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25.5.23

Linha SOS Criança Desaparecida já registou 50 apelos este ano

Por Lusa, in Público


Linha foi criada em 2004 com o intuito de “combater situações de desaparecimentos, raptos e abuso sexual de menores”. Em 2022, foram feitos 58 apelos, o número mais alto dos últimos oito anos.


A linha de apoio SOS Criança Desaparecida já recebeu, este ano, 50 apelos relacionados com o desaparecimento de menores, um número que se aproxima dos 58 registados em 2022 pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC).

No ano passado, foram feitos 58 apelos, que representam o número mais elevado registado nos últimos oito anos. Em 2015, o IAC recebeu 60 apelos. No entanto, e de acordo com os relatórios mensais publicados na página do IAC, o número de contactos recebidos este ano já se aproxima do total do ano passado, havendo 50 apelos, até Abril, de natureza diversa.

A maioria dos contactos está relacionada com fuga institucional (23), seguindo-se pedidos de informação sobre processos (14), rapto parental (quatro) e pedidos de informação sobre a linha de apoio (três).

“Esta linha recebe apelos, via telefone, e-mail, chat e WhatsApp de quem quiser comunicar desaparecimentos e/ou situações de abuso/exploração sexual, oferecendo aos apelantes orientação e apoio, a nível psicológico, jurídico e social”, explica o IAC em comunicado.

Para assinalar o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas, o instituto vai participar em campanhas internacionais e promover acções de sensibilização e prevenção nas escolas. O Dia Internacional das Crianças Desaparecidas assinala-se em Portugal desde 2004, por iniciativa do IAC.

17.12.20

Covid-19: juíza proíbe crianças acolhidas em lares de irem a casa no Natal

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Tribunal de Oliveira do Bairro invoca o “contexto pandémico”, o “estado de emergência”, “o risco sério de surgirem casos de covid-19 em casas de acolhimento, caso os jovens e as crianças se desloquem para diferentes pontos do país e se encontrem com familiares e amigos”.

Se pudesse falar com a juíza do Tribunal de Oliveira do Bairro que não o autoriza a passar o Natal com a mãe, a avó e a bisavó, B. dir-lhe-ia que “tivesse um bocado de coração”. O risco de provocar um surto de covid-19 na casa de acolhimento de jovens em perigo não lhe parece um motivo válido. “Ainda este fim-de-semana fui a casa e não posso ir no Natal? Vou ficar a ver os outros a ir?”

Não é caso único. A juíza do Tribunal de Oliveira do Bairro terá ditado igual destino a todas as crianças e jovens acolhidas em lares de infância e juventude cujo caso avaliou. O PÚBLICO confirmou pelo menos nove. A magistrada não quis prestar declarações, alegando ter de cumprir o dever de reserva que a impede de emitir opiniões sobre processos, mas, observando vários despachos, verifica-se que a argumentação é sempre igual. Por igual, neste caso, entenda-se o recurso ao método do “cópia e cola” de uns processos para outros. A família pede ao tribunal que autorize. O Ministério Público propõe que se indefira, invocando o “contexto pandémico”, o “estado de emergência”, “o risco sério de surgirem casos de covid-19 em casas de acolhimento, caso os jovens e as crianças se desloquem para diferentes pontos do país e se encontrem com familiares e amigos”. A juíza afirma que concorda, “na íntegra”, e indefere o pedido apresentado.

O alerta foi lançado pela AjudAjudar – Associação para a promoção dos direitos das crianças e jovens, nascida em plena pandemia. Nos últimos dias, tem recebido vários relatos sobre crianças e jovens sem autorização para ir a casa no Natal pelo “perigo potencial” que o convívio familiar pode representar no regresso à casa de acolhimento – apesar de terem permissão para passar férias e mesmo fins-de-semana com a família.

“Não é só falta de bom senso, é também desconhecimento do quadro legal aplicável”, comenta Sónia Rodrigues, presidente da AjudAjudar. Nada no decreto do estado de emergência ou nas normas ditadas pela Direcção Geral de Saúde impedem tal convívio. “Nem sequer as regras de proibição de circulação entre concelhos são de aplicar nesse contexto, medida em que salvaguardam o cumprimento dos convívios fixados no acordo de regulação das responsabilidades parentais, devendo tal excepção estender-se às crianças com medidas de protecção, incluindo a de acolhimento residencial, sob pena de violação do princípio de igualdade.”

Para perceber o grau de desigualdade que a decisão introduz é preciso ter em conta que cada rapaz ou rapariga tem um processo cujo titular é uma comissão de protecção de crianças e jovens (CPCJ) ou um tribunal de família e menores. Cada casa tem crianças e/ou jovens enviados por uma variedade de CPCJ e de tribunais. E cada tribunal ou CPCJ acompanha crianças e jovens acolhidos em diversas casas.

Não é justo uns irem e outros não irem. É estranho que me deixe ir a casa ao fim-de-semana e não me deixe ir no Natal. Tenho família e vou ter todos os cuidados. E, se for preciso, faço o teste. Já ganho o meu dinheiro. Posso pagar.B., 17 anos

Retome-se o exemplo de B. Na casa em que lhe toca morar, há um rapaz que não tem retaguarda familiar segura (nem se analisa a hipótese de passar o Natal com a família) e 19 que a têm: os sete com processo no Tribunal de Oliveira do Bairro não obtiveram autorização e os doze com processos noutros tribunais sim.

"Ela não está certa"

Se pudesse falar com a juíza, B. dir-lhe-ia “que ela não está certa porque os outros tribunais autorizaram os outros rapazes a ir a casa”. “Não é justo uns irem e outros não irem. É estranho que me deixe ir a casa ao fim-de-semana e não me deixe ir no Natal. Tenho família e vou ter todos os cuidados. E, se for preciso, faço o teste. Já ganho o meu dinheiro. Posso pagar.”


O rapaz, de 17 anos, reconhece que fazia o que queria, que fazia asneiras, que faltava às aulas, que não pegava nos livros, que a mãe não tinha mão nele. Isso é que levou o tribunal a tirá-lo à mãe, à avó e à bisavó e a pô-lo ali. Esse B. está lá atrás. Trabalha de dia, como soldador, e estuda à noite, para obter uma equivalência ao 9.º ano. “Ando a cumprir com tudo”. Usa máscara no trabalho, máscara na escola, máscara na instituição. “O Natal é uma época especial. A minha avó faz anos no dia 25. A minha bisavó tem 90 anos. Qualquer deslize, podem ir embora…”

Entre as famílias, a mesma incompreensão. “Eu fui ao tribunal”, diz o pai de F., de 16 anos. “Meti as cartas para o menino vir passar o Natal e a passagem de ano. A doutora recebeu as cartas a dizer que todos os tribunais disseram que sim menos o de Oliveira do Bairro e que este se justifica com a pandemia.” Parece-lhe absurdo. “O menino vai à escola todos os dias, um fim-de-semana por mês vem a casa. Não cabe na cabeça de ninguém que não venha passar o Natal comigo.”

A alternativa que o tribunal dá a este pai é deslocar-se à instituição para ver o filho nos dias festivos, usando máscara, mantendo a distância física e a desinfecção frequente. “O menino não pode vir passar o Natal comigo e somos só dois e eu posso ir lá passar o Natal com ele e vamos ser muitos”, prossegue. Pensando bem, o risco que o seu rapaz corre ao ir a casa é inferior ao risco que ele corre ao ir à instituição – e vai lá, todas as sextas-feiras. “Acho que a juíza tem o dever de mudar de ideias.”

