25.3.15

Por Andreia Sanches, in Público on-line

Encontro em Lisboa sobre “ciganos e educação” juntou investigadores, professores, responsáveis políticos e representantes das comunidades ciganas.

Eram vários os convidados a falar na abertura e mais ainda interviriam nas diferentes sessões do encontro — professores, investigadores, responsáveis políticos. Mas foram as palavras de Sónia Matos, dirigente da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas (Amucip), que mais eco acabaram por ter na manhã desta terça-feira em torno do tema “ciganos e educação”, no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (IUL). Há uns 15 anos, contou Sónia, quis estudar. Muitas vezes não é fácil para as meninas ciganas, como ela era. Explicou isso à assistente social que, na altura, aceitou ouvi-la: “Quero estudar e trabalhar, mas para isso preciso do RSI”, sigla para Rendimento Social de Inserção. O RSI permitiria-lhe chegar à beira da família e dizer: “Há este contrato.” Um contrato de inserção social que implicava estudar, a troco de uma prestação do Estado.

“Foi isto que aconteceu com muitas meninas ciganas e comigo também", disse. "O RSI mudou a minha vida”, explicou à plateia e aos colegas de sessão de abertura. “O RSI foi a grande revolução na comunidade cigana”, defendeu.

Hoje, Sónia Matos é mediadora sociocultural, é auxiliar de acção educativa numa escola, trabalha num centro cultural na Arrentela. É também uma das fundadoras da Amucip. “Foi cerca de 300 euros de apoio do Estado naquela altura. Contribuo para o Estado há 15 anos.”
Na escola onde trabalha, lida diariamente com adolescentes ciganos. “Os pais já sabem que têm de meter os filhos na escola, seja pelo RSI [a prestação acarreta essa obrigação], seja por causa da Comissão de Protecção de Crianças”, seja porque acham que é importante saber ler e escrever. Estas crianças e jovens têm, contudo, uma desvantagem: os pais envolvem-se pouco, não ajudam nos TPC nem vão ver se “há recados na caderneta”. Insistiu Sónia Matos: “Somos nós que estudámos que temos que fazer com que eles gostem de lá estar.” A importância de apostar na existência de mediadores, que façam a ponte entre famílias e escola, foi sublinhada pela dirigente e por quase todos os participantes.

“Ciganos e educação” — foi então o mote para dois dias de debate, que começou na segunda-feira e se prolongou por esta terça. Foram apresentados vários projectos educativos que envolvem comunidades ciganas. Pedro Calado, alto-comissário para as Migrações, recordou alguns dados do Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas, de Manuela Mendes, Olga Magano e Pedro Candeias, apresentado já este ano. Em 1599 agregados familiares inquiridos (com cerca de 6800 pessoas), a taxa de analfabetismo encontrada foi de 15,5%.

Só cerca de 6% tinham o 3º ciclo. E apenas 2,5% completaram o ensino secundário.

Contudo, registou-se “um salto geracional” muito significativo, disse Pedro Calado. O mesmo estudo diz, por exemplo, que hoje a maioria das crianças até aos 5 anos já frequentam o pré-escolar. Os jovens entre os 10 e os 14 anos também registam “forte presença nos 1.º e 2.º ciclos”. A frequência escolar vai contudo diminuindo à medida que a criança se aproxima da adolescência. Calado fala de um “retrato agridoce”.

Mas as palavras de Sónia não seriam esquecidas. Idália Serrão, uma das deputadas presentes, ex-secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação (PS), disse que Sónia tinha posto “o dedo na ferida” e lamentou “a falta de pêjo com que muitos associam o RSI à fraude” quando “o nível de fraude noutras prestações é maior”.

Luís Capucha, outro investigador do IUL, ex-director-geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (era ministra Maria de Lurdes Rodrigues) lembrou que “os ciganos são uma pequena minoria dos beneficiários” do RSI mas que a forma que se "arranjou para descredibilizar" a medida “foi designá-la de forma populista e racista como o ‘rendimento dos ciganos’”. Para Capucha, que interviu num painel destinado a debater o impacto das políticas sociais nos percursos escolares dos ciganos, o RSI teve impacto, independentemente de ter sido “sucessivamente empobrecido”.

Segundo o último estudo nacional, as principais fontes de subsistência dos agregados familiares dos ciganos inquiridos baseiam-se no apoio da família (33,8%) e no RSI (33,5%).

“O RSI foi a principal medida para promover a escolaridade”, disse também Lurdes Nicolau, investigadora do CRIA (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (da Universidade de Trás-os-Montes). Esta professora considera que para o aumento da escolarização dos ciganos têm contribuído as políticas de realojamento, a acção social escolar, mas, também, o RSI, que atacou várias frentes: “Trouxe melhorias ao nível da saúde, da vacinação”, e com melhor saúde há mais sucesso; “promoveu o sedentarismo, o que permitiu uma assistência mais regular à escola” e “obrigou os adultos a procurar formação” — também ao abrigo dos acordos de inserção.

O encontro de dois dias foi promovido pelo Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta, com o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa e teve o apoio da União Europeia e do Conselho da Europa.