20.9.20

Encaixe com IRS aumenta em plena pandemia. Desemprego nos salários baixos não afeta receita

Tiago Varzim, in EcoOnline

A destruição do emprego nos salários mais baixos, que pagam pouco de IRS, explica o porquê da receita não descer. Já o fim do lay-off e o aumento dos salários face a 2019 justificam a subida.

A revelação foi feita pelo ministro das Finanças como um sinal positivo para a economia portuguesa: a receita de IRS, o imposto sobre o rendimento, está a crescer face ao ano passado, em vez de cair como poderia ser expectável por causa da crise pandémica. Há explicação? Sim: por um lado, o facto de a destruição de emprego ter afetado principalmente os trabalhadores com salários baixos, que não pagam IRS (ou pagam pouco); por outro, o facto de os salários terem aumentado face a 2019 e o fim do lay-off.

“O IRS de agosto, depois de quedas muito acentuadas desde abril, teve pela primeira vez um aumento face ao ano anterior“, disse João Leão na sua primeira entrevista desde que é ministro, na RTP3, referindo que o aumento é de 7%, mas “corrigindo de efeitos extraordinários que não são comparáveis” passa a ser de 1%. Nessa altura, o ministro das Finanças explicou que tal se devia, em parte, ao fim do lay-off simplificado, dada a retoma da atividade das empresas.

Os dados até agosto ainda não estão disponíveis, uma vez que só serão publicados no final do mês pela Direção-Geral de Orçamental (DGO), mas é possível ver os dados até julho. Estes mostravam uma queda de apenas 0,4% no período de janeiro a julho, em comparação com o mesmo período do ano passado, o que já demonstrava um forte desempenho deste imposto face ao que seria de esperar por causa do impacto da pandemia no mercado de trabalho.

“Nota ainda para o IRS, cuja execução se encontra relativamente em linha com o período homólogo, registando-se uma variação negativa de 22,9 milhões de euros ou -0,4%, que deverá ser compensada pelas adesões aos planos prestacionais registadas no segundo trimestre, que permitiu o diferimento de mais de 106 milhões de euros de receita de IRS a serem pagos entre agosto e novembro de 2020“, explicava a DGO no boletim de execução orçamental relativo a julho.

Apesar de ser surpreendente à primeira vista, o Orçamento Suplementar já previa esta evolução: “No que diz respeito ao IRS, é esperada uma evolução marginal do valor da receita, decorrente da combinação da execução orçamental dos primeiros meses de 2020 e da evolução prevista para o mercado de trabalho e remunerações“. Em números: o Estado arrecadou 13.172,4 milhões de euros em 2019 com o IRS, tendo previsto um aumento para os 13.585,6 milhões de euros no OE 2020. Com o Suplementar, a previsão baixou, mas continuou acima do executado em 2019 (13.199,4 milhões de euros).

O que explica esta evolução tendo em conta que as taxas de IRS não mudaram? Ao ECO, Luís Leon, fiscalista da Deloitte, chama à atenção para o tipo de emprego que foi destruído: “Olhando para a história portuguesa, tipicamente o desemprego afeta as atividades menos qualificadas e com salário mais baixos”, os quais não pagam IRS — o mínimo de existência foi fixado nos nos 9.215 euros anuais (14 meses), ou seja, nos 658,2 euros por mês, acima do salário mínimo de 635 euros (que é auferido por cerca de 20% dos trabalhadores).

Os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam esta leitura para a crise pandémica. De acordo com os dados do mercado de trabalho no segundo trimestre, foi na faixa salarial dos 600 aos 900 euros (brutos) que mais emprego foi destruído face ao primeiro trimestre deste ano (86,2 mil dos 116 mil empregos destruído entre março e junho). Não é possível desagregar ainda mais para saber se a maior fatia terá sido nos 600 a 700 euros, mas também se sabe que o setor com maior perda de postos de trabalho foi o do turismo (alojamento e restauração), no qual o salário médio anda próximo do salário mínimo.

“Como estes trabalhadores com baixos salários não pagam imposto, normalmente não tem impacto na receita do IRS“, esclarece Leon, referindo que o impacto é mais sentido na receita da Segurança Social, a qual é paga também pelos trabalhadores com o salário mínimo, e recordando que o mesmo aconteceu no início da crise anterior quando a receita de IRS subiu apesar do aumento do desemprego.
Que outros fatores estão a afetar o IRS?

O facto da destruição de postos de trabalho ter sido essencialmente nos salários mais baixos deverá explicar em grande parte o porquê de a receitar não estar a cair. Mas o que há mais fatores a mexer com a receita do IRS e, neste caso, a aumentá-la, começando pelo lay-off simplificado, tal como referiu o ministro.

Durante os primeiros meses da pandemia, os trabalhadores que estiveram em lay-off viram o seu salário baixar, o que significa que o valor de retenção na fonte de IRS também baixou. No entanto, com o fim deste mecanismo, uma vez que estes trabalhadores não podem ser despedidos durante a vigência das medidas, nem nos 60 dias seguintes, estes voltaram a pagar o IRS relativo ao seu salário “normal”, o qual poderá ter aumentado em 2020 face a 2019.

Isso leva-nos a outro fator que influencia a evolução do IRS: a trajetória dos salários. O ano de 2020 era visto por muitos, inclusive pelo Governo, como um ano em que os ordenados iriam subir de forma significativa e os dados do primeiro trimestre confirmam essa expectativa: de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), os salários aumentaram 3,2%, em termos homólogos, no início deste ano, o que terá contribuído para encaixar mais IRS. No segundo trimestre, o aumento travou para 1,6%.

Como o IRS é progressivo, calculado em função do rendimento, quanto maior for o salário, maior será o IRS entregue ao Estado. Um sinal de que este efeito poderá estar a verificar-se é que até março, antes do impacto da crise pandémica, a receita de IRS estava a crescer 3,2% face a 2019, segundo os dados da DGO.

Por fim, também por causa da pandemia, o Estado permitiu adiar o pagamento de vários impostos, incluindo o IRS. Neste caso, conhece-se um número: foram 106 milhões de euros de receita de IRS que não foram pagos, mas que começaram a ser reembolsados em agosto.