A sensação de injustiça é ainda maior em casas de acolhimento onde crianças ou jovens não conhecem quem tenha sorte idêntica. Numa casa que acolhe raparigas, oito têm retaguarda familiar capaz de as receber no Natal e só uma não obteve autorização para ir passar o Natal com a família – a única com processo naquele tribunal. A instituição pediu à juíza que reconsiderasse. Noutra casa, que acolhe crianças e jovens de várias idades, também só uma rapariga com processo naquele tribunal viu ser-lhe negada a hipótese de passar o Natal em família. A equipa está a tentar fazê-la compreender que a juíza tomou aquela decisão com base no que pensa ser melhor para ela.

“Sei que é preciso ter sorte na família em que se nasce, sei que é preciso ter sorte na casa de acolhimento, agora também é preciso ter sorte na comarca à qual se pertence”, reage João Pedro Gaspar, investigador e Coordenador da Plataforma de Apoio a Jovens Ex-Acolhidos, que faz supervisão de acolhimento em Castelo Branco, Portalegre, Lisboa e Porto e não conhece situações semelhantes. Parece-lhe demasiado. “Se há um risco que impede de ir a casa durante o ano, também impede no Natal. O que não impede durante o ano, também não impede no Natal.”

Não será caso sem-par. Sónia Rodrigues diz que, noutras partes do país, umas mais a Norte, outras mais a Sul, há casas de acolhimento a pedir aos juízes de tribunais de famílias e menores que tomem este tipo de decisão. “Muitas vezes, são casas que pertencem a instituições com outras valências”, aponta aquela investigadora, especialista em acolhimento residencial, supervisora de diversas casas. Escudam-se na possibilidade de contágio de idosos, o que, em seu entender, não colhe. “São raros os convívios entre crianças e idosos. Quem circula são os funcionários.”

A AjudAjudar prepara uma exposição para apresentar ao Presidente da República e aos grupos parlamentares. E lamenta a inexistência de um Provedor da Criança, que se lhe afigura o interlocutor adequado em casos como estes.

O PÚBLICO perguntou, por e-mail, à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens se conhece este caso ou outros semelhantes e como os enquadra. Até à hora do fecho desta edição, não obteve qualquer resposta.

Um universo de mais de sete mil

Mantém-se elevado o número de crianças e jovens à guarda do sistema de promoção e protecção. No final do ano passado, somavam 7046, quase todas em acolhimento residencial (o acolhimento familiar só chegava a 191). A maior parte em lares de infância e juventude (4179) e em centros de acolhimento temporário (1916) generalistas. As respostas especializadas, em Portugal, continuam a ser uma amostra (97). O retrato está no Relatório CASA 2019, divulgado pelo Instituto de Segurança Social em Novembro, segundo o qual é já elevado o número de solicitações de “vagas para acolhimento de crianças e jovens com problemática de saúde mental”. Como noutros anos, há uma leve prevalência do sexo masculino (53%) e um inegável predomínio de adolescentes - nas faixas etárias 15 – 17 anos (36,1%), 12-13 anos (18,2%) e 18-20 (13,9%). Cada criança ou jovem entra no sistema por várias razões. A negligência (11 564) é a mais presente. Seguem-se os maus tratos psicológicos (1632) e físicos (622) e o abuso sexual (400). Têm ganho expressão os problemas de comportamento (1.971).



18.9.20

Bebé encontrado no Cacém já está numa família de acolhimento. CPCJ não acredita em motivação financeira

Maria João Lopes, in Público on-line

Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental fala num “aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar”.

O bebé que foi encontrado junto ao Centro Social Baptista, na terça-feira, no Cacém, já está numa família de acolhimento, confirmou o PÚBLICO junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Sintra Oriental. Embora não haja ainda dados recentes, a presidente desta CPCJ nota que tem lidado com “muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”. Ainda assim, neste caso em concreto, tende a afastar a hipótese de motivações financeiras.

A informação de que o bebé seria entregue a uma família de acolhimento já tinha sido avançada por órgãos de comunicação social como Expresso e o Correio da Manhã. Ao PÚBLICO, também a presidente desta CPCJ, Sandra Feliciano, confirmou que, no âmbito do “procedimento de urgência foi solicitada uma resposta em família de acolhimento prioritariamente” e, “havendo essa resposta, foi a adoptada”, por ser “a que melhor acautela crianças tão pequeninas”.


Esta resposta da CPCJ é feita em articulação com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no âmbito do procedimento de urgência. Foi a primeira vez, salienta aquela responsável, que se conseguiu “uma resposta de família de acolhimento para o concelho de Sintra numa situação de emergência”, embora não se saiba onde é e não seja em Sintra.

Para já, o bebé está nessa família de acolhimento, mas a investigação pode ditar outro rumo. O Ministério Público (MP) já confirmou “a instauração de um inquérito, que corre termos no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] de Sintra”, tendo os factos sido já, “igualmente, comunicados ao Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Sintra.

“Urgia a protecção da criança. O MP irá determinar se vai prevalecer mais tempo na família de acolhimento, conforme a situação que for chegando ao processo, se aparecer família, ou se não aparecer família... Decorre um processo-crime e, certamente, que estão a ser feitas todas as diligencias para a identificação deste bebé e a sua filiação”, nota Sandra Feliciano, acrescentando que os dados que forem recolhidos durante a investigação serão “devidamente avaliados” e que, “certamente, consoante os dados que chegarem ao processo, a decisão poderá ser outra”. É preciso verificar “as motivações”, deduz-se, pela carta encontrada no cesto do bebé, que seja a mãe, mas não há certezas.

Há, aliás, ainda muitas incógnitas: “Não sabemos em que circunstâncias nasceu o bebé, se foi em casa, numa unidade hospitalar, se a mulher terá tido alguma perturbação pós-parto... Para já, não se sabe quem é a mãe, a prioridade foi a protecção imediata da criança. O MP irá definir o melhor projecto de vida para a criança em função dos dados que forem chegando ao processo”. Ou seja, decorrem ainda as investigações para saber quem é a mãe e a família, e quem deixou ali a criança, e esses dados poderão alterar a decisão, para já, tomada.

"Muitos casos de crianças ate aos dois anos em situação de fragilidade"

O bebé, naquele dia com 21 dias, foi deixado na terça-feira junto Centro Social Baptista, no Cacém, no concelho de Sintra. O Centro Social Baptista é, segundo se lê no site da instituição, uma Fundação criada pela Igreja Evangélica Baptista do Cacém para serviço à comunidade. Com ele trazia uma carta a pedir um “lar”, referindo ainda que alegadamente a mãe estaria a passar por “muitas dificuldades”.

Ao contrário, porém, do que tem sido noticiado, Sandra Feliciano tende a afastar a hipótese de motivações financeiras: “Não creio que seja uma motivação económico-financeira, porque há muitas estruturas de apoio. Pese embora a decisão de entregar um filho para alguém cuidar seja muito pesada e muitas mães não conseguem falar com um técnico e recorrem a estes mecanismos”, diz. De qualquer forma, “para esta situação bastou o facto de haver uma criança em desprotecção sem ninguém que a cuidasse” para se accionarem os mecanismos considerados necessários.

A investigação prossegue e, entre outros procedimentos que estão a ser adoptados para se chegar à identificação da pessoa que deixou o bebé, quem é e que trajecto terá feito, as câmaras de videovigilância da zona já estão a ser analisadas. Além dos bombeiros voluntários de Agualva-Cacém, também a PSP esteve no local. O comandante dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém já tinha dito ao PÚBLICO que se acredita que mãe saberia que havia uma reunião no Centro Social Baptista, garantindo, assim, que alguém veria a criança.

