Governo manifestou disponibilidade em acolher refugiados que perderam alojamento no Campo de Moria esta semana. Dos campos da Grécia vieram muitas pessoas desde 2016 mas que agora estão a deixar Portugal alegando falta de condições. No total, chegaram a Portugal mais de 2000 refugiados e associação diz que saíram 13 famílias em Agosto.
Entre os refugiados acolhidos por Portugal desde a crise migratória de há quatro anos, há famílias ou pessoas sozinhas a deixar o país quando termina o programa de acolhimento e são obrigadas a sair das casas onde foram instaladas.
As entidades acolhedoras admitem dificuldades na transição para uma vida autónoma, mas negam que essa transição seja abrupta ou que as famílias estejam a ser forçadas a sair de casa sem terem para onde ir.
Equiparam o programa de acolhimento a um contrato. E como qualquer contrato, a sua responsabilidade termina quando termina o prazo. Em regras são 18 meses, embora na rede de associações acolhedoras da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) o programa tenha sido de 24 meses para melhorar as hipóteses de autonomização.
As associações de refugiados concordam que a questão central são os 18 meses, mas não pelos mesmos argumentos. Dizem que os refugiados foram acompanhados mas só nos últimos meses antes de saírem da casa quando foi necessário solicitar os apoios da Segurança Social. Faltou serem capacitados, por falta de estratégia e planeamento de algumas entidades acolhedoras, consideram.
“A questão principal aqui são os 18 meses. O importante é questionar: o que se está a fazer? Tem de haver um programa de capacitação desde o início. E não há”, diz Alexander Kpatue Kweh, coordenador do Fórum Refúgio que junta várias associações.
Ele próprio saiu da Libéria quando tinha dez anos, viveu como refugiado nos campos de Marrocos e chegou a Portugal no primeiro grupo de 12 refugiados acolhidos no quadro do programa de reinstalação da ONU em 2006. Hoje tem 40 anos, é cidadão português e quer ajudar a facilitar a integração de outras pessoas como uma forma de retribuir a oportunidade que lhe foi dada no passado.
Conta o caso de uma família síria que vivia em Setúbal, num apartamento do Conselho Português para os Refugiados (CPR), do qual teve que sair sem ter para onde ir. A alternativa que lhes foi sugerida pela organização foi uma habitação em Bragança. Já estavam integrados em Setúbal, os filhos frequentavam a escola, descreve. “Do agrupamento escolar onde as crianças foram integradas foi-lhes dito que não poderiam voltar a ser matriculadas para o novo ano lectivo sem o CPR se pronunciar. Quando se dirigiram ao CPR, disseram-lhes para falarem com a escola.”
Negociar com senhorios
O CPR explica que “a questão central e emergente prende-se com o facto dos proprietários da habitação onde residem actualmente terem denunciado o contrato de arrendamento assinado com o CPR”.
Nas respostas enviadas ao PÚBLICO, diz que “as razões que [os proprietários] alegam são meramente (...) familiares, pelo que esta informação foi transmitida à família síria, assim que o CPR teve conhecimento”. E garante que o seu processo de integração foi apoiado, “inclusive, [o processo] de transição para o enquadramento do Rendimento Social de Inserção”, após o fim do seu programa no dia 17 de Agosto.
“Os nossos técnicos estão também em contacto com entidades locais, com vista ao apoio na procura de habitação alternativa. O Instituto da Segurança Social de Setúbal está informado da situação da família, tendo já realizado atendimento social”, diz ainda o CPR. Contudo, a família deixou Portugal a 5 de Setembro. “Ligaram-nos a dizer que estavam na Alemanha. Muitos fazem isso. Avisam-nos quando já não estão em Portugal”, explica Alexander Kweh.
Nas mesmas respostas, o CPR diz desconhecer casos em que pessoas terão sido obrigadas a sair das casas e faz questão de mencionar a sua preocupação face “ao impacto da pandemia na vida presente e futura dos refugiados reinstalados em Portugal, não apenas na oferta formativa, mas também na habitação, saúde, transporte e oportunidades de emprego”, tendo todas estas vertentes “uma influência directa na auto-suficiência das famílias refugiadas”.
Mais coordenação e apoios
“No actual contexto, torna-se ainda mais difícil (...) ficarem autónomas no final dos 18 meses de programa”, reconhece. “Assim, o CPR considera importante que em conjunto com o Governo, Instituto de Segurança Social, Instituto de Emprego e Formação Profissional, Ministério da Educação e entidades da sociedade civil, sejam encontradas alternativas e soluções com vista ao apoio aos refugiados reinstalados” após o fim do programa.
“A verdade é que estão várias famílias a viver na mesma casa para assim poderem partilhar a renda e permanecer nos locais onde foram acolhidas quando chegaram a Portugal”, diz Alexander. Outros decidiram sair para outros países depois de terminado o programa em que beneficiaram de renda e despesas de electricidade, água e gás pagas e de um subsídio de 150 euros por mês por pessoa.
Não serão autorizados a pedir asilo noutro país (de acordo com a Convenção de Dublin). Por isso, Alexander Kweh não sabe o que acontecerá às 13 famílias que partiram em Agosto, segundo o seu conhecimento, sobretudo aquelas que não têm, nesses países, familiares ou redes de apoio. Não há um registo de quem sai depois de terminado o programa.
