5.2.18

Um olhar sobre o Estado social

Narciso Machado, in Público on-line

As crises económicas já provaram à saciedade que os Estados não se podem limitar à função de meros espectadores do jogo económico.

O Estado Social é uma criação sobretudo da doutrina social da Igreja e do socialismo democrático. Em Portugal, os regimes de protecção social remontam aos princípios do séc. XX, através do desenvolvimento das instituições mutualistas e durante o período do Estado Novo, com a criação do sistema de Previdência Social. Com o 25 de Abril, o Estado Social sofreu uma autêntica revolução.

A doutrina social da Igreja é constituída por um conjunto de valores e princípios, especialmente, a partir da encíclica Rerum Novarum, em resposta aos problemas sociais da época. Mas não surge constituída em definitivo, sendo fruto da progressiva descoberta da dignidade humana e no seu evoluir.

A progressiva industrialização deu origem a novas situações humanas e sociais contra as quais se levantou a voz da Igreja. Muito sensível era a exploração dos trabalhadores na indústria têxtil, nas minas e na agricultura. Bispos, sacerdotes e leigos, ao longo do século XIX, especialmente a partir de 1830, assumem posições frontais de denúncia da injusta exploração do homem pelo homem. É neste circunstancialismo que Leão XIII encontrou um ambiente propício à publicação da encíclica Rerum Novarum (1891), lançando as bases da doutrina social da Igreja. A esta seguiram-se as encíclicas Quadragesimo Anno (1931), Mater et Magistra (1961), Pacem in Terris (1963), Populorum Progessio (1967), a Constituição Pastoral do Vaticano II Gaudium et Spes e Laborens Exercens, de João Paulo II. Os grandes temas doutrinais situam-se à volta do homem e da sua actividade: a dignidade da pessoa humana, a educação, o trabalho, o capitalismo e os sistemas económicos, o salário justo, o desemprego, a propriedade e a função social dos bens, as relações sociais e socialização, os pobres e emigrantes, a promoção do bem comum, a justiça social e a cooperação no desenvolvimento integral dos povos. Hoje, a situação política, económica e social no mundo, com a pobreza a aumentar cada vez mais, com um número gigantesco de desempregados, exige da parte dos Estados e da Igreja uma maior intervenção no sentido de apontar os caminhos de mudança e orientação de acordo com a doutrina social.

O séc. XIX foi favorável à eclosão das ideias socialistas porque a industrialização fez-se acompanhar de um maior conhecimento da pobreza. Por influência da doutrina social da Igreja e das ideias socialistas, o chamado Estado Social foi sendo progressivamente criado, evoluindo, em alguns Estados, para uma “oferta” gratuita ou quase gratuita da educação, saúde e da segurança social (reformas, pensões, subsídios) obtida com base nos impostos directos e indirectos, arrecadados aos cidadãos.

Todos estamos conscientes do retrocesso que significam as políticas neoliberais (ou liberalismo puro) que o anterior governo nos impôs, com violações constantes da Constituição e lançando Portugal numa espiral de empobrecimento e de degenerescência colectiva. Para o neoliberalismo, o princípio sagrado é o de que o mercado e a iniciativa privada, deixados em paz e em roda livre, encarregar-se-ão de criar e distribuir a riqueza por todos os cidadãos. Para esta “extrema-direita económica”, a “providência” e as capacidades de cada um determinam o destino das pessoas e do país. Porém, as crises económicas, através dos tempos, já provaram à saciedade que os Estados não se podem limitar à função de meros espectadores do jogo económico e às regras do livre mercado, cabendo-lhe regular o sector financeiro e industrial, estimulando a economia e o emprego, corrigindo as desigualdades sociais.

Um dos fins do Estado é a justiça e o bem comum. As regras inspiradas na justiça visam a equidade e o respeito mútuo nas relações entre os cidadãos e entre estes e o Estado. No bem comum, o Estado visa ainda obter o bem-estar social, orientando a acção colectiva, de modo a satisfazer as necessidades dos cidadãos, quer através da produção de bens, quer facultando os serviços adequados à satisfação dessas necessidades. O Estado mínimo é a forma extrema do Estado liberal (o neoliberalismo) que tende a limitar-se a traçar o quadro no qual se desenvolve a actividade dos cidadãos, deixando a economia em roda livre, favorecendo a concentração da riqueza nas mãos de poucos, fazendo aumentar a legião de pobres.

O Governo anterior, ao seguir uma política neoliberal, acabou por destruir muito daquilo que foi conquistado com o 25 de Abril. E as grandes vítimas foram os trabalhadores, os assalariados, os pensionistas e a juventude, que Passos Coelho aconselhou a emigrar. Portugal caminhou para níveis de pobreza preocupantes. As grandes manifestações populares mostraram cidadãos inquietos e inconformados, exigindo soluções para encontrar uma maior justiça social, o que felizmente está a verificar-se em consequência das políticas do presente Governo.