Sandra Feliciano nota que o contexto de pandemia poderá criar algumas dificuldades à investigação uma vez que, ao ficarem em casa e afastarem-se de consultas e de hospitais, haverá grávidas que poderão não ter tido o habitual acompanhamento. “Sendo que estas são estruturas fundamentais no apoio a estas situações”, nota. Se algumas grávidas tiverem permanecido no domicílio em fases da actual pandemia, médicos, familiares e até vizinhos poderão não se aperceber de algumas situações.

A presidente da CPCJ de Sintra Oriental nota ainda que tem havido um aumento de casos de bebés abandonados: “Temos tido um aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar. Não sabemos se é por causa da pandemia, ainda é cedo para dizer, mas sabemos que temos muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”.

A criança foi encontrada aparentemente bem tratada, vestida, com um biberão de leite. A temperatura estava “normal”, o que indicará, segundo o comandante dos bombeiros, que teria sido deixado no local pouco antes. Apesar de tudo indicar que estivesse bem, o bebé foi transportado para o Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora.

A carta encontrada terá sido escrita, alegadamente pela mãe, mas como se fosse o bebé a proferir aquelas palavras: “a minha mãe me ama muito a ponto de me entregar para outra família com melhores condições [para] me adoptarem”, lê-se. Mas não só: “Por favor não julguem a minha mãe, ela só está a evitar que eu sofra junto com ela, estamos a passar muitas dificuldades, por isso ela tomou essa difícil decisão, por favor cuidem de mim como um filho de vocês! Só quero amor, carinho”, está ainda escrito. Quem escreveu a nota pede, “por favor”, para não “maltratarem” o bebé que só quer um “lar”.

24.4.20

Direcção-Geral da Reinserção propõe libertação de jovens internados por delitos menores

Hélio Carvalho, in Público on-line

Se os adultos podem ser libertados, não há motivos para o mesmo não ser feito com os menores, defende a Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, que já propôs a medida aos tribunais.

A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) pediu aos tribunais que libertem antecipadamente alguns jovens detidos centros educativos por delitos menores, avança o Jornal de Noticias (JN)

A Direcção-Geral assume que “foram antecipadas, por decisão judicial, sob proposta da DGRSP, as medidas de internamento que iriam cessar nos próximos meses, tendo em consideração o período previsto actualmente de pandemia”. Esclarecimentos que surgem depois de o Instituto de Apoio à Criança (IAC) ter advertido que, se os reclusos adultos podem ser libertados por risco de contágio, o mesmo deve ser feito com os jovens.

Vistas do céu, as estufas de LED dos Países Baixos parecem obras de arte
A presidente do IAC, Dulce Rocha, pede igualdade, tendo em que conta a aprovação da libertação de cerca de 1500 reclusos. “Com certeza que se sentem injustiçados, se vêem os adultos a sair e eles ficam”, disse ao JN.

Os primeiros reclusos começaram a ser libertados no dia 11 de Abril, abrangidos pelo regime do Governo que prevê a libertação de cerca de 2 mil presos, para proteger o sistema prisional da pandemia da covid-19.

Num comunicado na quinta-feira, o IAC pediu à ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que liberte dos centros de internamento os jovens internados por delitos menos graves, tendo em conta “valores da compaixão e da dignidade humana”, e aponta que os jovens e as crianças “são sempre os primeiros a ser atingidos pelas crises e os mais profunda e duradouramente marcados”.

Dulce Rocha admite que “não há sobrelotação” nos centros educativos e portanto não cita o perigo de contágio: existem 164 lugares e, no final de Fevereiro, estavam internados 141 menores (86% da lotação). Mas garante que os jovens estão “mais inseguros” e mais ansiosos do que os adultos, e merecem “um cuidado especial”.

Jovens voltariam para casa, mais tarde ou mais cedo
Na quinta-feira, segundo o JN, a DGRSP comunicou as situações em que os jovens devem ser libertados, defendendo que “as medidas de clemência que agora se aplicam aos reclusos adultos também abranjam os jovens privados de liberdade” e pedindo à Justiça que os adolescentes cujas penas “iriam cessar nos próximos meses” possam isolar-se em casa.

O porta-voz da DGRSP, José Semedo Moreira, referiu ao JN que o plano de contingência foi actualizado e que está em curso uma “avaliação técnica de jovens em que a medida de internamente cessa até ao verão e para os quais possa ser proposta ao tribunal a antecipação da cessação”.

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Serão também avaliados os menores “que possam ser colocados nas famílias na situação de supervisão intensiva ou em medida de acompanhamento educativo”.

A presidente do IAC defende que o facto de muitos adolescentes internados por delitos menores serem de famílias problemáticas não deve ser motivo para os manter nos centros. Até porque, de qualquer das formas, “quando terminarem a medida, vão para a família”.

A DGRSP não sabe quantos menores serão abrangidos pela medida. Segundo o JN, entre Fevereiro e Março, o número de menores internados em centros educativos caiu de 147 para 141, mas o número de libertados pode ter aumentado em Abril.

22.7.15

Seria “odioso” retirar filhos aos pais por falta de apoios do Estado às famílias

Andreia Sanches, in Público on-line

O PÚBLICO ouviu especialistas sobre a mais recente decisão no processo da mãe a quem foram mandados retirar sete filhos. Rui Pereira diz que os tribunais não se podem substituir às falhas das políticas sociais. Juiz Rui Rangel diz que “este é um processo assustador para as crianças”.

“A decisão de retirar uma criança à família, de a institucionalizar e de, eventualmente, a entregar a uma família adoptiva não pode ser um meio de ultrapassar a ausência de políticas sociais do Estado. Não podemos dizer que uma criança está em risco porque os pais estão no desemprego, não têm meios económicos e têm um elevado número de filhos.” Presidente do recém criado “Observatório Criança — 100 Violência”, Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna, diz que seria “odioso” afastar filhos de pais porque “o Estado não assume as suas responsabilidades”. Não sabe, concede, “se foi isso” que se passou no caso de Liliana Melo, a cabo-verdiana a quem em 2012 foram mandados retirar sete dos seus dez filhos.

O caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado. E, tal como o PÚBLICO noticia na edição desta terça-feira, os juízes pronunciaram-se recentemente: não encontraram qualquer ilegalidade nas decisões proferidas. Espalhadas por diferentes instituições de acolhimento, tendo em vista a sua futura adopção, durante quase três anos as crianças não viram a mãe. E foi assim até ao último mês de Março.

Entretanto, voltaram a contactar com ela porque o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que o Estado português tinha de garantir um regime de visitas, provisório, que permitisse a Liliana visitar os filhos e aos vários irmãos contactarem uns com os outros. Até que houvesse um desfecho judicial. Agora, arriscam-se a ser definitivamente separadas — ainda que a defesa já tenha apresentado um recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do STJ.

“Este é um processo assustador para as crianças”, diz Rui Rangel, da Associação de Juízes pela Cidadania, lamentando a lentidão da Justiça e sublinhando que uma eventual integração futura destas crianças em famílias adoptivas está hoje mais prejudicada. “É absolutamente perturbador.”

Já Rui Pereira, cujo observatório a que preside foi criado por elementos das forças de segurança e académicos para prevenir os maus tratos contra crianças, é mais cauteloso. Diz que “devem ser os médicos, os pedopsiquiatras” a avaliar se, num caso destes, que se arrasta no tempo, as visitas dos pais prejudicam os menores acolhidos, e não os juízes ou os juristas. A criança mais nova tinha seis meses quando foi para uma instituição, e está agora a caminho dos 4 anos; o mais velho ainda não tinha 8 anos e tem agora 11.

