7.9.20

Há 74 pessoas com estatuto de cuidador informal. Cristina entre os 32 primeiros a receber subsídio

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Este domingo faz um ano que estatuto do cuidador informal foi aprovado na Assembleia da República. Pandemia de covid-19 empurrou arranque dos projectos-piloto. Candidaturas começaram em Junho. No final de Agosto, um pouco por todo o país, mais de 1200 aguardavam resposta.

Avida de Cristina Capela é o filho, com uma paralisia cerebral que lhe vale uma incapacidade de 100%. Tem de garantir que respira, que come, que está limpo, que não ganha feridas, que não tem dores. E lá vão 15 anos de uma dedicação tão grande que lhe engoliu as outras partes da vida. Agora, que viu reconhecido o seu estatuto de cuidadora informal, começou a receber um subsídio de apoio. É uma das primeiras 32 pessoas nesta situação.

Muito andou esta mulher de 48 anos, residente em Portimão, “nas lutas” pelo Estatuto do Cuidador Informal. “Juntei-me a manifestações.” Balões rosa ou azul a simbolizar crianças cuidadas e balões lilás a simbolizar adultos cuidados. A lei foi aprovada há precisamente um ano.

Sem pandemia de covid-19, a primeira prestação teria chegado no final de Abril. Com pandemia, chegou no final de Agosto, com retractivos desde Abril. Na conta de Cristina, 328 euros a juntar a 110 de assistência à terceira pessoa. Sentiu “um alívio muito grande”. “Andava sempre com a corda ao pescoço. A água, a luz, alguma conta ficava para trás.” Não sentiu “uma alegria total”. “Acho que é uma injustiça perante os outros cuidadores, que também deviam receber.”
1.340é o número de cuidadores que apresentaram requerimento até 31 de Agosto, segundo o gabinete da ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

Desde o dia 1 de Julho, cuidadores de todo o país podem pedir o estatuto. Só os residentes em 30 concelhos são abrangidos por projectos-piloto, que prevêem profissionais de referência (na segurança social e na saúde), plano de intervenção específico para cada cuidador, período de descanso para aliviar a sobrecarga física e emocional, grupos de auto-ajuda, apoio psicossocial. E subsídio, se os rendimentos de referência do agregado familiar forem inferiores a 526,57 euros. Nesses territórios, as candidaturas começaram no mês anterior.

Segundo informou o gabinete da ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, até 31 de Agosto 1340 cuidadores apresentaram requerimento. Os municípios-piloto concentram 415 desses pedidos. Nesses, 74 tinham sido deferidos. De acordo com a mesma fonte, “todos os cuidadores informais dispõem já de profissional de referência da Segurança Social”. Os distritos do Porto, Lisboa e Braga registaram o maior número de requerimentos, refere o ministério. “À medida que os requerimentos vão sendo deferidos, estes profissionais vão estabelecendo contacto com os cuidadores para, em conjunto com estes, e com o profissional da saúde de referência e, sempre que possível, com a(s) pessoa(s) cuidada(s), procederem ao diagnóstico da sua situação e estabelecerem as medidas de apoio mais adequadas para cada caso.”

Para além do cartão provisório e da primeira prestação, Cristina Capela nada viu. “Ainda ninguém entrou em contacto comigo.” Experiência semelhante tem Natália Formiga, residente em Mértola, outro concelho-piloto. Aos 71 anos, Natália cuida do marido, a quem um acidente vascular cerebral deixou com uma incapacidade de 80%. Recebeu o cartão de cuidadora. Já sabia que não tinha direito a subsídio, mas tinha expectativa de beneficiar de outras medidas. “Estou farta de ligar para a Segurança Social. Tanto a médica de família, como o assistente social, todos sabem que estou aqui e que o meu marido tem problemas. Para que fui preencher os papéis? Não vão para o gabinete de apoio? Ou sou eu que tenho de andar à procura? Onde vou me dirigir?”

Não são as únicas. “Uma das nossas questões é o que está a acontecer com os projectos-piloto”, revela a vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, Maria dos Anjos Catapirra. “Dá a ideia que os projectos-piloto não avançaram. Esta pandemia veio atrasar tudo. A única coisa que as pessoas estão a receber é cartões [provisórios]. Algumas estão a receber subsídio.”

Nas declarações públicas que vai prestando, Maria dos Anjos Catapirra apela aos cuidadores que solicitem o estatuto, mesmo que não tenham direito a subsídio. De uma maneira ou outra, todas as medidas previstas podem ajudar a aliviar o fardo de cada um. E Cristina concorda. “Temos uma expectativa. Quando as coisas acontecem... começamos a viver um luto. O apoio psicológico é importante.”

Olhando para trás, Cristina Capela vê que deixou o mercado de trabalho, descuidou a relação com o marido, deixou de ter tempo para si própria para cuidar do filho mais novo. “Há dia e dias que não vejo a rua.” O seu descanso anual é “um dia ou dois no parque de campismo”, na certeza de que a mãe vai telefonar e que ela vai ter de sair a correr para acudir ao filho, que tem uma insuficiência respiratória grave.

Está a voltar à tona. Este subsídio não tem o estigma do rendimento social de inserção, é o reconhecimento pelo trabalho feito. E o filho também vai começar a receber 137 euros de prestação para a inclusão social, porventura com uma majoração de 47 euros destinada a compensar encargos resultantes da deficiência, como fraldas e cremes. Mas o futuro não está garantido. E não o afirma para inspirar pena. Afirma-o para sustentar que “há muito trabalho a fazer”. A associação reivindica uma carreira contributiva, à medida do salário mínimo, com retroactivos, para quem deixou o mercado de trabalho para cuidar de familiares a tempo inteiro. E essa é a sua “principal preocupação” e a de muitos como ela. “Amanhã, vamos ficar com uma pensão de sobrevivência que não vai dar para nada.”

Para já, o que ficou consagrado na lei foi a possibilidade de pagar um seguro social voluntário a partir do momento em que o estatuto de cuidador é reconhecido. Cristina Capela ainda não sabe como pedir a majoração para pagar isso. E Maria dos Anjos não lhe sabe explicar. “Estou farta de olhar para os formulários e não vejo”, confessa esta última. “O que a associação está a fazer é tentar organizar um webinar com alguém responsável da Segurança Social para esclarecer esta e outras dúvidas que têm surgido.”