Relatório sobre políticas fiscais conclui que as iniciativas dos vários governos, ao nível dos impostos, foram importantes para dar um balão de oxigénio às empresas e às famílias
Adiar o pagamento de impostos liderou as medidas fiscais levadas a cabo pelos diferentes países para mitigar os efeitos da pandemia de covid-19 na atividade económica. Aliás, a este nível não há grandes diferenças nas estratégias seguidas pelos governos, segundo um levantamento feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
O relatório anual da OCDE sobre as tendências internacionais ao nível da tributação – ‘Tax Policy Reforms 2020 OCDE e economias parceiras’ – frisa que a política fiscal é uma parte “importante” das estratégias para restaurar as finanças públicas de uma forma “justa e sustentável” após a crise atual.
Divulgado esta quinta-feira, o documento contém um capítulo onde são analisados os auxílios criados para conter a crise provocada pelo novo coronavírus – ‘Tax and Fiscal Policy Responses to the Covid-19 Crisis’ – que “mostra que foram tomadas medidas políticas rápidas e significativas em resposta à crise. Embora o tamanho dos pacotes fiscais tenha variado, na maioria dos países esta ajuda foi significativa, com alguns governos a avançarem com medidas sem precedentes”.
A prorrogação dos prazos para cumprir obrigações fiscais foi ‘ferramenta’ mais popular para aliviar as tesourarias dos empresários, com “mais de três quatros dos países da OCDE e economias parceiras” a permitirem aos contribuintes saldarem as faturas mais tarde. Portugal inclui-se no grupo: entre as medidas fiscais para ajudar as empresas e os trabalhadores independentes a enfrentar o impacto que o confinamento teve nas suas atividades, o Governo de António Costa criou o regime excecional e temporário de cumprimento de obrigações fiscais. Este ‘instrumento’ que permitiu fracionar os pagamentos (em prestações de três ou de seis meses, sem juros) teve a adesão de 94.066 contribuintes, dos quais 78% empresas, indicou recentemente ao Expresso o Ministério das Finanças. Ao todo, o valor do IVA (mensal ou trimestral) e das retenções na fonte de IRS e de IRC que estão a ser liquidados faseadamente ascende a 1.321 milhões de euros.
EMPRESAS SEDEADAS EM PARAÍSOS FISCAIS RISCADAS DOS APOIOS
A OCDE menciona ainda que houve países que centraram os apoios em determinados sectores de atividade, como o turismo e a aviação, mas que outros não fizeram essa diferenciação. No caso de Portugal há ajudas específicas para os sectores mais afetados pela pandemia e no que toca ao diferimento do pagamento de impostos houve balizas com base no volume de faturação (o limite foram 10 milhões de euros, superável nos casos em que as empresas tivessem uma quebra de faturação acima dos 20%). Outra medida adotada pelo Governo português foi a suspensão temporária da entrega do pagamento por conta do IRC para as empresas classificadas como micro, pequenas ou médias (PME) e para as cooperativas. Tal como Portugal, muitos outros países bloquearam o acesso aos apoios no âmbito da covid-19 às companhias sedeadas em paraísos fiscais.
De acordo com a OCDE, muitos dos pacotes fiscais de combate à crise incluíram também prorrogações nas contribuições para a segurança social, bem como nos prazos de entrega de declarações de impostos. Mais uma vez, Portugal seguiu também o mesmo caminho. “São medidas relativamente fáceis de alargar a partir do momento que são adotadas e que provaram ser eficazes na manutenção da liquidez das empresas e das famílias”, considera a OCDE.
Entretanto, as estratégias mais recentes sugerem que a fase de retoma “será suportada, em muitos países, por políticas fiscais expansionistas [em que se aumenta a despesa pública e se reduzem os impostos], incluindo apoios ao investimento e ao consumo e a continuação do auxílio atual às famílias e às empresas”.
Sobre a época pós-covid 19, a organização internacional faz notar que é expectável que os países alterem as suas políticas fiscais relançando ferramentas antigas, mas também introduzindo novas formas de impostos. Reforçar os esforços para dar resposta aos desafios colocados pela digitalização da economia, a introdução de um imposto corporativo mínimo, o reforço da progressividade do sistema fiscal e o agravamento da tributação do carbono são algumas das tendências identificadas.
APROVEITAR PARA MUDAR O MODELO ECONÓMICO
O relatório deste ano cobre 40 países, incluindo todos os que integram a OCDE (à exceção da Colômbia, que se tornou membro após a recolha dos dados), bem como a Argentina, China (pela primeira vez), Indonésia e África do Sul.
“Os governos devem continuar a usar as ferramentas fiscais para apoiar os negócios e as famílias afetadas [pela crise] (…), além de garantir que estas medidas estão ser dirigidas para onde é necessário e que serão lentamente retiradas quando a situação melhorar”, defende Pascal Saint-Amans, diretor do centro da OCDE para a política fiscal, numa nota introdutória do relatório.
Na sua opinião, assim que a retoma esteja em marcha os líderes políticos devem transitar da gestão de crise para as necessárias reformas estruturais, “mas têm que ser cuidadosos para não agirem de forma prematura e prejudicarem a recuperação”.
Para Pascal Saint-Amans estamos perante uma oportunidade “para tornar a economia mais amiga do ambiente, mais inclusiva e mais resiliente. Em vez de, simplesmente, regressar ao modelo de sempre”.
Uma das prioridades “é acelerar a reforma dos impostos ambientas”, sinaliza o responsável, até porque atualmente “a tributação sobre os combustíveis poluentes está muito distante dos níveis necessários para promover uma mudança para energias limpas”.
Por outro lado, os governos também devem prosseguir políticas que promovam uma justa repartição da carga fiscal. Esta crise fez luz sobre a permanência de grandes desigualdades, sustenta Pascal Saint-Amans: “no que toca a baixos salários as mulheres e os mais jovens são mais afetados, enquanto os trabalhadores em part-time, em regime temporário e independentes representam até metade da força de trabalho dos sectores mais gravemente afetados [pela crise]”.
O especialista em política fiscal aponta ainda que, assim de os países saírem desta crise e as economias recuperarem, os governos vão começar a trabalhar para restaurar as finanças públicas. Porém, “subir os impostos sobre o trabalho e sobre o consumo como aconteceu após a crise financeira de 2008 poderá ser difícil politicamente e, em muitos casos, não é desejável do ponto de vista da equidade”. Por isso, há que “encontrar fontes de receitas alternativas” e, neste campo, sustenta Pascal Saint-Amans, os impostos sobre o imobiliário e sobre o capital terão um papel importante, “principalmente num contexto de melhorias significativas ao nível da transparência fiscal internacional”.