7.9.20

O fim de Setembro vai trazer uma onda de despejos na habitação?

Luisa Pinto, Público on-line

Senhorios e inquilinos dizem não ter os dados todos para perceber o que se vai passar. Mas não acreditam que o reduzido número de pedidos de empréstimo que chegou ao IHRU espelhe a realidade que aí vem. “O pior vai ser agora”, antecipa o presidente da Associação de Inquilinos, que vai pedir ao Governo novas medidas.

O mês de Setembro assinala o fim do prazo dado para a suspensão dos despejos de inquilinos que não tenham cumprido o pagamento de rendas assim como da suspensão da caducidade e da oposição à renovação dos contratos de arrendamento. Os inquilinos que não tenham pago rendas, e até mesmo aqueles que já tinham visto um tribunal confirmar uma acção de despejo que lhes foi interposta por um senhorio, não poderiam ser despejados até ao dia 30 de Setembro. Terminado este prazo, vai haver uma onda de despejos?

O PÚBLICO ouviu os representantes dos proprietários e dos inquilinos, mas nem Iolanda Gávea, da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), nem Romão Lavadinho, da Associação de Inquilinos de Lisboa (AIL), dizem ter dados para perceber todo o panorama do que se está a passar com os contratos de arrendamento. Romão Lavadinho, contudo, teme o pior: “o problema vai ser a partir de agora”.

Seis meses depois da eclosão da pandemia, ainda ninguém percebeu muito bem como é que as famílias e os titulares dos contratos de arrendamento enfrentaram as dificuldades em pagar as rendas. A moratória para a suspensão do pagamento das rendas esteve em vigor até ao mês subsequente ao levantamento do estado de emergência, o que aconteceu a 2 de Maio.

A renda do mês de Junho esteve, então, abrangida pelo prazo, pelo que a partir do dia 1 de Julho os inquilinos passaram a estar obrigados ao pagamento da renda vencido no mês de Julho, e o pagamento em duodécimos do montante das rendas em dívida durante os 12 meses seguintes.

O que aconteceu depois foi que o Governo alargou o período de candidaturas a empréstimos do IHRU, e permitiu que inquilinos com quebras de 20% nos rendimentos e sujeitos a uma taxa de esforço superior a 35% pudessem solicitar empréstimos ao IHRU até ao dia 1 de Setembro. Mas a principal medida do Governo para o apoio aos contratos de arrendamento habitacional não teve muita adesão. Até ao dia 24 de Agosto o número total de pedidos submetidos era de 2177.

“Há 730 mil contratos de arrendamento. Houve um milhão de pessoas que foi para layoff, houve 60 ou 70 mil que foram para o desemprego. Alguém acredita que só 2100 pessoas – que foi o número de pedidos de empréstimo que deu entrada no instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) – é que tiveram rendimento reduzido e dificuldades em pagar a renda? Ninguém pode acreditar nisso”, atira Romão Lavadinho, admitindo ter havido falta de informação, e muita desinformação, na forma como foi enfrentado este problema.

“Chegaram a Associação alguns sócios a garantir que ouviram o primeiro-ministro a dizer que as rendas não seriam pagas durante a pandemia. Isto não é verdade! Nem o primeiro-ministro disse isto, nem nenhuma lei permite que assim seja”, explica Lavadinho, admitindo a dificuldade que teve em passar a informação com eficácia.

“Nós tentámos sempre esclarecer as pessoas, e apesar de não concordarmos com a solução encontrada pelo Governo – que é uma solução minimalista, mesmo não havendo juros, a verdade é que as pessoas tinham de contrair empréstimos – tentámos dizer que sinalizar as dificuldades de pagamento no IHRU era a única solução. Houve inquilinos que chegaram a acordo com os senhorios para baixar as rendas, mas esses casos também foram residuais. O problema vai ser agora”, afirma.

