10.11.14

Cada vez mais pais deixam de poder pagar pensões de alimentos aos filhos

Natália Faria, in Público on-line

Até ao final de Outubro, havia já 18.382 menores cujas pensões de alimentos passaram a ser pagas pelo Estado. É um aumento de 16,2%, em comparação com 2013. O desemprego surge como a principal explicação.

Os pais ficam desempregados, deixam de pagar as pensões aos filhos. “Se não têm meios - nem casas nem carros - para penhorar, a única hipótese para as crianças não passarem fome é o Fundo de Garantia”, desabafa a juíza Armanda Gonçalves que, até Abril, presidia ao Tribunal de Família e Menores do Porto. “Uma percentagem significativa das decisões que ‘dava’ por dia era no sentido de accionar o fundo, porque cada vez apareciam mais pais desempregados em situação de incumprimento”, recorda.

De então para cá, a situação agravou-se. Com o desemprego a subir, os tribunais de todo o país chamam cada vez mais o Estado a substituir-se aos pais no pagamento da pensão de alimentos aos filhos, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM). Até 31 de Outubro, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social estava a pagar pensão de alimentos a 18.382 menores, mais 16,2% do que no final de 2013. Ao todo, e até àquela data, o Estado já tinha gastado 25,8 milhões de euros com esta prestação.

Esta prestação, em dinheiro, é paga mensalmente pelo Estado para assegurar que, num cenário de divórcio ou separação do casal, as crianças e jovens não fiquem sem pensão de alimentos quando o progenitor que está obrigado a atribuí-la por ordem do tribunal deixa de o fazer por incapacidade económica. “O fundo pode ser suscitado apenas quando se revela impossível cobrar essa prestação ao progenitor faltoso, ou seja, quando este não possui salário, rendas, subsídios ou bens que possam ser executados”, explica Júlio Barbosa, procurador-adjunto na comarca de Coimbra.

Outro dos requisitos é que o rendimento do agregado em que o menor está inserido não ultrapasse os 419,22 euros – o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) – por cada um dos elementos, sendo que “o requerente vale por um, os menores por 0,5 e os maiores por 0,7”, explicita o juiz António José Fialho, do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, para concluir: "Basta que o progenitor que tem a guarda da criança tenha um 'ordenadito' um bocadinho melhor, uns 650 euros, para ficar de fora”. Só famílias muito pobres, portanto, podem aceder ao fundo. E não se pense que este fundo pode estar a ser usado para compensar os progenitores que simplesmente fogem às suas responsabilidades. “Os tribunais não prestam alimentos para substituir pais que simplesmente desaparecem do mapa”, precisa António José Fialho. Mesmo assim, e apesar de todos os anos nasceram menos bebés, Júlio Barbosa confirma que “neste período de crise, as solicitações têm aumentado”.

Os números mostram efectivamente que, tal como no desemprego, na emigração e na pobreza, o crescimento tem sido sustentado. Em 2010, o Estado gastou 23,1 milhões de euros no pagamento das pensões de alimentos a 13.553 crianças e jovens cujos pais estavam impossibilitados de o fazer. Em 2013, a despesa chegou aos 27,4 milhões. Este ano, até ao final de Outubro, o Estado tinha gastado já 25,8 de um orçamento global de 32 milhões. Para 2015, a dotação orçamental voltou a aumentar. Para os 36 milhões de euros. Nestes cinco anos, os gastos do Estado com os progenitores que deixaram de pagar as pensões de alimentos aumentaram 56%.

Processo moroso
Mas há problemas que persistem. “Os relatórios que os tribunais pedem sobre a situação do progenitor que tem a guarda da criança, geralmente a mãe, demoram muito, nunca menos de seis meses. E, depois da sentença judicial, o pagamento da primeira prestação também costuma demorar seis meses”, alerta a juíza Armanda Gonçalves. Para contornar previsíveis demoras, e dadas as crescentes solicitações, o juiz António José Fialho encontrou atalhos. “Na fase da fixação, dispenso relatórios, e faço a análise da situação económica do agregado por verificação da condição de recursos”, revela. Mesmo assim, desde a decisão judicial até ao pagamento da primeira prestação, “podem decorrer entre seis a sete meses, dependendo do centro distrital da Segurança Social”, acrescenta.

Ao PÚBLICO, fonte do Ministério da Segurança Social sustentou que os atrasos chegaram a ser de 18 meses e foram entretanto substancialmente reduzidos “por via do reforço das equipas e dos meios informáticos".

Dúvidas quanto ao valor
Para os atrasos no pagamento da primeira prestação podem concorrer também os recursos da Segurança Social contra as decisões dos juízes de primeira instância que fixam a obrigatoriedade de pagamento de uma pensão superior àquela que era devida pelo pai. E aqui há jurisprudência para todos os gostos. “Os tribunais não têm sido unívocos nas suas decisões: há quem entenda que os juízes não podem impor ao fundo uma quantia superior àquela que o pai estava obrigado a pagar e há quem entenda que sim”, situa Júlio Barbosa, para quem “os argumentos são bons de ambos os lados”. Ou seja, “é relativamente fácil comprovar que as necessidades das crianças são superiores às pensões que os pais pagavam”, mas, por outro lado, “é preciso não esvaziar o fundo”.