Sublinhando que está “em desvantagem”, em relação aos tribunais, no que diz respeito ao conhecimento da história desta família, Rui Pereira lembra que “quer a Constituição da República Portuguesa quer a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo contemplam a família como o núcleo fundamental da sociedade”, que a retirada das crianças surge “quando há situações de risco, como violência doméstica, exploração laboral, perigo de ofensa à integridade física e sexual, por exemplo”, mas que “a insuficiência económica é a fronteira”.

O também ex-juiz do Tribunal Constitucional admite que “a decisão do STJ pode ser (não sei se foi) originada por uma falência das políticas sociais do Estado de apoio às famílias, o que é grave”. E acrescenta: “Quem falha aqui, à partida, não são os tribunais, que provavelmente entenderam que havia uma situação de perigo para as crianças, mas o Estado, nas suas políticas sociais, tem de criar alternativas a estas decisões de retirada dos filhos às famílias quando estão em causa insuficiências económicas.”

“Um problema humano”
Rui Rangel, por seu lado, questiona: “Estamos no domínio do ser ou do dever ser?” E responde: “Temos o Estado que temos. Temos um problema grave de demografia e o Estado não tem políticas de incentivo à natalidade, por exemplo. O Estado não tem políticas de apoios para este tipo de situações.” De resto, “está por provar” que o problema, no caso de Liliana Melo e da sua família, “seja apenas económico”. É que, sublinha: “Eu não posso ter os filhos que quero, posso ter os filhos que tenho capacidade para ter.” E Liliana Melo teve 10. “As pessoas têm direito a terem os filhos que quiserem se tiverem condições para os criar com dignidade.”

O juiz desembargador elogia por isso “a coragem do Supremo Tribunal” de manter as também “corajosas” decisões primeiro do Tribunal de Sintra, em Maio de 2012, depois do Tribunal da Relação de Lisboa, em Dezembro de 2013 e em Abril de 2014.

Marcado desde o início pela polémica — desde logo porque do processo de protecção das crianças que havia sido imposto à família constavam várias medidas que Liliana Melo devia cumprir, e não cumpriu, que iam desde a obrigação de manter a casa limpa à laqueação das trompas — o mais recente capítulo desta história continua, assim, a suscitar opiniões muito diversas.

“Um problema humano foi criado. Não houve violência, não houve agressões, foram referenciados laços de afecto, e como sociedade não fomos capazes de responder a uma questão económica”, diz Ana Cid Gonçalves, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas. “Vamos aguardar para ver o que acontece com o recurso no Constitucional.”

O STJ, no acórdão facultado ao PÚBLICO, passa em revista as dificuldades apresentadas pela família: em 2007, começou a ser acompanhada. Não havia registo de maus tratos físicos, recorda-se nas sucessivas decisões dos tribunais. Fala-se de fortes laços na família. Mas registava-se desorganização da mãe, que não tinha emprego na altura, falta de higiene, problemas graves na habitação, vacinas em atraso, ausência das crianças mais novas do infantário, carências económicas e uma sucessão de gravidezes de Liliana, por vezes não vigiadas. Uma das filhas menores também engravidou, aos 13. Em 2009, ao acordo de protecção das crianças foram acrescentadas novas medidas. O marido de Liliana, pai de seis das sete crianças, muçulmano, religião que ambos professam, devia procurar trabalho remunerado. O casal devia ainda tratar da legalização e documentação de todos os elementos da família — que não recebia Rendimento Social de Inserção.

“Ilegal e injusto”
Mais: Liliana devia provar que estava a ser acompanhada num hospital tendo em vista a laqueação de trompas, algo que sempre se recusou a fazer. Por incumprimento do acordo, em 2012, o Tribunal de Sintra mandou retirar as crianças — sobre a questão da laqueação das trompas, o STJ defende que é “desadequado e impróprio” invocar-se a violação de “preceitos constitucionais”, como fizeram as advogadas de Liliana, porque a decisão dos tribunais não teve “como suporte” esse acordo.

A 8 de Junho de 2012 a polícia foi a casa de Liliana e, cumprindo a decisão do tribunal de Sintra, levou seis menores. O sétimo estava na escola na altura e não foi localizado. Vive fora, com familiares.

Paula Penha Gonçalves, uma das mandatárias de Liliana, não quer fazer comentários, sem uma autorização da Ordem dos Advogados. Estranha que o STJ tenha divulgado a sua decisão agora, quando foi apresentado um recurso. O processo não chegou ao fim, diz. Acrescenta apenas: “O que nos faz lutar neste caso é acreditar que a matéria de facto que é sempre repetida [nos acórdãos] foi obtida num julgamento ilegal e injusto sem direito ao contraditório.” Um “direito ao contraditório” que o STJ entende que existiu.

Já Rita Lobo Xavier, professora de Direito na Universidade Católica, começa por lamentar que “a morosidade da Justiça ponha em causa todo o tempo das crianças”. Sobre o acórdão do STJ diz que está incompleto. É que, sustenta, “os filhos têm o direito de ser retirados das situações de perigo” mas “também têm o direito à ligação familiar” e a professora acha que o STJ não ponderou devidamente o direito à vida familiar face ao perigo que existia.

Liliana Melo está a trabalhar desde Junho de 2012 e tem dito em várias ocasiões que tem condições para ficar com os filhos.

5.5.15

Cinco mil crianças precisariam de cuidados de saúde em casa

Catarina Gomes, in Público on-line

Nos casos em que as Unidades Móveis de Apoio ao Domicílio não conseguem dar resposta, há crianças que “às vezes têm de ficar internadas em hospitais distritais”, diz responsável da Fundação do Gil.

Há cerca de seis mil crianças no país com doenças incapacitantes ou com deficiências profundas que precisariam de cuidados de saúde prestados em casa e as quatro Unidades Móveis de Apoio ao Domicílio (UMAD) existentes no país dão resposta apenas a mil, diz a presidente do conselho de administração da Fundação do Gil, Patrícia Boura que informa que o projecto está a passar por dificuldades financeiras.

A Fundação do Gil nasceu por causa da visita dos administradores da Parque Expo a um hospital onde uma criança vivia há 18 anos, estávamos em plena Expo98, lembra a responsável. “Ainda continuam a existir este tipo de casos, mas serão menos”.

A Fundação do Gil criou as UMAD, em associação com o Hospital de São João, no Porto, o Amadora-Sintra, o Hospital da Estefânia, o Santa Maria, em Lisboa. “Temos mais pedidos de hospitais mas não temos financiamento público” e a angariação no sector privado é cada vez mais difícil, diz. “As necessidades existem”, constata a responsável. “As crianças às quais não conseguimos dar respostas às vezes têm de ficar internadas em hospitais distritais. Não há respostas dos 0 aos 12 anos para estas crianças e, por isso, ficam nos hospitais.”

Mas as UMAD são para meninos com família e casa. A directora do departamento de pediatria do Hospital de Santa Maria, Maria do Céu Machado, diz que a criação das Unidades Móveis de Apoio ao Domicílio, veio revolucionar a área da prestação de cuidados de saúde neste tipo de situações. Antes da sua existência (no caso de Santa Maria a UMAD começou em 2006), muitas destas crianças não poderiam estar em casa e teriam de estar internadas. Na área da unidade têm, por exemplo, cerca de 50 crianças com ventilação não invasiva em casa.

Helena Carreiro, directora do departamento de Pediatria do Amadora-Sintra, afirma que as situações de abandono no hospital “acontecem muito esporadicamente, mas estes casos marcam-nos” e lembra o caso de uma criança com deficiência em que estiveram vários meses para lhe arranjar uma instituição. E não tem dúvidas que se não houvesse a UMAD “seriam mais frequentes”. As situações mais prevalentes seguidas pela UMAD são casos de “grandes prematuros e de crianças ventiladas em casa por sofrerem de doenças crónicas pulmonares".