Iolanda Gávea consegue quantificar o universo de contratos em que houve negociação – pelo menos do seio da ALP. “Em cerca de 3,5% do universo dos nossos contratos habitacionais houve acordo entre os senhorios e os inquilinos para reduzir o valor das rendas, diferindo o pagamento”, afirma a vice-presidente da ALP, referindo-se a cerca de 300 contratos.

Ainda menos expressivo foi o perdão parcial do valor das rendas, e que abrangeu cerca de 1,5% do universo de contratos da ALP. Nestes casos, houve um perdão de cerca de 10 a 15% do valor das rendas de Maio e Junho que os senhorios aceitaram baixar. “Houve apenas um caso em que o senhorio perdoou 20% do valor da renda nesses dois meses”, acrescenta Iolanda Gávea.

Denúncias de contratos aumentaram

A vice-presidente da ALP notou, no entanto, uma outra tendência, sobretudo no mês de Agosto. “Tem havido um aumento muito grande da denúncia por parte dos inquilinos, sem que estes estejam a equacionar o cumprimento do prazo do pré-aviso estabelecido na lei. A razão invocada é a de que têm dificuldade em suportar o valor da renda”, informa Iolanda Gávea.

Assim como têm aumentado as denúncias por parte de inquilinos, também tem havido mais procura e muito interesse na celebração de contratos de arrendamento. “E apesar de não haver mais imóveis no mercado – a ALP tem o mesmo número que tinha em Janeiro – também temos verificado uma maior abertura para a negociação do valor das rendas”, informa a responsável da associação de proprietários, assumindo que a instituição tem feito essa recomendação aos seus associados.

“Quando os proprietários concordam, temos sugerido colocar uma renda abaixo do que se considera ser uma renda de mercado. Fixa essa renda agora, mas actualiza mais tarde, com incrementos de valor. O contrato permite que haja incrementos no valor da renda e não coeficientes fixos de actualização. Uma renda pode ser agora de 500 euros, e passar para 600 euros no ano seguinte. Desde que todos estejam de acordo, não há nenhum problema”, termina.
A vice-presidente da ALP diz não ter “nenhuma evidência” de que o número de despejos vai aumentar a partir de Setembro, garantindo que nos serviços jurídicos da associação só tem aparecido casos de despejo de inquilinos que já não pagavam ainda antes do eclodir da pandemia.

Mas admite que na actual fase do processo ainda não é possível saber o que se vai passar. Porque só podem ser accionados processos de despejo com três meses de rendas em atraso.

“Com o fim da moratória, as pessoas tinham de começar a pagar a renda a 1 de Julho. E aqui tinham duas hipóteses: ou começavam a proceder o pagamento da renda vencida a Julho, ou se mantivessem os requisitos da lei, redução de rendimento 20% e taxa de esforço em 35%, poderiam recorrer ao IHRU a partir da renda que se vencia em Julho. Se não pagaram a renda de Julho, a de Agosto e a de Setembro, e se não pediram empréstimos ao IHRU pode haver uma acção de despejo”, admitiu Iolanda Gávea.

O pedido ou não de empréstimo acaba por ser crítico neste caso. Porque há casos de inquilinos que não pagaram a rendas, mas pediram esse empréstimos ao IHRU, e ainda estão à espera da resposta do instituto.

De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Infraestruturas e da Habitação dos 2177 pedidos de apoio submetidos ao IHRU até 24 de Agosto, mais de metade foram rejeitados – 558 foram considerados “irregulares”, porque, por exemplo, não entregaram documentação necessária, e 513 foram considerados “não elegíveis”, isto é não cumpriam os critérios.

Nessa data, o IHRU tinha dado como aprovados e concluídos apenas 606 processos, e concedido um apoio de 634 mil euros. Ainda estavam em análise 496 processos, tendo o Ministério afirmado que o reforço de meios humanos no instituto iria permitir concluir os processos até ao final do mês de Setembro.