23.3.15

Quase três mil enfermeiros emigraram no ano passado

Texto de Bruna Cunha, in Público on-line (P3)

Em 2014, 2873 enfermeiros emigraram em busca de uma oportunidade de trabalho. Em 2015, espera-se que os números aumentem

João Macedo é um entre milhares. Terminou o curso em 2009 e decidiu emigrar para Espanha. Em Madrid, trabalhou dois anos no Hospital Privado de Montepricipe, numa unidade de cuidados intensivos. Em 2011, voltou a Portugal para fazer uma pós-graduação em cuidados intensivos e “para tentar aprofundar conhecimentos”. Já nessa altura a enfermagem em Espanha também tinha os seus problemas.

João começou, então, a procurar emprego noutros países da Europa, já que o seu nível de inglês era bom. No final de 2012, ponderou seriamente a hipótese de emigrar para o Reino Unido – boas condições de trabalho e muita oferta através de empresas de recrutamento. Em três semanas, recebeu mais de 20 propostas, sendo que todas elas se enquadravam na sua área de especialização. A escolha foi fácil: “Limitei-me apenas a escolher a que mais me agradava”, confessou ao P3.

No início de 2013, João Macedo já estava a trabalhar em Londres, no Hospital St. George’s University, na sua unidade de cuidados intensivos polivalentes – um dos maiores centros de trauma do país.

“Quando comecei no St. George´s, era o primeiro português no hospital. Actualmente, e seguindo a corrente dos últimos anos no Reino Unido, existem imensos enfermeiros portugueses”, observa. Na unidade dele, são cinco. E há algo que os diferencia dos demais: a formação.

Portugal exporta, cada vez mais, enfermeiros. De acordo com a Ordem dos Enfermeiros (OE), 2873 enfermeiros solicitaram, no ano passado, a “declaração das Directivas Comunitárias”, um documento necessário para trabalhar no estrangeiro. Concretamente, a Ordem desconhece ao certo o número de profissionais que emigraram nos últimos anos, embora acredite que grande parte daquele número o tenha feito. Por cá, entre três a quatro mil profissionais licenciam-se anualmente; a oferta não pára de aumentar e a procura de diminuir; e as condições de trabalho são cada vez mais precárias.

Ainda segundo dados da OE, o continente escolhido “pela esmagadora maioria dos enfermeiros” continua a ser a Europa, sendo que a Inglaterra é o país de eleição, seguido da França, Bélgica e Alemanha. Os enfermeiros portugueses “são muito bem vistos nos países para onde emigram”, o que se confirma pelo constante recrutamento destes profissionais. Relativamente a perspectivas para o futuro, a Ordem considera que, devido à “falta de oportunidade de emprego”, é “natural” que continue a haver emigração destes trabalhadores especializados.

Formação em Portugal é top

“A formação de enfermagem em Portugal tem uma componente prática muito grande, o que nos dá oportunidade de aplicar e consolidar toda a aprendizagem teórica de imediato”. Aliás, Portugal é conhecido por dar uma das melhores formações em enfermagem a nível europeu. Segundo a Ordem, a formação dos enfermeiros portugueses é vista como “mais sólida do que a ministrada na generalidade dos países europeus”.

João constatou isso no Reino Unido. “Existem universidades em que podes fazer o curso de enfermagem em dois anos por e-learning.” A discrepância, é depois, sentida a nível prático pois, na unidade do enfermeiro português, apenas 16 enfermeiros são britânicos, num universo de 160.

O mesmo não deixa, ainda assim, de apontar os benefícios de trabalhar em solo inglês, nomeadamente a facilidade de progressão na carreira, a oferta de formação complementar e a inovação constante. Veja-se o seu caso. Começou por ser “band 5” (“band” é o termo usado para designar o escalão em que o enfermeiro se encontra, sendo que vai até “band 9”) e é, agora, após toda a sua experiência e formação, “band 6” e enfermeiro sénior dentro de uma equipa de 30 enfermeiros que trabalham na unidade de cuidados intensivos especializada em trauma.

Não nos podemos esquecer da parte monetária, um dos principais aliciantes para a decisão de emigrar: “A renumeração é muito boa comparada com aquela que é oferecida em Portugal. Mas “não nos oferece a possibilidade de ficarmos ricos como muita gente pensa”, dado que o custo de vida é mais caro do que em Portugal.

O que não quer dizer que João não tenha razões de queixa. O sistema inglês, afirma, tem “muitas falhas”: é demasiada a burocracia, a documentação para preencher, e isso limita a prática do dia-a-dia, porque resta menos tempo para a prestação de cuidados.

Os que resolvem ficar

Ao contrário do João, Sandra Pinheiro resolveu ficar em Portugal. É enfermeira há 18 anos. Começou a trabalhar numa instituição pública (Hospital de Santo António, onde ainda trabalha) e “não acumulou” durante o primeiro ano. Ou seja, trabalhava apenas numa unidade de saúde. Mas, passados dois anos, e “para ter mais qualidade de vida, mas com sacrifício”, começou a trabalhar, também, numa instituição privada.

A enfermeira depara-se com o melhor e o pior das instituições públicas (SNS) e das instituições privadas:” Encontramos estruturas físicas, por vezes precárias nas instituições públicas, mas por turno temos um rácio de enfermeiros adequado ao número de doentes”. No privado, a situação é inversa: “Os enfermeiros são entregues aos bichos”. Porquê? Segundo Sandra, o rácio de enfermeiros é de tal forma diminuto que a qualidade dos cuidados fica comprometida e muitos enfermeiros têm pouca experiência e pouco tempo para lhes ser dada a integração correcta no trabalho.

Ainda assim, Sandra gosta do que faz, mas “se tivesse uma oportunidade viável para mudar não olhava para trás”. As razões são várias – a precaridade, falta de esperança no futuro e desinteresse dos governantes: “Dentro da própria profissão existem interesses diferentes e lutas diferentes que nunca nos levarão a um consenso”.

Há exactamente 18 anos, altura que iniciou a sua carreira, tinha planeado emigrar caso não fosse colocada de imediato. Mas foi. E agora? É diferente – com família constituída, só abandonava o país se a oferta fosse muito aliciante. Nunca se sabe.