O director do Hospital Pediátrico integrado no Centro Hospitalar de São João, no Porto, Caldas de Afonso, diz que já não tem memória de um caso recente de abandono, mas eles existem. “Há situações de carácter social em que a família não está presente. Precisamos dessa rectaguarda”. Nesse sentido, afirma que assinaram um acordo com a Misericórdia do Porto para dar resposta a este tipo de casos, nomeadamente com crianças que são tratadas em Portugal ao abrigo de acordos de saúde com países como a Guiné-Bissau.

Patrícia Boura, da Fundação do Gil, diz que a prioridade é tentar “trabalhar com a família” para criar condições para que possam ficar com a criança. Em situações extremas isso não é possível. “Há alguns casos, não sei quantos são” em que sobra apenas a adopção ou a institucionalização.

O vice-presidente da União das Misericórdias, Carlos Andrade, enfatiza que “em Portugal não está prevista a existência de instituições para crianças deficientes com menos de 16 anos, porque se presume que estão na família”.

No caso de crianças em perigo, em que a família abandona ou maltrata, que juntam a isso uma situação de deficiência estas deviam ir para lares de infância e juventude especializados “mas estes não existem” e, por isso, a misericórdia acaba por admitir, “a título excepcional”, algumas crianças em risco com deficiências em que não existe rectaguarda famíliar e há ordem de um tribunal para a sua institicionalização. “Não havendo, fazemos esse serviço”. Têm 23 crianças com menos de 16 anos no Centro de Apoio a Deficieintes Profundos João Paulo II, em Fátima, e outras 12 no Centro de Deficientes Luís da Silva, em Borba. “São 35 crianças deficientes que entraram. A maior parte delas acaba por ficar na instituição”, diz o responsável.

Há crianças com problemas de saúde que são abandonadas nos hospitais

Catarina Gomes, in Público on-line

Ajuda de Berço vai construir uma casa para crianças com problemas de saúde graves que são deixadas pelas famílias em hospitais. São casos raros, como o de Rodrigo.

No lar temporário onde vivem 20 crianças em risco, Rodrigo, de quatro anos, é o único que hoje ficou na sala de brincar. Está estendido num dos vários colchões coloridos, onde vai fazendo ligeiros movimentos em que flecte as pernas, os braços e as mãos, emite sons que quase não se ouvem. Rodrigo não ouve, não fala, não vê, não anda, chega a ter 20 convulsões por dia. A família deixou-o no hospital quando ele nasceu e lá viveu dois anos. Foi ele a razão que fez a Ajuda de Berço avançar para o projecto de construção de uma casa para crianças com deficiências profundas e doenças crónicas graves que são abandonadas nos hospitais, conta a directora da instituição, Sandra Anastácio.

Rodrigo vive há dois anos no lar temporário da Ajuda de Berço, em Lisboa, mais nenhuma instituição de acolhimento o quis aceitar. “Rodrigos como ele há muitos em Portugal. Não se fala dos Rodrigos. Ninguém os aceita porque vão morrer passado pouco tempo”, diz Sandra Anastácio.

Ao longo dos seus 17 anos de existência, a Ajuda de Berço, que é uma instituição particular de solidariedade social, recebeu cerca de 20 crianças abandonadas com problemas de saúde graves. Durante um ano recebe "seis a oito pedidos da Segurança Social para receber este tipo de meninos” mas não pode aceitar mais do que quatro. “Ninguém quer assumir um menino como o Rodrigo”, que não tem diagnóstico mas tem “um quadro de paralisia cerebral”. “O que é este menino para o Estado português? Nada”, diz.

Dos 20 meninos que passaram pela instituição “dois morreram connosco, um voltou para a família biológica, alguns foram encaminhados para lares da Segurança Social.” “Eu desejo que todos os meninos tenham projectos de vida” mas há que ser realista, diz a responsável, “são crianças com poucas possibilidades de vir a ter uma família de adopção”.

Quando a casa existir, espera-se que a construção arranque em 2017, Rodrigo deverá ser o primeiro dos seus 16 habitantes. Serão precisos 2,5 milhões de euros, para já foi possível reunir apenas 30% das verbas e, por isso, a organização vai avançar com uma campanha de angariação de fundos. A casa ficará num terreno cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, estando para aprovar o projecto de arquitectura. O objectivo é estar concluída em 2019.

Neste lar de acolhimento temporário da Ajuda de Berço, em Lisboa, as funcionárias trabalham por turnos. Há uma folha A4 por criança que informa a colega do turno seguinte, se cada criança comeu bem, se teve alguma queixa. Para a maioria dos bebés as fichas são simples, a maior parte estão assinaladas com um x na opção “comeu tudo”.

As fichas de Diana e Sofia são diferentes, os seus dias não são iguais aos das outras crianças. Como não têm capacidade para engolir, todas as refeições são dadas através de uma sonda no estômago e são aspiradas com sonda três vezes por dia. No período de sesta são ligadas a um ventilador. Têm 18 meses mas começaram a sentar-se há pouco tempo e estão agora a tentar aprender a andar, com a ajuda de talas nas pernas. São irmãs e viveram as duas durante um ano numa enfermaria de um hospital da Grande Lisboa, têm uma doença neuromuscular grave.

O que Rodrigo, Diana e Sofia têm em comum é o facto de terem problemas de saúde incapacitantes e famílias com graves problemas sociais, diz Sandra Anastácio. Rodrigo é filho de uma relação incestuosa, uma família pobre de dois irmãos que continua a ter filhos, “uns morrem, outros sobrevivem alguns são saudáveis, é uma roleta russa, às vezes sai um saudável”. Perderam-lhe o rasto, nunca visitaram Rodrigo, diz a responsável.

As irmãs Diana e Sofia são visitadas pela família com alguma regularidade mas Sandra Anastácio acredita que “estes pais nunca vão ter capacidade para ficar com elas”.

Medo que "me morra nos braços"
A Ajuda de Berço tem ainda um outro caso, de um menino de dez anos com um problema de saúde menos grave, Spina Bífida, uma malformação congénita e que, neste caso, significa que precisa de ser algaliado várias vezes por dia para esvaziar a bexiga e move-se numa cadeira de rodas.

Estas são crianças que “permanecem nos hospitais porque precisam de cuidados específicos que muitos lares de acolhimento se recusam a dar”. Só que estes são meninos muito frágeis que estão com meninos saudáveis, “apanham tudo o que é possível num centro de acolhimento temporário”.

Sandra Anastácio diz que eles, Ajuda de Berço, não estão vocacionados para prestar cuidados de saúde, fazem-no porque "tem de ser" e porque são uma instituição católica. Recebem formação do hospital, mas há alturas em que entram em pânico. O Rodrigo tem convulsões, às vezes várias vezes por dia, e há alturas em que perde consciência. E lá vão elas para o hospital. “O Rodrigo já esteve várias vezes para partir.”

A frase mais repetida por funcionárias que trazem estes meninos ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, é “‘tenho medo que me morra nos braços’. É repetida até à exaustão”, diz a assistente social do Departamento de Pediatria da instituição, Laurinda Almeida.

“São poucos casos mas marcam”, diz Laurinda Almeida. Tiveram uma menina que nasceu na neonatologia da unidade e viveu no hospital durante oito anos, na pneumologia, porque tinha de receber ventilação e nenhuma instituição de acolhimento estava disposta a recebê-la, mesmo havendo ordem do tribunal para a sua institucionalização, lembra Laurinda Almeida. Foi uma reportagem na televisão fez com que aparecesse uma família que a adoptou há cerca de três anos.

