3.7.23

Choque no aumento da pobreza infantil mitigado pelas prestações sociais

António Pereira, in Público online

O risco de pobreza infantil aumentou na última década, mas apoios sociais permitiram ligeira melhoria nos últimos anos, com dados disponíveis: 20,4% em 2020 e 18,5% em 2021

Para a investigadora da Escola Nacional de Saúde Pública Joana Alves, que estuda as causas dos problemas na saúde e na economia social, “a desigualdade é muito injusta e nociva, porque acaba por prejudicar todas as classes e determina que fiquemos abaixo da nossa capacidade enquanto sociedade”. Mas são as pessoas com menores rendimentos, ou seja, os pobres, que mais sofrem, por entrarem numa espiral de falta de dinheiro e de acesso às condições essenciais para serem, de facto, cidadãos de pleno direito na educação, na saúde, na habitação, no emprego. Uma das lutas decisivas é contra a pobreza infantil, a base geracional (0 aos 17 anos) do futuro. Em Portugal, o risco de pobreza infantil subiu, segundo os dados disponíveis em 2020, para 20,4%, perto dos 22,8% de 2007. Mas os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, feito pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes a 2021, atenuam o choque, reduzindo esse risco para 18,5%, ao nível de 2019, quando a curva da pobreza recomeçou a descer até ao pico de 2020.

“A desigualdade e as bolsas de pobreza são persistentes ao longo dos anos. E depois há anos contraciclo”, observa Joana Alves. “Não há só a diferença entre mais pobres e mais ricos, existe um gradiente ao nível social. Ou seja, a cada degrau que nós descemos corresponde a perda de anos de vida, o aumento da mortalidade, a diminuição da esperança média de vida e o crescimento da morbilidade com que vivemos, quer em carga da doença, quer na degradação da saúde mental”, analisa. E sublinha alguns factores afectados: comportamentos da mobilidade, o exercício físico, uma melhor nutrição e até o consumo de tabaco e álcool.

E conclui: “Realmente, o que vemos é um gradiente. Não se passa de um extremo para o outro. Tudo contribui, da família ao contexto em que nascemos. Todo este contexto influencia a saúde, as nossas oportunidades para estudar, o acesso às actividades extracurriculares. Umas crianças ficam em casa porque os pais trabalham por turnos, outras podem ir para o Inglês, para a Música, etc. Isto por um lado é extremamente injusto e, por outro, é evitável.”

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Atenção ao sobe e desce

O bom indicador constante no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE, de Janeiro de 2023, em que o risco de pobreza dos menores de 18 anos diminuiu 1,9%, de 20,4%, em 2020, para 18,5%, em 2021, é bem acolhido por Fátima Veiga, que trabalha no gabinete de investigação e projectos da sede da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAP) em Portugal, no Porto.

“Andamos sempre neste sobe e desce”, diz sobre a curva ondulante da taxa de pobreza e exclusão social, que tanto tem períodos de aumento do risco para as crianças, como anos em que as notícias são mais animadoras. Neste caso concreto, pode ter a ver com as transferências sociais. O aumento do abono de família pode ter contribuído para descer a taxa de pobreza de 2020 para 2021”, analisa a socióloga que na REAP tem por principal área de trabalho e de investigação a infância e juventude, em particular a pobreza infantil.

No entanto, nota Fátima Veiga, que trabalha na REAP desde 1997, o caminho do combate à pobreza infantil é longo e sinuoso. “Estamos a viver com uma inflação alta, que se reflecte em todas as áreas da nossa vida e muito no crédito à habitação. A situação é mais difícil para todas as famílias e não só para as das classes mais baixas”, alerta.

“Há muitas notícias de despejos, de famílias em que os dois membros do casal trabalham e não conseguem pagar as contas da casa. E nestas famílias há sempre crianças”, destaca Fátima Veiga.

Por isso, “é muito difícil ter crianças, é essa a razão de sermos um país com um índice de envelhecimento dos mais altos”, explica. “Temos de ter um nível de acolhimento pleno das famílias migrantes e, além disso, criar mais medidas de apoio à natalidade", aponta.

E termina com mais um alerta: “Portugal é um país com salários muito baixos. E esses salários muito baixos colocam os casais que trabalham em grandes dificuldades para pagar as contas mensais, o que torna muito difícil tomar a decisão de ter filhos.”

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A pobreza na infância e nos mais velhos, as privações materiais e sociais, as diferenças regionais e os desafios do custo de vida. Nesta série editorial, o PÚBLICO faz um raio X ao impacto da pandemia de covid-19 em Portugal, com o apoio da Fundação ‘la Caixa’, BPI e Nova SBE, promotores do estudo Portugal, Balanço Social 2022, publicado em 2023.


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