João Palma Ferreira , in Económico on-line
A AICEP aguarda o início da recuperação com o apoio do “poder de fogo” da União Europeia. As empresas que eram competitivas antes da pandemia vão continuar competitivas na retoma, sublinha.
Luís de Castro Henriques, presidente da AICEP, diz entrevista que acredita na “preparação das empresas portuguesas mais competitivas e resilientes”, resultado da última crise. A recuperação irá depender muito do apoio europeu a fundo perdido, mas o ‘timing’ desse impacto é ainda muito difícil de prever.
Já há perspetivas de recuperação económica para Portugal e para a Europa. Vão surgir a curto ou médio prazo, em U, em W ou em L?
Ainda estamos muito no domínio da futurologia porque nós sabemos pouco.
O que sabem neste momento?
Sabemos que vamos ter um conjunto de ferramentas financeiras, e não só, que – à partida –, tudo indica que permitirão uma recuperação rápida. Agora, tudo depende de quando é que elas vão ser implementadas, porque é um processo a 27 países…
Ou seja, será um processo muito pesado, atendendo à quantidade de intervenientes envolvidos…
Nas minhas funções não me posso pronunciar se o processo é ou não pesado. Mas posso dizer que é um processo mais lento do ocorreria que em outras regiões do mundo onde a decisão é mais centralizada. A espectativa positiva é a seguinte: sabemos de facto que um pacote de recuperação, à partida, permitirá à Europa recuperar e a perspetiva nesse sentido será positiva para todos. Agora, tudo vai depender do timing da implementação. Mas também vai depender dos timings de implementação em outros países. Esta não é a primeira crise global – já assistimos a isto – mas é manifestamente uma crise onde vemos o fenómeno de interdependência. A pandemia não só afetou o mundo como um todo, como a recuperação não será isolada. A Europa não vai poder recuperar sozinha. E também vai depender de como as outras geografias vão recuperar. Aqui há um fenómeno de interdependência enorme.
No caso de países como Portugal, que precisam de dinamizar as exportações e que têm de ter os mercados de destino das exportações muito ativos, só vão recuperar para o nível das exportações anterior à crise se os mercados compradores reagirem bem?
Isso é certo. Mas isso também se aplica à Alemanha, que é um grande cliente nosso. Nesta fase, tudo tem a ver com tudo. O timing de recuperação depende primeiro do timing de implementação das medidas na região europeia, que, para nós, só em termos de exportações, a Europa já representa 85% dos produtos exportados. Segue-se uma segunda dimensão, na qual temos de perceber que isto tudo arranca quando todos arrancarem. A grande questão é saber quando é que isso vai ocorrer, isto é: se ainda irá ocorrer em cenário de pandemia; ou se vai estar tudo à espera que haja uma solução para a pandemia, para que os mercados possam arrancar? Essa é a principal questão. Também há outro tema que é o de saber quais vão ser os nossos objetivos, ou como nos vamos organizar depois de termos passado por esta experiência, porque esta experiência também teve aspetos positivos, em termos de aprendizagem. Temos agora mais soluções digitais e o controlamos o funcionamento remoto. Era qualquer coisa que já estava a acontecer mas que, de repente, agora teve uma evolução drástica.
Qual é o impacto económico final disso?
Acredito que isto nos permitirá recuperar muito mais depressa. Também já confirmámos diariamente que conseguimos operar de forma remota. A maior parte do mundo entrou em lockdown de março a junho, pelo menos no hemisfério norte. As economias travaram abruptamente. Foi a maior travagem que já vimos na história. Mas não parámos. Neste meses, todos percebemos qual é que é o limiar mínimo de produção quando não nos é possível operar de forma presencial. A partir daqui é perceber, tendo em conta esta curva de aprendizagem, quanto é que vamos conseguir potenciar mais o crescimento, ou quanto é que não conseguiremos potenciar.
A recuperação será toda feita com injeção de dinheiros ‘partilhados’ – as subvenções a fundo perdido – pela UE?
Não tenho a mínima dúvida que esse vai ser o principal fator para pôr tudo a funcionar. Para o novo potencial que poderemos ter a seguir à pandemia, já percebemos que dispomos de outras ferramentas e de outros mecanismos de trabalho que permitam alcançar uma produtividade maior ou um funcionamento mais ágil. Portanto, na pós-pandemia vamos ter uma recuperação e não tenho dúvida que vamos voltar ao normal, mas o “quando” será sempre determinado pelo momento em que começarmos a sentir os efeitos do plano de recuperação a nível europeu. A segunda questão é, no pós-pandemia, identificar os sectores que vão ter ganhos muito significativos, ao mesmo tempo que haverá outros setores que vão ter de se reinventar muito. Tudo vai depender de como é que as cadeias de valor vão ficar organizadas. Não tenhamos dúvidas: a seguir a isto, as cadeias de valor vão ter outro mecanismo de organização, nem que seja através do que agora se traduz pela nova palavra-chave, que é a resiliência. No fundo, trata-se da segurança de abastecimento e da capacidade de funcionamento em qualquer circunstância.