Ana Lacerda, coordenadora do grupo de trabalho para a implantação de uma rede nacional de cuidados continuados pediátricos, admite que estes casos existem e são um problema. "Chegam a viver anos nos hospitais não têm para onde ir. São residuais mas é preciso dar-lhes reposta”, sublinha. Quantos serão? “Não sei se alguém terá esse número”, diz. Questionada pel PÚBLICO, a Segurança Social também não forneceu quaisquer dados sobre este tipo de situações.

A directora do Departamento de Pediatra do Hospital de Santa Maria, Maria do Céu Machado, constata que se anda sempre a falar “dos números fantásticos da mortalidade infantil em Portugal" mas que se fala pouco do reverso da medalha. “Salvamos a vida a crianças com situações clínicas e doenças graves que de outra forma não sobreviveriam. Estamos aqui a salvar vidas para criar um problema enorme de desestruturação. Temos de dar o passo a seguir”, avisa.

Em causa estão por exemplo crianças que tiveram asfixias graves ao nascer e ficaram com lesões cerebrais, situações de sequelas que resultaram de grande prematuridade, doenças genéticas, cardiopatias, doenças musculares, elenca a pediatra.

“Muitas instituições de acolhimento não estão preparadas para as ter” e lembra o caso de um menino que era internado de três em três dias “por ansiedade dos cuidadores”. Por isso é urgente a criação de cuidados continuados em pediatria, diz a médica. “Às vezes conseguimos colocá-los em instituições sem vocação de cuidados continuados e voltam para ser reinternados”.

Seria fácil dizer que estas são famílias insensíveis e é delas a culpa por deixarem estas crianças nos hospitais. “Há famílias que não sabem o que é dormir uma noite inteira há cinco, há 15 anos”, diz a pediatra Maria do Céu Machado. "Uma doença ou deficiência deste tipo desorganiza qualquer família, por mais funcional que fosse desde o início, acabam casamentos, muitas vezes começam os dois e termina só a mãe”, acrescenta Laurinda Almeida,que lembra: "um dos membros do casal acaba no desemprego para tomar conta a tempo inteiro das crianças, os irmãos saudáveis acabam muitas vezes por ser negligenciados e também precisam de apoio."

"Estas são crianças que obrigam a faltar ao trabalho, que têm muitos custos. Há famílias com outros filhos que assumem que não têm condições físicas, psicológicas e monetárias. Não quer dizer que a mãe depois não vá ver a criança à instituição”, diz ainda a pediatra Maria do Céu Machado. Porque, acredita, "a maior parte das famílias que abandonaram é porque não têm condições para as ter. O abandono ou não depende muitas vezes dos apoios que existem na comunidade."

Os nomes das crianças são fictícios

27.4.15

Segurança Social só identificou 73 crianças em acolhimento que podem ter padrinhos civis

Catarina Gomes, in Público on-line

Há cerca de oito mil crianças a viver em instituições mas mais de metade já têm entre 12 e 20 anos.

Em cerca de oito mil crianças e jovens em risco que se encontram em instituições, a Segurança Social identificou apenas 73 casos em que estes poderão ter padrinhos civis, mas apenas 17 situações foram concretizadas no último ano em que há dados (2013), respondeu ao PÚBLICO o Instituto da Segurança Social. Há quem se queixe que tentou apadrinhar e que encontrou vários obstáculos nesta solução que foi pensada como uma alternativa às instituições para crianças e jovens que não podem ser adoptados.

Isabel, que prefere não ser identificada, já tem um filho de 10 anos, por isso sente que já cumpriu o seu desejo de maternidade, para ela a adopção não é uma opção. Isabel diz que o apadrinhamento civil, hipótese jurídica que existe há cerca de cinco anos, oferece a vantagem de estas crianças ou jovens “poderem preservar as suas raízes, os seus nomes, os seus apelidos, saberem de onde vieram”. “E saberem que os pais não tiveram capacidade para os educar, mas não foi por não gostarem deles.”

O que a move é sobretudo um sentimento de solidariedade. Quer apadrinhar uma criança em acolhimento e convive bem com aquele que é talvez o maior desafio do apadrinhamento civil, “a manutenção das relações com as famílias biológicas que muitas vezes são problemáticas”. Os pais biológicos podem manter direitos de visita e, por norma, devem ser informados pelos padrinhos civis do percurso dos filhos.

Isabel decidiu avançar para o apadrinhamento civil em Fevereiro de 2014 na Segurança Social de Coimbra, quando conheceu uma menina de quatro anos que sabia que ia para uma instituição. Isabel convivia com a família onde a menor estava temporariamente colocada, juntamente com a sua irmã adolescente, e sabia que não podia ficar com as duas. Isabel ofereceu-se, assim, para criar a mais nova na qualidade de madrinha civil, e, como as duas famílias viviam próximas, a mais nova podia manter a relação com a irmã mais velha.

Isabel, que é de Leiria, diz que a Segurança Social lhe colocou vários obstáculos. E que a menina acabou por, aos 4 anos, ir parar uma instituição, “quando podia ter ficado [consigo]”. O que vale é que um ano depois a família onde ela tinha estado decidiu ir buscá-la e Isabel desistiu de a apadrinhar. “Este caso acabou bem”, mas na sua opinião “o primeiro entrave ao apadrinhamento é a Segurança Social”. “Estão formatados para trabalhar as competências dos pais ou para a institucionalização.”

Já Inês Luís e o marido são pais de uma menina de 7 anos, não têm problemas em conceber filhos, mas pensaram: “Se há tantas crianças sem família, não precisamos de fazer um filho.” Dizem ter iniciado o processo de apadrinhamento civil na Segurança Social de Setúbal em Outubro de 2013, foram avaliados e ficaram habilitados como padrinhos civis em Abril do ano passado. Desde então Inês Luís afirma que sempre lhes disseram que não havia crianças com o perfil que pediam e que as hipóteses eram muito baixas. Bem sabe que ela e o marido queriam uma criança até aos sete anos — “mas somos flexíveis, tudo depende do caso” — “sem problemas de saúde graves, sem critério de sexo nem raça definidos”. “Tem de haver pelo menos uma criança com 7 anos no país que não possa ser adoptada”, reclama Inês Luís, que é jurista e vive em Almada. A Segurança Social diz que não comenta nenhum destes dois casos por questões de privacidade e de protecção dos menores.

De acordo com o último Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (com dados de 2013), a grande maioria dos 8445 adolescentes e jovens em acolhimento (só 374 estão em famílias de acolhimento) têm entre 12 e 20 anos — 67,4% do total. Segue-se o grupo de crianças com idades até aos 11 anos — 32,6%. Os mais novos, até aos 5 anos são 13,1% e dos 6 aos 9 são 19,6% do total.

O Instituto da Segurança Social respondeu ao PÚBLICO que nesse ano, das mais de oito mil crianças em acolhimento “foram identificadas 73 crianças e jovens que potencialmente poderão constar na bolsa de crianças e jovens a apadrinhar”. A maioria tem mais de 6 anos e “o denominador comum, até à data, é o facto de já terem uma relação prévia com os padrinhos”. Dos 73 casos identificados como podendo ser apadrinhados cerca de 63% encontram-se em acolhimento institucional ou familiar, cerca de 30% residem com os potenciais futuros padrinhos civis e cerca de 7% residem no seu meio natural de vida.

Houve 40 iniciativas de apadrinhamento civil, mas só 17 se concretizaram, sem se especificar porquê. A Segurança Social responde que não é verdade que o apadrinhamento civil seja o projecto de vida adequado a todas as crianças que não podem ser adoptadas. “A grande maioria têm como projecto de vida a sua autonomização, a reintegração na sua família de origem ou a adopção”, tendo em conta variáveis como a idade da criança, saúde, existência de irmãos, relacionamento com a família de origem, entre outros, lê-se na resposta enviada por email.

