3.9.20

Seis jovens portugueses processam 33 países por causa das alterações climáticas

Patricia Carvalho, in Publico on-line

Têm entre 8 e 21 anos e são das regiões de Leiria e Lisboa. Os incêndios de 2017 foram a pedra de toque e a associação internacional não-lucrativa Global Legal Action Network assumiu a preparação do processo que deverá dar entrada esta quinta-feira, 3 de Setembro, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Seis crianças e jovens portugueses, com idades entre os 8 e os 21 anos, são os autores de uma acção que dará entrada esta quinta-feira, 3 de Setembro, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo (França), contra 33 estados, por causa das alterações climáticas. O processo, conduzido pela Global Legal Action Network (GLAN), parte do princípio que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos obriga os estados a tomarem acções concretas para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) e cumprirem aquilo a que se comprometeram quando assinaram o Acordo de Paris, assegurando assim um ambiente seguro para os seus cidadãos. Os jovens dizem querer garantir que eles e os que ainda não nasceram poderão continuar a usufruir do planeta, sem medos.

No centro de tudo está Rita Mota. Em 2017 estava em Londres, a trabalhar na tese de doutoramento em Direito, sobre direitos humanos e investimento internacional, e começara a colaborar com a GLAN, como investigadora jurídica, quando aconteceram os incêndios devastadores de Junho (Pedrógão Grande) e Outubro (em toda a região centro). Sendo da zona de Leiria e andando a ouvir, há algum tempo, os responsáveis da organização sem fins lucrativos (que trabalha com casos envolvendo violações dos direitos humanos em todo o mundo), a falar do trabalho que andavam a preparar ao nível das alterações climáticas, partilhou o tema com familiares e amigos quando veio de férias a Portugal. “Tive a oportunidade de falar sobre as minhas preocupações com as alterações climáticas, sobre a relação da gravidade destes incêndios com essas alterações, e também as ideias que se estavam a gerar na GLAN sobre possíveis formas de usar a lei para conseguir alguma mudança, para um combate mais eficaz”, conta, numa videochamada, a partir de Inglaterra, onde ainda vive.
A ouvi-la estavam pessoas atentas, assustadas, com muita vontade de fazer alguma coisa. A ideia de processar 33 países — incluindo Portugal, no âmbito de todos os membros da União Europeia, o Reino Unido, a Suíça, a Noruega, a Rússia, a Turquia e a Ucrânia — ganhou forma, com vários envolvidos. Avançou-se com uma operação de crowdfunding para ajudar a construir o processo e chegou-se a 2020 com tudo pronto e os seis autores da acção definidos. Quatro de Meirinhas, em Leiria, e dois da zona de Almada, na Grande Lisboa.

Sofia, de 15 anos, e André Oliveira, de 12, são irmãos e vivem perto de Almada. Tiveram conhecimento da ideia através do pai, Nuno Oliveira, amigo de longa data de Rita Mota e responsável por uma start up ligada a soluções de base natural. Lá em casa, a preocupação com o mundo e a sua evolução não é nova. “Desde pequeninos que eu e o meu irmão temos a noção do que se está a passar com o nosso planeta e com as alterações climáticas. Os nossos pais são daqueles que nos põem a ver documentários para percebermos o que está a acontecer”, diz Sofia Oliveira. O resultado é que o “ídolo” dos dois irmãos, como conta a jovem, é “David Attenborough” — porque os seus programas mostram o que está mal no mundo, mas também deixam a esperança de que ainda é possível fazer alguma coisa. “Isso dá-nos motivação e é disso que nós precisamos: não ver tudo pela negativa, começar a ver pela positiva, porque é isso que incentiva o ser humano a avançar”, diz ela.


Ao lado, na videochamada em que ambos participam, sob o olhar e ouvido atentos dos pais, o irmão André explica o que mais o preocupa nos tempos que correm: “É pensar que as gerações futuras, daqui a 10, 20, 50 anos, poderão não ter o direito aos mesmos modos de vida a que nós tivemos. Isso é o que me preocupa mais.”

A partir de Leiria, Catarina Mota, de 20 anos, e Cláudia Agostinho, de 21, são dois dos outros rostos desta acção. Os restantes são irmãos de Cláudia, Martim, de 17 anos, e Mariana Agostinho, de apenas 8. Os Agostinho são primos de Rita Mota, Catarina é vizinha da família.

FotoMariana, Cláudia e Martim Agostinho, junto à vizinha e amiga Catarina Mota DR

As duas jovens contam como os incêndios que devastaram a região, em 2017, foram o sinal final de alerta que as motivou a agir. “Na escola sempre tivemos muitas disciplinas que abordavam as alterações climáticas e o tema sempre me assustou. Depois, tendo vivido de perto os incêndios de 2017, fiquei com muito medo e queria fazer o melhor que conseguisse para que algo assim não se voltasse a repetir. A Cláudia falou-me do que a GLAN queria fazer e achei que seria um bom contributo, ajudando-os a eles e eles a mim, no combate às alterações climáticas”, diz.