Alguns gestores e empresários consideram que a economia está anestesiada com os efeitos dos layoff simplificados e das moratórias e que quando desaparecerem os efeitos, Portugal assistirá ao aumento do desemprego, ao crescimento das falências e ao disparo nos incumprimentos. Haverá muitas empresas que conseguirão subsistir com níveis elevados de incumprimentos e uma redução significativa de trabalhadores? Qual será o nível das falências que a economia suporta?
Em primeiro lugar temos de ser realistas e perceber que, naturalmente, a curto prazo, este choque vai ter um impacto; em segundo lugar – já numa nota mais positiva –, tivemos uma crise significativa há uma década, e – não tenhamos dúvidas –, hoje a maioria das empresas está muito mais resiliente do que estava na altura, pois não só comprovámos nesta última década a competitividade da larga maioria do sector produtivo português, mas as empresas também aprenderam com este processo e, portanto, estão mais e melhor preparadas. Mas não podemos esquecer o primeiro passo: vai haver um embate e esse embate vai afetar muito mais quem estava menos preparado.
Qual é que será a extensão desse embate?
Nós ainda não sabemos bem. Sabemos que há sectores que são muito mais afetados porque o seu ciclo de venda e o seu ciclo produtivo foi muito mais afetado e por isso sofrem um impacto que, pelo menos, irá afetá-las em cerca de um ano. Mas também sabemos que há outros sectores que estão a recuperar paulatinamente e que até já atingiram níveis de produção pré-pandemia. Há um efeito simétrico ao nível da preparação da empresas. É inegável que a 1 de março de 2020 estavam muito melhor preparadas do antes da anterior crise; porque estavam diversificadas em termos de clientes; estavam mais expostas ao negócio internacional; introduziram outras práticas; protegeram-se de outra forma. Há igualmente simetria ao nível dos setores, porque há sectores que efetivamente vão precisar de algum tempo para recuperar, basta imaginar a cadeia de reposição de alguns produtos do nosso consumo normal que foi afetado, em alguns casos, por seis a nove meses. É óbvio que aí há um choque muito maior nesse sector, e para todas as suas empresas como um todo.
Têm sido identificados dois níveis frágeis: o das pequenas e das micro empresas que não têm estrutura financeira para aguentar estes embates; e o sector do turismo, onde se prevê que pode haver uma forte redução no número de empresas. Que soluções haverá para estes casos?
É óbvio que o impacto no sector do turismo é muito mais vasto e muito mais duro, porque estamos a falar de uma travagem a fundo que vai durar vários meses. É verdade que agora houve uma recuperação pontual, graças ao turismo interno e a algum turismo que chegou no final de época, mas aqui a paragem é claramente agressiva. Eu poria o turismo fora desta discussão porque é um caso muito específico, diretamente afetado pela pandemia. Há outra situação diferente: a do sector farmacêutico, onde temos efeitos completamente opostos. Mas é óbvio que há PME que poderão ter mais dificuldades por uma questão de fôlego financeiro. Contudo, volto a reiterar que a maioria das PME exportadoras – e os dados mostram isso –, no ano 2020 estavam melhor preparadas e tiveram muito mais fôlego do que tinham há uma década. Temos de perceber isso e temos de esperar o efeito direto deste ano. Tudo indica que o efeito de 2020 pode ser mais de duas vezes superior ao pior ano da última crise, o que faz pensar na dimensão do estrago. Por outro lado, como as empresas estão melhor preparadas, também muitas delas conseguiram incorporar isso no seu planeamento. Tudo dependerá de quando é que entram em funcionamento as medidas de recuperação. É certo que vai haver agora um choque e um embate, que vai ser grande, mas por outro lado é preciso perceber que o nosso tecido produtivo está melhor preparado do que estava há uma década.
O efeito desta crise ao nível da redução do Produto Interno Bruto (PIB) chegará a atingir a já referida – e temida –, queda da ordem dos 10%?