No ano de 2013, o universo de crianças e jovens para quem adopção era vista como uma possibilidade chegou a 1412, em 532 situações esse percurso já estava mesmo definido.

A Segurança Social responde que os seus técnicos estão habilitados a responder às solicitações de apadrinhamento civil e que foi criado um guia prático, o Manual dos Processos Chave do Apadrinhamento Civil, estando em preparação o reforço do plano de formação sobre as potencialidades desta figura jurídica, bem como um folheto informativo com informações para o público em geral.

A Unidade de Adopção, Apadrinhamento Civil e Acolhimento Familiar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que gere esta valência apenas no território da cidade de Lisboa, veio dizer em Fevereiro que há falta de candidatos ao apadrinhamento civil e organizou uma sessão de divulgação para tentar ter mais padrinhos. A Santa Casa de Lisboa tem uma linha directa através do número de telefone 213 235 133 e o email serviço.adopcao@scml.pt.

Guilherme de Oliveira, mentor da lei do apadrinhamento civil, já veio dizer diz que “é preciso fazer o marketing deste instituto”.

16.4.15

Mais menores com problemas de comportamento dentro das instituições

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens – CASA foi esta quarta-feira entregue ao Parlamento
Há cada vez mais crianças e jovens com “características particulares”, incluindo “problemas de comportamento” e “problemas de saúde mental”, a viver nos centros de acolhimento ou lares de infância e juventude. No ano passado, mais de quatro mil tinham acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico.

O dado consta do relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens – CASA, que o ministro da Solidariedade, do Emprego e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, esta quarta-feira à tarde entregou à Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves.

O documento dá conta de um aumento de 10% de crianças e jovens com “características particulares” a viver nas instituições. A mais comum é “problemas de comportamento” – um total 2164, 1160 dos quais com idades compreendidas entre os 15 e os 17, o que representa um aumento de 146 face ao ano anterior.

Predominam os “problemas de comportamentos” considerados ligeiros, como o recurso à mentira para evitar obrigações, a fuga breve ou a intimidação – 73%. Os comportamentos mais graves, que envolvem roubos, uso de armas brancas e destruição de propriedade, representam 3%.

O número de vagas nos seis Lares de Infância e Juventude Especializados, isto é, vocacionados para estes menores que se colocam a si próprios em perigo, não dá para as encomendas, embora tenha vindo a aumentar de forma progressiva nos últimos anos. No ano passava, 94 acolhidos, 61 com mais de 15 anos. São dos casos mais complexos com que o sistema tem de lidar. Conforme o documento, 32 tinham, além de processo de promoção e protecção de crianças e jovens em risco, processo tutelar educativo. A 19 fora diagnosticada patologia mental.

Há 3922 crianças a receber acompanhamento psiquiátrico ou psicológico regular e 847 irregular. Está por fazer a rede de cuidados continuados de saúde mental, prevista há cinco anos, o que “constitui um sério constrangimento” às crianças e jovens com graves problemas de saúde mental que precisam de internamento: “são tratadas em regime de ambulatório, por falta de vagas para internamento (existem 20 vagas a nível nacional) e têm de regressar às instituições”.

De modo geral, continua a cair o número de crianças e jovens que passam por instituições: 10.903 em 2014, 10.951 em 2013, 11.147 em 2012, 11.572 em 2011, 12.025 em 2010. Mesmo assim, estavam 8470 internadas em Dezembro, mais 25 do que um ano antes. Mais de metade do sexo masculino (51,9%). Mais de metade (56,1%) com idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos.

Contas feitas, houve menos crianças e jovens a entrar (2143) do que a sair (2433). Foram retiradas às respectivas famílias, sobretudo, por falta de supervisão e acompanhamento familiar (60%), exposição a “modelos parentais desviantes” (35%), negligência nos cuidados de saúde ou educação (32 e 30%).

O relatório alerta para o facto de ainda existir um número significativo de crianças e jovens sem projecto de vida. Entre os que o têm, destaca-se a autonomização (32%), a reintegração na família nuclear (30%) e a adopção (10,5%). Menos expressão têm o acolhimento permanente (8%), a reintegração na família alargada (5,5%) ou o apadrinhamento civil (0,4%).

Continuam a ter “fraca expressão” as medidas que prevêem a possibilidade de família alternativa. E persiste a conhecida “discrepância entre as características reais das crianças que reúnem condições para virem a ser adoptadas e as pretensões dos candidatos”.

Os autores chamam a atenção para os jovens que depois dos 18 anos não têm condições para viverem sozinhos, ou seja, para serem autónomos, porque continuam a estudar ou à procura de emprego. O escalão 15-17 anos (1342) sobressai, mas também pesa o de 18-20 (757) e o de 12/14 (494).

“Dos 148 jovens que saíram para a vida autónoma, 64 foram residir em casa alugada e os restantes em quartos alugados ou equivalente”, refere. A transferência para centros educativos, por terem cometido actos tipificados como crimes, representa 1,1%. E a transferência para lares residenciais, colégios do ensino especial ou comunidades terapêuticas outros 1,8%.

Transições dolorosas

A memória da primeira noite na instituição é sempre má. A memória da primeira noite fora da instituição tende a não ser muito melhor. Podem não ter quem os apoie na altura de arrendar uma casa, arranjar um emprego, aprender a tratar da casa, a gerir o dinheiro, a comandar o tempo.

João Pedro Gaspar trabalhava há anos com crianças e jovens internados em Centros de Acolhimento Temporário e Lares de Infância e Juventude. Quis perceber as transições – da família para a instituições e da instituição para o mundo. A tese de doutoramento em psicologia da educação que no ano passado defendeu na Universidade de Coimbra – “Os desafios da autonomização” – levanta o véu sobre essa realidade.

Recorrendo a uma base de dados com 100 jovens adultos que viveram mais de 10 anos em instituições, entrevistou 26. E foi chegando aos seus modos de ver.

O acolhimento, notou, está quase sempre associado ao corte com a família e ao pouco envolvimento de quem recebe. “Não gostei, passei muitos dias a chorar”, disse-lhe um. “Lembro-me como se fosse hoje, fiquei naquela casa grande com gente desconhecida que me metia medo e que não me transmitia a calma da minha mãe. Foi horrível! Ainda hoje sinto o cheiro e os sons que me atormentavam”, disse-lhe outro.

O momento da saída faz-se de “sentimentos contraditórios, que passam pela libertação das regras da instituição e pelo receio de solidão e de abandono”. “É muito difícil, é como ter de deixar toda uma vida que criamos num dia”, relatou-lhe um. “Peguei nas minhas coisas sozinha, apenas um pessoa que lá trabalhava se despediu de mim”, relatou-lhe outro.

Quase não houve preparação para a saída da instituição, nem acompanhamento posterior. “A partir desse ponto não recebi qualquer apoio da instituição”, disse um. “Sair da casa onde viveste grande parte da vida sem qualquer apoio financeiro é um suicídio”, disse ainda outro.

Os jovens podem pedir para prolongar a medida de protecção, mas só até aos 21. Um corte brusco tende a ser entendido como uma transição negativa e em grande parte responsável por uma "vida adulta sem rumo definido nem integração social adequada". No entender deste investigador, o Estado devia continuar a acompanhá-los, quiça criar um "suporte interventivo" que que facilitasse o acesso a habitação e a trabalho.