Ao seu lado, Catarina Agostinho vai concordando. “Sempre fomos sensibilizados para o facto de o fenómeno das alterações climáticas ser tão importante e assustador, mas acho que só em 2017 é que tomei a real consciência de que está a acontecer agora e que é preciso agir rapidamente. E vi nesta acção uma oportunidade de lutar”, explica.

Os advogados da GLAN, que construíram o processo, argumentam que ao não porem em prática as medidas necessárias para reduzir as emissões de GEE e cumprir os objectivos do Acordo de Paris, os 33 estados processados estão também a pôr em causa os direitos humanos dos seus cidadãos e, em concreto, dos seis jovens portugueses. Lembrando que Portugal teve, este ano, o Julho mais quente dos últimos 90 anos, e a onda de calor de 2018, que levou a que se registasse em Lisboa a temperatura recorde de 44 graus Celsius, a GLAN está ainda munida de um parecer da Climate Analytics. Esta, recorrendo às projecções científicas já conhecidas sobre os impactos das alterações climáticas no Mediterrâneo, e, em concreto, em Portugal, classifica esta zona como um “hotspot climático”, que, se nada for feito, está sujeito a um aumento de temperatura que, no pior dos cenários, pode chegar aos 8º Celsius em algumas regiões; ondas de calor mais prolongadas; seca e períodos de chuva intensos em partes do país, com as cheias consequentes; subida do nível do mar; e as consequências para a economia e a saúde dos portugueses perante estes factos.

O que os jovens e os seus advogados pretendem é que o tribunal tome uma decisão que obrigue Portugal e os restantes países processados a agirem de forma urgente para travar a crise climática.

Numa exposição escrita enviada ao P3, Gerry Liston, da GLAN, explica que o objectivo do processo é conseguir uma decisão judicial que “obrigue os governos europeus a combater as alterações climáticas de duas formas: primeiro, fazendo cortes profundos e urgentes nas emissões de GEE dentro das suas fronteiras e, em segundo, assumindo a responsabilidade pela forma como contribuem para as emissões no estrangeiro, através dos combustíveis fósseis que exportam, da importação de bens cuja produção envolve a queima desses combustíveis ou permitindo que companhias com sede nos seus países contribuam para a queima de combustíveis fósseis noutros locais, além-fronteiras”.

“O caso é muito complexo e extremamente inovador e aí também está a beleza desta acção. É inovadora do ponto de vista da dimensão, mas é extremamente inovadora do ponto de vista da técnica jurídica também”, diz uma entusiasmada Rita Mota.

Entusiasmados estão também Sofia e André Oliveira. Ele diz que, tendo asma, já sente na pele o aumento da temperatura, e a forma como se torna mais difícil respirar nos dias piores, o que é mais um incentivo para exigir mudanças rápidas. Ela mal pode esperar por começar o 10.º ano na área de Ciências Naturais, que (espera) a há-de preparar para um futuro ligado à “química verde” — área que descobriu recentemente, muito graças à mãe, Susana Santos, que trabalha numa empresa de biotecnologia dedicada a descobrir novos materiais a partir das matérias-primas que a natureza tem para oferecer.

Catarina e Cláudia continuam a reciclar, a tentar usar menos plástico, a utilizar os transportes públicos e, quando tal se proporciona, a participar em acções de limpeza dos espaços naturais, mas a acção judicial que agora chega ao tribunal é o passo extra de que, dizem, estavam a precisar. “Não estamos ligadas a qualquer organização. O que fazemos são acções individuais que cada um pode fazer, mas acho que chegamos a um ponto em que isso já não é suficiente. As acções individuais têm extrema importância, mas neste momento é necessário agir a nível dos governos”, diz Cláudia Agostinho.

Depois de três anos à espera que o caso ficasse pronto para entrar no tribunal, os jovens preparam-se agora para uma nova espera, até haver uma decisão. Mas sem cruzar os braços. André Oliveira diz que sonha com um futuro na área das engenharias, para “ajudar a desenvolver coisas úteis”. Quando “era miúdo” e começou a tomar mais consciência dos problemas causados pelas alterações climáticas, conta, desenhou um drone que aspirava furacões, transformando esse poder destrutivo em energia que era distribuída por todo o mundo. A família ri, com a lembrança. “O que queremos é que a nossa era seja de menos incerteza, menos crítica e mais esperança”, conclui o rapaz, depois de recorrer à cábula que tinha escrito com a sua mensagem, momentaneamente esquecida. Se ele passa por uma máquina capaz de utilizar a energia dos furacões é algo que ainda falta saber.