18.9.20

Bebé encontrado no Cacém já está numa família de acolhimento. CPCJ não acredita em motivação financeira

Maria João Lopes, in Público on-line

Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental fala num “aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar”.

O bebé que foi encontrado junto ao Centro Social Baptista, na terça-feira, no Cacém, já está numa família de acolhimento, confirmou o PÚBLICO junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Sintra Oriental. Embora não haja ainda dados recentes, a presidente desta CPCJ nota que tem lidado com “muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”. Ainda assim, neste caso em concreto, tende a afastar a hipótese de motivações financeiras.

A informação de que o bebé seria entregue a uma família de acolhimento já tinha sido avançada por órgãos de comunicação social como Expresso e o Correio da Manhã. Ao PÚBLICO, também a presidente desta CPCJ, Sandra Feliciano, confirmou que, no âmbito do “procedimento de urgência foi solicitada uma resposta em família de acolhimento prioritariamente” e, “havendo essa resposta, foi a adoptada”, por ser “a que melhor acautela crianças tão pequeninas”.


Esta resposta da CPCJ é feita em articulação com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no âmbito do procedimento de urgência. Foi a primeira vez, salienta aquela responsável, que se conseguiu “uma resposta de família de acolhimento para o concelho de Sintra numa situação de emergência”, embora não se saiba onde é e não seja em Sintra.

Para já, o bebé está nessa família de acolhimento, mas a investigação pode ditar outro rumo. O Ministério Público (MP) já confirmou “a instauração de um inquérito, que corre termos no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] de Sintra”, tendo os factos sido já, “igualmente, comunicados ao Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Sintra.

“Urgia a protecção da criança. O MP irá determinar se vai prevalecer mais tempo na família de acolhimento, conforme a situação que for chegando ao processo, se aparecer família, ou se não aparecer família... Decorre um processo-crime e, certamente, que estão a ser feitas todas as diligencias para a identificação deste bebé e a sua filiação”, nota Sandra Feliciano, acrescentando que os dados que forem recolhidos durante a investigação serão “devidamente avaliados” e que, “certamente, consoante os dados que chegarem ao processo, a decisão poderá ser outra”. É preciso verificar “as motivações”, deduz-se, pela carta encontrada no cesto do bebé, que seja a mãe, mas não há certezas.

Há, aliás, ainda muitas incógnitas: “Não sabemos em que circunstâncias nasceu o bebé, se foi em casa, numa unidade hospitalar, se a mulher terá tido alguma perturbação pós-parto... Para já, não se sabe quem é a mãe, a prioridade foi a protecção imediata da criança. O MP irá definir o melhor projecto de vida para a criança em função dos dados que forem chegando ao processo”. Ou seja, decorrem ainda as investigações para saber quem é a mãe e a família, e quem deixou ali a criança, e esses dados poderão alterar a decisão, para já, tomada.

"Muitos casos de crianças ate aos dois anos em situação de fragilidade"

O bebé, naquele dia com 21 dias, foi deixado na terça-feira junto Centro Social Baptista, no Cacém, no concelho de Sintra. O Centro Social Baptista é, segundo se lê no site da instituição, uma Fundação criada pela Igreja Evangélica Baptista do Cacém para serviço à comunidade. Com ele trazia uma carta a pedir um “lar”, referindo ainda que alegadamente a mãe estaria a passar por “muitas dificuldades”.

Ao contrário, porém, do que tem sido noticiado, Sandra Feliciano tende a afastar a hipótese de motivações financeiras: “Não creio que seja uma motivação económico-financeira, porque há muitas estruturas de apoio. Pese embora a decisão de entregar um filho para alguém cuidar seja muito pesada e muitas mães não conseguem falar com um técnico e recorrem a estes mecanismos”, diz. De qualquer forma, “para esta situação bastou o facto de haver uma criança em desprotecção sem ninguém que a cuidasse” para se accionarem os mecanismos considerados necessários.

A investigação prossegue e, entre outros procedimentos que estão a ser adoptados para se chegar à identificação da pessoa que deixou o bebé, quem é e que trajecto terá feito, as câmaras de videovigilância da zona já estão a ser analisadas. Além dos bombeiros voluntários de Agualva-Cacém, também a PSP esteve no local. O comandante dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém já tinha dito ao PÚBLICO que se acredita que mãe saberia que havia uma reunião no Centro Social Baptista, garantindo, assim, que alguém veria a criança.

Sandra Feliciano nota que o contexto de pandemia poderá criar algumas dificuldades à investigação uma vez que, ao ficarem em casa e afastarem-se de consultas e de hospitais, haverá grávidas que poderão não ter tido o habitual acompanhamento. “Sendo que estas são estruturas fundamentais no apoio a estas situações”, nota. Se algumas grávidas tiverem permanecido no domicílio em fases da actual pandemia, médicos, familiares e até vizinhos poderão não se aperceber de algumas situações.

A presidente da CPCJ de Sintra Oriental nota ainda que tem havido um aumento de casos de bebés abandonados: “Temos tido um aumento de casos de bebés abandonados ou sem a devida estrutura familiar. Não sabemos se é por causa da pandemia, ainda é cedo para dizer, mas sabemos que temos muitos casos de crianças até aos dois anos em situação de fragilidade”.

A criança foi encontrada aparentemente bem tratada, vestida, com um biberão de leite. A temperatura estava “normal”, o que indicará, segundo o comandante dos bombeiros, que teria sido deixado no local pouco antes. Apesar de tudo indicar que estivesse bem, o bebé foi transportado para o Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora.

A carta encontrada terá sido escrita, alegadamente pela mãe, mas como se fosse o bebé a proferir aquelas palavras: “a minha mãe me ama muito a ponto de me entregar para outra família com melhores condições [para] me adoptarem”, lê-se. Mas não só: “Por favor não julguem a minha mãe, ela só está a evitar que eu sofra junto com ela, estamos a passar muitas dificuldades, por isso ela tomou essa difícil decisão, por favor cuidem de mim como um filho de vocês! Só quero amor, carinho”, está ainda escrito. Quem escreveu a nota pede, “por favor”, para não “maltratarem” o bebé que só quer um “lar”.