10.11.14

Cada vez mais pais deixam de poder pagar pensões de alimentos aos filhos

Natália Faria, in Público on-line

Até ao final de Outubro, havia já 18.382 menores cujas pensões de alimentos passaram a ser pagas pelo Estado. É um aumento de 16,2%, em comparação com 2013. O desemprego surge como a principal explicação.

Os pais ficam desempregados, deixam de pagar as pensões aos filhos. “Se não têm meios - nem casas nem carros - para penhorar, a única hipótese para as crianças não passarem fome é o Fundo de Garantia”, desabafa a juíza Armanda Gonçalves que, até Abril, presidia ao Tribunal de Família e Menores do Porto. “Uma percentagem significativa das decisões que ‘dava’ por dia era no sentido de accionar o fundo, porque cada vez apareciam mais pais desempregados em situação de incumprimento”, recorda.

De então para cá, a situação agravou-se. Com o desemprego a subir, os tribunais de todo o país chamam cada vez mais o Estado a substituir-se aos pais no pagamento da pensão de alimentos aos filhos, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM). Até 31 de Outubro, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social estava a pagar pensão de alimentos a 18.382 menores, mais 16,2% do que no final de 2013. Ao todo, e até àquela data, o Estado já tinha gastado 25,8 milhões de euros com esta prestação.

Esta prestação, em dinheiro, é paga mensalmente pelo Estado para assegurar que, num cenário de divórcio ou separação do casal, as crianças e jovens não fiquem sem pensão de alimentos quando o progenitor que está obrigado a atribuí-la por ordem do tribunal deixa de o fazer por incapacidade económica. “O fundo pode ser suscitado apenas quando se revela impossível cobrar essa prestação ao progenitor faltoso, ou seja, quando este não possui salário, rendas, subsídios ou bens que possam ser executados”, explica Júlio Barbosa, procurador-adjunto na comarca de Coimbra.

Outro dos requisitos é que o rendimento do agregado em que o menor está inserido não ultrapasse os 419,22 euros – o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) – por cada um dos elementos, sendo que “o requerente vale por um, os menores por 0,5 e os maiores por 0,7”, explicita o juiz António José Fialho, do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, para concluir: "Basta que o progenitor que tem a guarda da criança tenha um 'ordenadito' um bocadinho melhor, uns 650 euros, para ficar de fora”. Só famílias muito pobres, portanto, podem aceder ao fundo. E não se pense que este fundo pode estar a ser usado para compensar os progenitores que simplesmente fogem às suas responsabilidades. “Os tribunais não prestam alimentos para substituir pais que simplesmente desaparecem do mapa”, precisa António José Fialho. Mesmo assim, e apesar de todos os anos nasceram menos bebés, Júlio Barbosa confirma que “neste período de crise, as solicitações têm aumentado”.

Os números mostram efectivamente que, tal como no desemprego, na emigração e na pobreza, o crescimento tem sido sustentado. Em 2010, o Estado gastou 23,1 milhões de euros no pagamento das pensões de alimentos a 13.553 crianças e jovens cujos pais estavam impossibilitados de o fazer. Em 2013, a despesa chegou aos 27,4 milhões. Este ano, até ao final de Outubro, o Estado tinha gastado já 25,8 de um orçamento global de 32 milhões. Para 2015, a dotação orçamental voltou a aumentar. Para os 36 milhões de euros. Nestes cinco anos, os gastos do Estado com os progenitores que deixaram de pagar as pensões de alimentos aumentaram 56%.

Processo moroso
Mas há problemas que persistem. “Os relatórios que os tribunais pedem sobre a situação do progenitor que tem a guarda da criança, geralmente a mãe, demoram muito, nunca menos de seis meses. E, depois da sentença judicial, o pagamento da primeira prestação também costuma demorar seis meses”, alerta a juíza Armanda Gonçalves. Para contornar previsíveis demoras, e dadas as crescentes solicitações, o juiz António José Fialho encontrou atalhos. “Na fase da fixação, dispenso relatórios, e faço a análise da situação económica do agregado por verificação da condição de recursos”, revela. Mesmo assim, desde a decisão judicial até ao pagamento da primeira prestação, “podem decorrer entre seis a sete meses, dependendo do centro distrital da Segurança Social”, acrescenta.

Ao PÚBLICO, fonte do Ministério da Segurança Social sustentou que os atrasos chegaram a ser de 18 meses e foram entretanto substancialmente reduzidos “por via do reforço das equipas e dos meios informáticos".

Dúvidas quanto ao valor
Para os atrasos no pagamento da primeira prestação podem concorrer também os recursos da Segurança Social contra as decisões dos juízes de primeira instância que fixam a obrigatoriedade de pagamento de uma pensão superior àquela que era devida pelo pai. E aqui há jurisprudência para todos os gostos. “Os tribunais não têm sido unívocos nas suas decisões: há quem entenda que os juízes não podem impor ao fundo uma quantia superior àquela que o pai estava obrigado a pagar e há quem entenda que sim”, situa Júlio Barbosa, para quem “os argumentos são bons de ambos os lados”. Ou seja, “é relativamente fácil comprovar que as necessidades das crianças são superiores às pensões que os pais pagavam”, mas, por outro lado, “é preciso não esvaziar o fundo”.

29.7.14

Cada comissão de protecção de crianças continuará a ter um professor

Andreia Sanches, in Público on-line

Garantia dada pelo Ministério da Educação. No ano passado, 305 comissões acompanharam mais de 71.500 processos de crianças e jovens.

Os professores que estiveram integrados em 2013/2014 nas comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ) deverão ser “auscultados” para que se possa verificar o seu interesse em prosseguir nessas funções, de forma a dar continuidade ao trabalho desenvolvido. “Nos casos em que os professores não quiserem ou puderem continuar, será aberto um procedimento para que sejam substituídos.”

A informação é do Ministério da Educação e Ciência (MEC), em comunicado. O protocolo assinado em 2013 pelo ministério da Solidariedade e Segurança Social e pelo da Educação para 2013/2014 continuará em vigor no próximo ano lectivo, acrescenta-se. Ou seja, cada comissão continuará a ter um professor a tempo inteiro. E para as que lidam com mais de mil processos por ano, deve ser designado outro, que exerce funções de tutor.

A Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares irá divulgar ainda nesta segunda-feira as orientações definidas pelos secretários de Estado do Ensino Básico e Secundário e Ensino e da Administração Escolar sobre a designação dos representantes da Educação nas CPCJ para o ano escolar 2014/2015, diz o ministério. E acrescenta: “Os representantes do MEC devem ter especial interesse e conhecimentos relativamente ao sistema de promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens, nomeadamente no que respeita às problemáticas do absentismo, abandono e do insucesso escolar, para intervir no domínio das várias atribuições das CPCJ.”

No ano passado, estavam instaladas 305 CPCJ em todo o país, onde trabalhavam, na sua modalidade restrita (ou seja, na que executa as tarefas), 2565 pessoas. Destas, 298 eram membros cooptados ao Ministério da Educação, segundo o último relatório de avaliação da actividade destas estruturas.

Acompanharam 71.567 processos de crianças e jovens, mais 2560 do que em 2012 — a tendência de crescimento verifica-se desde 2006, com a excepção do ano de 2011 em que houve um ligeiro decréscimo do volume processual.

No final do ano, permaneciam activos 37.220 processos (que transitaram para 2014). As situações de perigo incidem, maioritariamente, em cinco problemáticas: negligência (25,3%); exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar e desenvolvimento da criança (24,5%); situações de perigo em que esteja em causa o direito à educação (16,3%); situações em que a criança/jovem assume comportamentos que afectam o seu bem estar (11,1%) e os maus-tratos físicos (5,7%).