11.9.20

Espaço de um metro entre alunos nas salas? “Não vão ser respeitados. Não vão, não”

João Carlos Malta , Joana Bourgard, in RR

O presidente de um dos maiores agrupamentos de escolas do país, na Amadora, com 3.100 alunos, garante à Renascença que dentro das salas de aula não vai ser possível cumprir o distanciamento social. O responsável preferia turmas divididas entre casa e o ensino presencial para retirar pressão às escolas. Nesta reportagem, a Renascença revela as principais dificuldades em cumprir as regras de combate à Covid-19 nas escolas, a poucos dias do regresso às aulas

A DGS e o ministro da Educação têm apontado o mínimo de um metro, quando possível, entre alunos e entre estes e os docentes. Mas num dos maiores agrupamentos de escolas do país, o Agrupamento Pioneiros da Aviação Portuguesa, que em cinco escolas da Amadora contabiliza 3.100 alunos, dá-se como certo que as salas de aulas e o tamanho das turmas não permitem cumprir nenhum desses limites.

“Os dois metros não vão ser respeitados de todo. Não vão, não”, garante o presidente daquele agrupamento escolar, Francisco Marques, a poucos dias do regresso às aulas presenciais.

O professor de 60 anos está sentado num dos bancos do recreio da escola 2/3 Roque Gameiro, na Amadora, uma das primeiras a fechar portas após a chegada da pandemia a Portugal − após uma professora regressar de Itália com sintomas de Covid-19 e dar origem a um surto naquele estabelecimento de ensino, a 9 de março.

O responsável é taxativo na ideia de que a regra choca de frente com a realidade. As salas daquela escola têm em média 40 metros quadrados e as turmas têm entre 26 e 28 alunos. A matemática não engana. “Vão ver as nossas salas, há escolas no país como as nossas. Vamos ter a distância que for possível.”


“Totalmente impossível”

Numa visita guiada à escola, o diretor da Roque Gameiro, Mário Patrício, mostra à Renascença as salas, onde é notório que não há espaço suficiente para sentar mais de duas dezenas de estudantes sem que estejam lado a lado, e manifestamente mais próximos uns dos outros do que um metro.

Em contagem decrescente para o regresso às aulas, (...)

“É totalmente impossível. É como vê, nós tentamos jogar com o espaço, mas…”, assume o diretor da escola com 600 alunos, com entre seis e 14 anos de idade, enquanto aponta para as cadeiras e mesas retiradas das salas e empilhadas nos corredores para criar mais espaço entre alunos.

Para além desta e de outras alterações, como mexer nos horários, Mário Patrício teve “de perceber quais as turmas maiores e encaixá-las nas salas de maior dimensão”, explica, reforçando que este ano só em casos muito excecionais se poderá mudar de parceiro de carteira.

O início do ano escolar tem sido muito debatido no espaço público com o Governo debaixo do fogo da oposição, como o PSD e o CDS, e das estruturas sindicais, que em conjunto têm disparado fortes críticas à forma como o Ministério da Educação tem gerido a retomada das aulas presenciais.

O objetivo é evitar situações como as que já começaram a acontecer noutros países europeus, como França, em que desde a reabertura das escolas, pelo menos 28 já tiveram de ser encerradas.
Ir à casa de banho poderá ser problemático

O líder do agrupamento de escolas Pioneiros da Aviação Portuguesa explica que quando começou a pensar o ano escolar 2020/21 o imaginou num regime em que metade dos alunos estariam em casa e a outra metade nas escolas, com rotações semanais. Isso retiraria pressão ao espaço escolar, defende.

“Se nos têm dado a possibilidade de um regime misto, poderia fazer o desdobramento das turmas, e o agrupamento apetrechou-se nesse sentido. Comprámos 120 webcams para ter em cada sala do agrupamento uma câmara”, explica Francisco Marques.

A utilização das casas de banho é outro problema prático numa escola com as caraterísticas da Roque Gameiro, dado que cada bloco tem apenas um WC masculino e um WC feminino. “Os professores terão de ser mais condescendentes e deixar que alguns alunos saiam a meio da aula para que nos intervalos não haja aglomerações”, diz o professor Mário Patrício.

De volta ao presidente do agrupamento, a questão do distanciamento preocupa Francisco Marques também fora da sala de aula. Neste aspeto, considera que é nas duas escolas primárias do agrupamento que o problema poderá ser maior.

“Quer se queria quer não, os mais pequenos são mais difíceis. Os do secundário quando voltaram em maio cumpriram, os mais pequenos gostam mais do contacto uns dos outros. Vai ser muito difícil evitar os beijinhos e abraços. Tem de haver um trabalho por parte dos encarregados de educação”, alerta.
Liberdade de circulação, mas sem toque

E os professores? Como é que se vão comportar na sala de aula? “Não vou dar indicação se o professor pode ou não circular, não pode é tocar nos objetos dos alunos nem nos alunos. Há professores que, por iniciativa deles, estão sentados uma hora à secretária, há outros que gostam de circular pela sala. Isso fica ao critério de cada docente”, explica o líder daquele agrupamento de escolas da Amadora.

Ali, na EB 2/3 Roque Gameiro, inaugurada em 1976, tentar-se-á diminuir ao máximo os cruzamentos entre turmas e anos de ensino, de forma a evitar maiores riscos de contágio. Haverá linhas no chão a indicar percursos para os vários blocos. As turmas terão apenas uma sala que será higienizada quando há mudança do turno da manhã para a tarde. Há também espaços demarcados no chão destinados a cada turma nos intervalos.

