa e até para o Japão (…). Seria tudo muito mais fácil se houvesse coerência sobre a importância de se divisarem estratégias coordenadas de crescimento global”, afirma. Como tal não acontece, não é possível igualmente pensar-se em soluções globais para o desemprego global. O economista norte-americano concorda igualmente que este problema é anterior à crise. Na sua opinião, com todas as melhorias registadas na produtividade e com o outsourcing que pautou a economia nos últimos anos, os líderes esquecerem-se que era preciso dar emprego às pessoas. Mais ainda, com estas alterações no mercado laboral, as vagas disponíveis encontravam-se no lado não transaccionável da economia. E muitos dos empregos criados por indústrias como a da construção e do retalho, são exactamente aquelas que mais estão a sofrer com a crise económica. Para o economista norte-americano, a única solução passará por um acto de coragem dos líderes, no sentido de investirem sobremaneira em políticas de emprego. O problema é que este investimento irá exigir sacrifícios adicionais à população activa. Em vez de se colocar o peso nos que não trabalham, poupando os que têm emprego, a redistribuição do fardo parece ser a melhor, embora não a desejável, saída.

Que geração está a sofrer mais?
Se tentarmos obter uma fotografia de grande plano do desemprego actual, existem alguns pormenores que saltam à vista: a questão do desemprego jovem, que implica benefícios futuros mais baixos e aumenta as probabilidades de mais desemprego no futuro; o facto de o desemprego se estar a tornar cada vez mais crónico e os que sofrem de desemprego de longa duração assistirem a um “definhamento” das suas competências, sentindo-se igualmente cada vez mais “longe” dos ambientes de trabalho e, por último, as consequências que esta situação provoca nas finanças públicas e na sociedade em geral.

Por outro lado, existe a tendência - visível, por exemplo, na chamada “Geração à Rasca” – de cada um dos representantes das gerações em idade activa e que estão no desemprego, considerarem a sua como a pior situação relativamente às demais. Esta luta de “quem mais sofre sou eu” tem dado origem a alguns debates interessantes na imprensa. E se, na verdade, todas as gerações estão a pagar, continuarão a fazê-lo no futuro mas de formas diferentes.

Se optarmos pela caracterização mais generalizada das três gerações - Baby boomers, ou os nascidos nas décadas de 50/60, os X, décadas de 60 e 70 e os Y, décadas de 80 e início de 90 – são geralmente estes últimos – os tais desempregados jovens – que mais se parecem queixar do actual clima. Não é de admirar, dado que é uma geração que apesar de gozar, em principio, de melhores níveis de educação, é a que mais tem sofrido com a precariedade laboral e com a falta de perspectivas futuras.

Todavia e para a geração mais velha, a dos boomers, os argumentos são outros, como se pode ler num interessante artigo publicado na edição online da revista The Atlantic. “Estes jovens podem ter perspectivas estreitas, mas têm a vida toda à sua frente para recuperar salários perdidos”, pode ler-se. Na verdade, os mais velhos pouparam uma vida inteira para chegarem próximo da idade de reforma e verem as suas poupanças esfumarem-se e o valor das suas pensões ameaçado. Mas, mais ainda se queixam os da geração intermédia, sobrecarregados com os empréstimos que contraíram, com os filhos que ainda educam e com uma depressão nos salários e nos benefícios.

A ideia não é haver um vencedor nesta “guerra de sofrimento” dado que, na verdade, todos perdem. E aí está a tal face humana da crise que serviu como ponto de partida para este artigo. O desemprego está a ter consequências duras e imediatas na sociedade em geral e outras, menos imediatas, se seguirão, caso nada mude.

Se os mais novos clamam não ter oportunidades podem, pelo menos, tentar a sua sorte noutros países. Algo impeditivo para a geração que tem filhos ao seu cuidado e cuja mobilidade se torna, por isso, muito mais reduzida. Para os mais velhos, e caso estejam em situação de desemprego de longa duração, as possibilidades de voltarem ao mercado de trabalho são praticamente nulas.

Se a questão é rendimentos, os mais jovens não só chamam a atenção para o dinheiro que não estão a ganhar hoje, como também para aquele que deixarão de ganhar no futuro. Quanto mais tarde entrarem na força de trabalho, mais dificuldades terão em fazer carreira e, caso existam reformas para eles no futuro, menos descontos farão. Para os da geração intermédia e de acordo com um estudo efectuado pelo Center for Work-Life Policy, a pedido da revista Bloomberg BusinessWeek, será a geração X a mais negativamente afectada pela Grande Recessão e, neste caso, em situação de emprego. O estudo revelou que uma família composta por pai e mãe trabalhou 26% de horas a mais comparativamente a 1975 e está a ganhar, comparativamente, muito menos. E, por outro lado, como os mais velhos vêem aumentar a idade da reforma, a ascensão na carreira torna-se, para os da geração intermédia, mais tardia. Para a geração mais velha, o desafio é preservar a riqueza acumulada numa altura em que os valores dos activos se têm vindo a dizimar.

Em resumo, a crise e a sua principal consequência, o desemprego, não poupam ninguém.