15.1.19

Dezenas de refugiados esperaram meses pelo MAI para obter estatuto

Ana Dias Cordeiro, in Púbico on-line

Proposta de decisão favorável do SEF para obtenção de estatuto de protecção internacional não significa atribuição imediata de documentos. Decisão final cabe ao ministro da Administração Interna.

Dezenas de refugiados acolhidos em Portugal estiveram vários meses à espera da obtenção do estatuto já depois de terem conseguido o parecer favorável do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Duas instituições de acolhimento confirmaram a existência de 85 casos pendentes, até esta quinta-feira de manhã, de acordo com as informações que tinham recebido oficialmente. Uma fonte ligada ao processo disse ao PÚBLICO que, no total, estavam não apenas os 85 referidos por aquelas instituições, mas um total de 129 processos pendentes no Ministério da Administração Interna (MAI), que já tinham recebido proposta de decisão favorável do SEF.
À tarde, porém, e em resposta a perguntas do PÚBLICO, o MAI informava: “À data de hoje [quinta-feira] não se encontram processos pendentes de despacho do ministro da Administração Interna referentes a asilo e protecção subsidiária.” O PÚBLICO tentou saber em que data foram os processos assinados pelo ministro, ao que o MAI já não respondeu.

O prazo previsto pela Lei do Asilo para o ministro assinar uma proposta de decisão favorável, a partir do momento em que ela é entregue pelo SEF, é de oito dias. A atribuição de um cartão e autorização de residência a um requerente de asilo está dependente do despacho do MAI.

Pelo menos três famílias constituídas por 18 pessoas, que nesta quinta-feira ainda não tinham informação sobre os seus processos, receberam parecer favorável do SEF há um ano: uma em Dezembro de 2017, a outra em Janeiro de 2018 e a terceira em Fevereiro de 2018. A Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), que nesta quinta-feira sinalizava 66 processos pendentes e não tinha recebido informação do MAI indicando que a situação se tivesse alterado, não tem conhecimento dos motivos para a demora. Na semana passada, foi-lhes dito que os processos estavam em vias de resolução.
“Há pessoas em situação grave de falta de estatuto, que já receberam proposta de decisão final favorável por parte do SEF, mas que ainda estão à espera da homologação da mesma pelo Ministério da Administração Interna”, disse ao PÚBLICO o novo coordenador da PAR, André Costa Jorge.

Prazo de oito dias
“Esta homologação deveria ter lugar no prazo legal de oito dias, sendo certo que passaram já vários meses em todos estes casos, sem nenhuma novidade”, acrescenta. “Os casos mais dramáticos são os de 18 pessoas, de três famílias, que estão à espera da validação ministerial há quase um ano, estando quase a terminar o programa de acolhimento sem ter beneficiado ainda do estatuto de refugiado, com as respectivas consequências a nível legal, social, familiar, psicológico, entre outros.”
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Além destas três famílias acompanhadas pela PAR, o PÚBLICO tentou saber quantas aguardam há mais de seis meses a luz verde ministerial que lhes permitirá obter um cartão de residente por cinco anos (para quem tiver estatuto de refugiado) ou de três anos (a quem for concedida a protecção subsidiária internacional).

Não foi possível obter, em tempo útil, informação sobre o tempo real de espera entre a proposta de uma decisão favorável do SEF e a aprovação formal do Governo, junto das instituições de acolhimento — PAR, Câmara Municipal de Lisboa (que regista 19 processos à espera do MAI), Conselho Português para os Refugiados (CPR), Misericórdias Portuguesas e Cruz Vermelha Portuguesa.

Mónica Farinha, do CPR, relativizou a situação, dizendo que, ao longo dos anos em que recebeu requerentes de asilo, com pedidos espontâneos, “sempre houve casos” em que os processos demoravam mais de oito dias no MAI. “Os prazos não são obrigatórios.” Quanto aos refugiados do programa de recolocação apenas não conseguiu dar informação sobre o número concreto de processos à espera.

Pedido para tornar urgente vinda de famílias ficou sem resposta do Governo
Também o SEF não deu informações específicas sobre a demora entre os pareceres favoráveis dos seus inspectores e o MAI. Num balanço do programa de recolocação, disse que, entre Dezembro de 2015 e Março de 2018, Portugal acolheu 1552 pessoas, e atribuiu 666 estatutos de protecção internacional (entres estatutos de refugiados e protecção subsidiária).
Moção da CML com 12 meses só esta semana chegou ao Governo

Uma moção apresentada pelo BE e subscrita pelo PS e PSD, aprovada em 31 de Janeiro de 2018 na Câmara Municipal de Lisboa, só foi entregue esta semana ao Governo.

A moção, proposta pelo então vereador dos Direitos Sociais, Ricardo Robles, é muito crítica dos atrasos verificados na atribuição de estatuto aos refugiados, que permite legalizar e estabilizar a sua situação em Portugal. O texto aponta falhas ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e à Segurança Social.

Em Fevereiro de 2018, segundo fonte oficial do gabinete do presidente da câmara, Fernando Medina, o documento seguia “a tramitação interna habitual” e deveria “ser remetida em breve pela CML ao Governo”. Contactada esta semana, no dia 8 de Janeiro, a mesma fonte respondeu: “A moção não foi enviada pela Câmara Municipal de Lisboa ao Governo por lapso dos serviços pelo que, ontem mesmo, dia 8 de Janeiro [de 2019], foi remetida.” Não esclareceu se foi entregue ao MAI ou à presidência do Conselho de Ministros.

O documento exorta o Governo a promover “um processo de decisão mais célere”, pede que a concessão do estatuto não demore mais de três a quatro meses e considera que o “alargado tempo de espera do processo de decisão final” de reconhecer o estatuto de refugiado e de conceder o cartão de residente causa “grande instabilidade” e compromete a integração das pessoas. Nas “situações recorrentes” em que o prazo do documento provisório expira, estas ficam “sem documento legal”, ou seja, “sem poder movimentar contas bancárias ou aceder ao Serviço Nacional de Saúde sem o pagamento de taxas moderadoras”.

A moção refere ainda que o tempo de espera para ter o número de identificação da Segurança Social “tem sido longo” e que dois terços dos refugiados acolhidos pela CML estavam, em Janeiro de 2018, a aguardar a atribuição de número. Ana Dias Cordeiro