“As entidades de acolhimento não têm a responsabilidade (nem a capacidade financeira) de assegurar o pagamento das rendas das casas e serviços relacionados após os 18 meses. Essa responsabilidade passa a ser dos refugiados quando há autonomia financeira ou mediante recurso a outros apoios estatais para o efeito”, explica Joana Rodrigues, coordenadora da Acção Social da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), entidade acolhedora – como também o são a Câmara Municipal de Lisboa (CML), a PAR, o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS, na sigla inglesa) e o CPR.
André Costa Jorge, director do JRS e coordenador da PAR diz o mesmo: “Segundo o protocolo de acolhimento está previsto que todas as famílias saiam. Está previsto que a instituição providencie casa para os 18 ou 24 meses e garanta esse acolhimento inicial. Depois essa responsabilidade, caso a família não se autonomize, passa para o Estado, para os seus organismos competentes.”
Os apoios previstos são da Segurança Social – o Rendimento Social de Inserção e Abono de Família – ou da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) se forem situações no concelho de Lisboa.
Apresentar projectos
Nas respostas enviadas, o JRS, a PAR e a CML apontam o que mais poderia estar a ser feito pelo Governo central: investir na recuperação de casas para melhorar a oferta no sector da habitação. “Uma das soluções para dar resposta habitacional específica a esta população é orientar o Fundo para o Asilo, a Migração e Integração (FAMI) nesse sentido. A possibilidade de reabilitação de apartamentos, construção ou arrendamento com este fundo europeu seria uma mais-valia para a resposta portuguesa”, informa o gabinete do vereador do Bloco de Esquerda para a Educação e Direitos Sociais, Manuel Grilo.
Os fundos do FAMI são atribuídos ao Governo, municípios ou organizações da sociedade civil mediante a apresentação de projectos. “Sem projectos Portugal não recebe. Falta essa iniciativa”, diz Alexander Kweh.
Algumas organizações reconhecem barreiras na integração que só existem porque são refugiados. “Nas dificuldades mais comuns, além dos valores das rendas, está o preconceito ainda presente, havendo casos de senhorios que exigem vários meses de rendas adiantados ou que, sabendo que a família está a ser apoiada pela SCML e não tem meios de subsistência, negam arrendar”, salienta o gabinete de Manuel Grilo.
Também o facto de os refugiados não terem fiador dificulta o processo, admite Joana Rodrigues da CVP. “Os senhorios não aceitam.”
Assim, “a lacuna de políticas de habitação afecta refugiados, estrangeiros em geral e portugueses mas no caso dos refugiados o problema ganha uma dimensão e natureza especialmente preocupantes”, resume André Costa Jorge.
“Como estes não têm uma rede informal de família e amigos, a vulnerabilidade é mais grave ainda. Adicionalmente, a dificuldade de acesso ao mercado de habitação, mesmo quando têm capacidade financeira, é agravada pela discriminação dos senhorios, cuja maioria esmagadora prefere arrendar a portugueses, recusando cidadãos estrangeiros”, expõe.
Elogios internacionais
Porque Portugal acolheu um grande número de refugiados (mais de 2000) – desde o encaminhamento que tinha de ser feito dos campos da Grécia e da Itália –, porque continua a manifestar disponibilidade e isso lhe vale grandes elogios no contexto internacional, não deveria o Estado português garantir que estas pessoas não abandonam Portugal?
O gabinete da secretária de Estado para a Integração e as Migrações, Cláudia Pereira, não respondeu directamente a esta e outras perguntas como a de saber o que fazer para evitar dificuldades na transição do programa de recolocação ou de reinstalação para uma vida independente. Expõe o que está a ser cumprido no acompanhamento destas pessoas – e que no entender das associações de refugiados não corresponde às reais necessidades de cada um.
“Entre o que é feito no decurso dos 18 meses iniciais, explica o gabinete da governante, está o acompanhamento de proximidade no terreno por parte do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), junto de todas as entidades de acolhimento”, esclareceu no sábado. Para garantir que a tarefa é realizada de “forma mais intensiva” e “facilitar o acesso a todos os recursos de âmbito nacional e regional, sempre que as respostas de âmbito municipal não se revelarem suficientes, o Núcleo de Apoio à Integração de Refugiados do ACM foi descentralizado”.
Atendimento personalizado
“Findos os primeiros 12 meses de permanência em Portugal, ou seja, seis meses antes do término dos referidos programas de apoio, o ACM promove, ainda, o acompanhamento e monitorização dos agregados familiares e pessoas singulares através do seu Gabinete de Apoio Social e Integração, notificando as pessoas refugiadas e as respectivas entidades de acolhimento, para o atendimento personalizado que permita compreender todas as necessidades em função das respectivas dimensões de integração”, acrescenta.
O gabinete de Cláudia Pereira remete as perguntas sobre as saídas de refugiados de Portugal para o Ministério da Administração Interna (MAI) que, na véspera, garantira ao PÚBLICO que todas as questões deveriam ser dirigidas ao gabinete da ministra de Estado e da Presidência de que faz parte a Secretaria de Estado para a Integração e as Migrações.
Nestas respostas, da mesma forma como o MAI já tinha feito esta semana, o gabinete de Cláudia Pereira reforça que Portugal voltou a manifestar disponibilidade para acolher refugiados depois de um incêndio na ilha grega de Lesbos destruir o imenso Campo de Moria que albergava 13 mil requerentes de asilo.