Essa é a futurologia que eu remeto para outras fontes. Houve muito esta discussão em março. Neste momento haverá estimativas mais credíveis, até porque já medem completamente os meses em que o país esteve em lockdown no confinamento. Remeto para essas estimativas, porque não tenho melhor informação sobre essas estimativas. Consigo é aferir o sentimento das empresas. As empresas que tinham ganho competitividade internacional – a não ser que todo o seu sector tenha sido muito afetado, como acontece com o turismo –, rapidamente têm conseguido recuperar. No fundo, só perderam o período de confinamento a nível global, porque nem se inclui só o efeito português, também está aqui o efeito dos outros mercados que pararam. E se as empresas eram competitivas em 1 de março de 2020, não há motivo nenhum para não serem competitivas hoje. Essa é uma realidade que não existia há 10 anos.
Embora sejam áreas diretamente relacionadas com o turismo, o sector do transporte aéreo e o sector dos aeroportos evidenciam números com quebras gigantescas de janeiro a agosto, “muito preocupantes” no sector. 2021 será mais normal em termos de fluxos ?
Não consigo responder se será um ano completamente normal – e duvido que alguém consiga –, mas sei que não estando em confinamento há uma atividade económica que tem de ser mantida e, portanto, isso permite a recuperação das empresas. No setor aeroportuário e no transporte aéreo surgiram medidas específicas de apoio ao grande grupo de empresas que neles operam. Há intervenções na TAP, mas também há na Lufthansa, na KLM-Air France, etc…
Refere-se que o problema não é o dinheiro a que essas companhias têm acesso. O problema é restabelecer a confiança dos passageiros que utilizam essas companhias. Como se resolve isso?
Não duvido. Mas enquanto tivermos um cenário de pandemia sabemos que o turismo e os transportes de passageiros serão afetados. Isso é inevitável. Decorre diretamente da circunstância que estamos a viver. Nós próprios todos temos cuidados no nosso dia a dia e deixámos de fazer algumas coisas que fazíamos antes da pandemia. Esses sectores têm caraterísticas muito específicas. No resto da economia, o nosso esforço primordial tem de ser o de recuperar. Aquelas empresas que eram competitivas a 1 de março, estou seguro que vão voltar a ser competitivos. Tendo o ‘fogo’ necessário para aguentar estes meses, vão certamente ultrapassar isto. É claro que vamos estar uns anos a recuperar deste efeito, porque isto tem efeitos levados a resultados, que depois ficam acumulados. O fundamental é lançarmos uma corrida enorme para voltarmos ao dia 1 de março de 2020. Nesse dia sabíamos que o que estávamos a fazer estava bem. Estávamos a aumentar exportações e a angariar investimentos. Portanto, o nosso foco tem de ser voltar a esse ponto o mais depressa possível. Será mais fácil em sectores em que os ciclos de consumo não tenham sido tão afetados pelo confinamento e será mais difícil nos sectores que foram afetados pelo confinamento, portanto, até reporem a cadeia normal de consumo vão demorar mais tempo.
Com o aumento do número de desempregados e uma população com rendimentos e salários objeto de reduções e cortes, o consumo será afetado. Sempre que o consumo é afetado, um dos sectores que reflete logo quebras de venda é o sector automóvel, que é importante para Portugal e para as exportações portuguesas de veículos novos e pelas exportações de componentes para esta indústria, e que é um dos sectores que mais tem contribuído para o crescimento do PIB português. Como será possível salvaguardar que este sector não seja abalado nos próximos anos?
No sector automóvel é preciso ver que há dois choques que ocorreram em 2020. O primeiro é a própria transformação que o sector já vinha a sofrer. De novos meios de mobilidade, dos veículos elétricos versus veículos a combustão, etc… Essa é a macro tendência. É óbvio que o impacto da redução do rendimento das pessoas vai repercutir-se na compra de bens duradouros e em especial nos que são mais caros, como é o caso dos automóveis. Por outro lado, as medidas de recuperação, tanto a nível global, como europeu, deverão ser a melhor ajuda para este sector se recompor, porque vai haver países que já anunciaram medidas de apoio à compra de veículos, como França, Alemanha e Espanha. Por outro lado, a injeção financeira que está a ser feita em termos de massa monetária e de capacidade de distribuição de crédito, também facilitará a compra desses bens duradouros. Acho que, de facto, o impacto em 2020 vai ser muito relevante, mas a verdade é que nas medidas de recuperação a nível europeu o sector automóvel vai ser um sector de especial enfoque. Também creio que isso pode potenciar uma série de mudanças tecnológicas que geram novas oportunidades. Mas será preciso saber apanhá-las. Vai haver muitas medidas de apoio ao sector automóvel. Isso vai ser positivo.