5.5.15

Maternidade na adolescência.Toda a ajuda é pouca para aprender a ser mãe

in iOnline

Projecto que junta Associação Humanidades e empresa ROFF ensina mães precoces a ter uma alimentação saudável. E não só

O Dia da Mãe teve um sabor diferente no pavilhão 27 do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa. Este ano, o departamento de Responsabilidade Social da empresa de consultoria ROFF ofereceu a primeira consulta com o nutricionista que, uma vez por mês durante um ano, volta para seguir de perto as dietas saudáveis das seis mães adolescentes acolhidas pela Associação Humanidades. Mas não só. Dentro dos sacos cor-de-laranja que se cruzam com as filas “dois a dois” das mais de 50 crianças que frequentam a creche da associação, há verduras, fruta, carnes brancas, um livro de receitas e um bloco para apontar as dicas saudáveis que o nutricionista Diogo Caetano traz em formato workshop.

O dia vai ser longo e as mães residentes já fazem fila à porta do consultório improvisado onde vão ser pesadas e confrontadas com os maus hábitos alimentares que todas admitem ter. Há quem só faça uma refeição por dia, quem acrescente açúcar ao leite com chocolate e quem não prescinda de um croquete pela manhã – hábitos enraizados que não chocam o médico, que prefere consultas “altamente pedagógicas” onde cada litro de coca-cola, sempre zero, é negociado e assinado pelas duas partes.

“O futuro é agora” Com idades entre os 16 e os 18 anos, Carla, Bruna, Romato, Ângela, Fátima e Mayara fazem parte do universo de 41 mães precoces apoiadas pela associação que deu os primeiros passos em 1998 e chegou ao pavilhão do hospital psiquiátrico em 2005. As seis adolescentes partilham o mesmo tecto. Cada uma tem um quarto apetrechado para responder às necessidades das crianças que carregavam no ventre quando cruzaram a porta da instituição que, independentemente de estar inserida no Júlio de Matos, não é marcada “pela loucura das jovens que têm um bebé antes de tempo”, como nos relata Isabel Lopes. A psicóloga responsável pela direcção técnica e pela implementação de novas estratégias trava uma luta diária na preparação das seis residentes para o mundo. Aqui respira-se futuro e as metas são claras. “Criam-se condições e oportunidades de crescimento e autonomia” que fecham o capítulo das situações de risco e vulnerabilidade das jovens, que provêm de instituições de acolhimento de emergência e preferem deixar o passado lá atrás. “Já estamos prontas para ir embora”, dizem em uníssono Ângela, mãe aos 17 anos, e Fátima, mãe aos 15 – visão partilhada pelas restantes que, além de estarem a terminar um curso profissional, já se sentem capazes de dar aos filhos “um rumo diferente” daquele que as colocou ali. “Ensinaram-me tudo: a dar banho, mudar a fralda e criar uma rotina saudável para o meu filho. Antes não percebia a importância de ir à escola e de ter uma profissão”, garante Bruna, a jovem de 18 anos que lida bem com o excesso de peso, mas compreende que a iniciativa de nutrição da ROFF “também vai ser útil para perceber o que é que o Bruno (o seu bebé de 8 meses) pode ou não comer”.

Habituada “a ser magra”, Carla viu um sonho realizado. “Ganhei 30 quilos e sozinha não consigo voltar ao normal”, conta a jovem, que está a terminar um curso de cozinha e quer tornar-se chefe “para dar uma vida melhor” à filha, que ainda não fala mas já corre pela “casa” onde nasceu e frequenta a creche, que também está aberta a outras crianças. Ao contrário das outras residentes, Carla não se importa de abdicar dos fritos e entra de mente aberta na sala onde se ensina que “somos o que comemos”.

Casa-Mãe Entre as consultas individuais e personalizadas há 40 minutos de workshop. Sentadas em fila debaixo de um quadro ilustrado que define a estratégia da Associação Humanidades – Agora, Recursos, Estratégias de Acção, Primeiros Passos e Futuro –, as seis mães precoces estão prontas para absorver o bê-á-bá dos alimentos. Romato é a mais interventiva. Com 18 anos e o cabelo cor- -de-rosa entrançado, foi a primeira a interiorizar os porquês da roda dos alimentos e a perceber a lógica “variedade, qualidade e quantidade”. Despachada e de “poucas palavras”, não esconde a gratidão à ROFF pelas iniciativas que a fazem “crescer como pessoa e como mãe”. E é no mesmo sentido que Mayara, 15 anos, contém as lágrimas e admite que os dois anos e meio de casa são “a melhor experiência” da sua vida. “Foi aqui que aprendi tudo. Tornei-me mais adulta e, aos poucos, vou conseguindo discernir as coisas”, confessa depois de ter descoberto que a manteiga é gordura e os vegetais devem ocupar mais de metade do prato. Infeliz com a ideia de reduzir uma tablete de chocolate a dois quadrados, Ângela, a “bicho-do-mato” que decidiu tirar um curso de assistente familiar “para ajudar outras mães despreparadas”, abre o jogo. “Se não estivéssemos aqui, os nosso filhos já tinham sido adoptados e nunca mais os víamos”, dispara. “Temos uma preparação diferente das mães adolescentes. Somos mais conscientes”, concorda Fátima, a “magra”, que se comprometeu a vigiar os ataques de fome das outras.
A ROFF é parceira da Associação Humanidades desde 2009. Além de preencher o vazio do insuficiente apoio financeiro da Segurança Social, “acredita no trabalho da associação” que Isabel Lopes criou “para que a próxima geração seja diferente”.