Isto está tudo no papel e quase tudo no terreno, mas a realidade, assume o diretor Mário Patrício, é dinâmica e traz desafios e problemas que muitas vezes não se controlam.

No caso desta escola, há 20 assistentes operacionais que não só ajudarão a fiscalizar as rotas dos alunos no estabelecimento, como também serão responsáveis pela limpeza das salas sempre que um professor sai e outro entra.

“Serão quem vai ser mais penalizado pelo aumento de trabalho”, assume o diretor, que apesar de acreditar que 90% dos alunos vai cumprir as regras, lembra: “Há sempre 10% que não, e aí…”

NÚMERO DE CASOS DIÁRIOS DE COVID 19

Para além disso, quando chegar o inverno e o tempo de chuva, será difícil manter todos os jovens no espaço à frente da sala em que têm aulas, sem que tenham a tendência de se refugiar debaixo de um dos telheiros da escola. “É possível que aí se venham a juntar grupos de 40 a 50”, alerta Mário Patrício.
Os ATL furam bolhas

A falta de assistentes operacionais é uma realidade que já se notava antes da pandemia e que a Covid-19 e as recentes necessidades fizeram crescer. O diretor da Escola Roque Gameiro diz que já com o quadro de 20 funcionários é complicado fazer tudo o que as novas regras exigem, sem esquecer que, tal como os professores, estes profissionais também têm faltam. E aí será ainda mais complicado.

As faltas dos docentes serão este ano colmatadas, naquele agrupamento, por uma bolsa de professores criada para o efeito, com o objetivo de impedir que os alunos tenham “furos” no meio do tempo letivo.

A criação de dois turnos nas escolas do agrupamento, o da manhã e o da tarde, confere a possibilidade de criar bolhas para que, em caso de contágio, não seja necessário fechar toda a escola. O problema é que, quando se mexe na parte de um sistema sem se acautelar outras, há sempre um desajuste. E um deles é o ATL, atendendo a que muitas famílias não têm possibilidade de ter as crianças e jovens em casa quando não estão na escola.

“As pessoas não conhecem bem as dinâmicas das escolas ou o que se passa nelas. Os ATL recebem alunos de diversas turmas, ora se isso acontecer não garante as bolhas” de proteção contra a Covid-19, critica Francisco Marques.

No caso da Roque Gameiro, nome que a escola vai buscar ao famoso pintor nascido no séc. XIX que se notabilizou no uso das aguarelas, são a Santa Casa da Misericórdia da Amadora e a Sociedade Filarmónica e Recreios da Amadora que garantem o número de técnicos. A escola apenas disponibiliza as instalações.

E a uma semana do arranque do ano letivo, ainda não estão definidos os procedimentos para as atividades de ATL.

De resto, a escola prepara-se o melhor que pode. A necessidade de não criar aglomerações em frente aos portões na altura de largar e pegar os filhos levou a que, nas três escolas primárias do agrupamento, se criassem horários desfasados entre as 8h30 e as 9h00.

No caso do 2/3 ciclo e no secundário, as escolas abrem às 8h00 e fecham às 19h00, em dois turnos – mais uma hora do que o que era normal. Na Roque Gameiro, o diretor Mário Patrício diz que para os alunos do 7.º ao 9.º está a ser criada uma outra entrada na escola, para evitar os “engarrafamentos matinais”. Assim, os estudantes serão distribuídos por duas portas.
Medir a temperatura tem dificuldades técnicas

Uma possibilidade que está ainda em cima da mesa é o do controlo da temperatura dos alunos.

Francisco Marques reconhece que a decisão não está fechada, porque os pais terão de ser auscultados. Mas consegue antever problemas logísticos que a medida poderá criar. É difícil que os dois funcionários da entrada consigam dar vazão ao fluxo de alunos no início da manhã e no início da tarde sem que se juntem grupos grandes de alunos.

Com os encarregados de educação das três escolas primárias que gere tentará também aferir a sensibilidade de uso da máscara dos alunos com idades entre os seis e os nove anos.

Numa escola em que se serviam 250 a 300 almoços diários, a criação de turnos pode aliviar alguma pressão sobre o refeitório. Ainda assim, quiseram alargar o horário de funcionamento deste espaço, e esperam que o Ministério da Educação dê “luz verde” para as refeições em “take-away”. A biblioteca também só terá lugar para 12 pessoas em simultâneo.

“Juntam-se por vezes quatro turmas, 40 alunos, nos balneários, que são pequenos”, ilustra Mário Patrício, adiantando que este ano não será permitido o aluguer de bolas para os intervalos devido à pandemia de Covid-19.

Francisco Marques elogia a DGS pelo documento com orientações para as escolas, que compila agora de forma sintética e inteligível a informação sobre o novo ano letivo em pandemia, mas não deixa de soltar algumas críticas face ao que diz ser um desfasamento da realidade – sobretudo quando se exige que a sala de contingência tenha uma casa de banho. No agrupamento que dirige há escolas em que isso é possível e outras em que não acontecerá.

Certo é que as escolas só vão fechar em situações de elevado risco e com o aval das autoridades de saúde locais, como defende a DGS no guia.

Há vários anos em posição de direção, Francisco Marques faz uma pausa quando lhe é pedido que descreva o processo de preparação deste ano letivo. “Nem sei o que lhe diga…”, acaba por soltar. Depois remata: “Obriga a um maior esforço de comunicação por não haver comunicação presencial. Isso perdeu-se na relação entre as pessoas.”