á algo de maior que move Anton, que vem de um lugar onde pouco se fala e se conhece o que é isto da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). “Eu sou cristão e a maioria da Palestina é muçulmana.” E é por isso que este palestiniano de 29 anos faz questão de estar pela terceira vez numa JMJ. “Quero passar a mensagem de que os palestinianos estão aqui. Quero que todos saibam o que se passa na Palestina e que ali há cristãos. Nós amamos a paz. O nosso problema não são os judeus ou os muçulmanos. O nosso problema é a ocupação de Palestina. Queremos enviar uma mensagem: ajudem-nos a fazer a paz.”
Esta é uma das missões que trouxe Anton Shomali a Lisboa. Mas os mais de quatro mil quilómetros que o jovem palestiniano percorreu para chegar a Lisboa têm ainda o propósito de prestar cuidados de saúde aos milhares de peregrinos que ali estão.
Além de professor universitário na área da joalharia, Anton é também paramédico da selecção palestiniana de basquetebol, por isso inscreveu-se para dar apoio na área da saúde. O voluntariado sempre esteve na sua vida. Na Palestina, em Belém, a sua terra natal, trabalha com grupos de jovens, com a Cruz Vermelha, e é escuteiro. Por isso, não podia faltar, já depois de em 2019, no Panamá, ter tido uma experiência inesquecível. “Quando pensamos em 1,6 milhões de pessoas a rezar num lugar... Além disso é uma festa. É o amor e a alegria de sermos 194 países num só país”, diz o jovem sob o sol forte do início da tarde numa das tendas médicas que estão colocadas no Terreiro do Paço.
Anton é um dos 24 mil voluntários vindos de 140 países de todas as partes do mundo. Vestem a camisola amarela — e vestem mesmo a camisola. Percorrem milhares de quilómetros. Deixam as suas casas por uns dias – meses até – para ajudar a preparar a JMJ, para torná-la realidade. Muitas vezes, nem conseguem estar nos eventos principais, mas garantem estar a viver "uma outra jornada". São voluntários internacionais. O que os move? “Estamos aqui para servir.”
Há muitos repetentes, mas também estreantes como as colombianas Laura e Estefania, que acabam de terminar o turno, depois de terem estado a ajudar na logística para aceder aos confessionários do Parque do Perdão, instalados nos jardins de Belém.
“Nunca tinha ido a uma JMJ e tinha muita vontade de a viver e de ver o Papa. Como voluntária pareceu-me uma experiência diferente para poder servir todos os peregrinos. Espero aproximar-me um bocadinho mais de Deus”, diz Laura Ávila, estudante de Medicina de 23 anos. Apesar de não ser católica, Estefania Padrón, de 24, quis “arriscar-se no voluntariado”. “Eu sou fá número um do voluntariado. Tira-me da minha zona de conforto”, diz a jovem, de bandeira da Colômbia às costas.
"Os frutos da jornada"
Formelisa Aguirre Chavarria é, provavelmente, uma das primeiras voluntárias a trabalhar na JMJ de Lisboa. Tudo começou pouco depois de, em 2019, no seu país, o Panamá, ter sido anunciado que a próxima jornada seria acolhida na capital portuguesa.
A outra jornada dos voluntários internacionais: “A vida não tem sentido se você não vive para o outro”
"Seis meses depois [da JMJ do Panamá] comecei a estar com os irmãos de Portugal, a partilhar um pouco de toda a experiência que tivemos. Depois veio a pandemia. Reuníamo-nos virtualmente, partilhávamos toda a informação, as alegrias, o que se podia, o que não se podia. Era muito, muito bonito", conta esta professora universitária de 46 anos.
É a sua oitava jornada. A primeira, em Roma, foi como peregrina. Desde então, envolveu-se na organização, conheceu "todas as facetas". "O facto de ver tantas pessoas de tantas partes do mundo a partilhar a mesma fé toca-me. Isso deixa-me motivada, muito motivada." E fá-la trabalhar para que cada edição seja uma realidade. "É um trabalho muito, muito cansativo. Há muitas coisas para pensar. É um acumular de coisas, mas no final é muito bonito. Não é somente um evento, como se pensa, mas de dentro da jornada saem os frutos", partilha.
Emociona-se ao ver as ruas de Lisboa cheias de jovens, de vida e de cor. "Acho que isso é uma das coisas que mais se impregna. Sente-se um ambiente diferente, totalmente diferente."
Formelisa é uma entre os 27 voluntários internacionais de longa duração que são acolhidos por Ana João e Maciel Filipe no enorme e belíssimo Convento de Nossa Senhora da Conceição do Monte Olivete (ou Recolhimento do Grilo), no Beato, que se tornou lar para pessoas do Brasil, do México, do Panamá, de Itália e de França, da Guatemala ou da Venezuela. É ali que alguns dos voluntários internacionais que chegam meses mais cedo para preparar a JMJ são acolhidos.
“A vida não tem sentido se você não vive para o outro, se não ajuda o próximo. Esse é o meu propósito: vir cá ajudar para que outras pessoas sintam o que eu senti”, diz Guilherme Coutinho, de 35 anos, brasileiro de Uberlândia, que participa na quarta jornada.
A primeira foi em casa, no Rio de Janeiro, um momento especial na sua vida. “Eu nunca tinha saído do Brasil até àquele instante. Ver praticamente cinco milhões de pessoas unidas por um propósito, que é levar a mensagem de Cristo, para mim foi um diferencial.”
A partir daí quis fazer a diferença em todas as jornadas. Foi voluntário na Polónia e no Panamá, mas sempre experiências curtas. Até que decidiu que em Lisboa seria diferente. Chegou há quase dois meses para a ajudar a construir a app que guia os milhares de peregrinos que estão na capital.
“Têm sido os melhores dias da minha vida. A primeira experiência de viver em comunidade, de estar junto com pessoas totalmente diferentes, com culturas e criação diferente”, diz o informático.
Por ali, as antigas celas do convento setecentista, que sobreviveu ao terramoto de 1755, foram limpas e transformadas em quartos. Vivem ali em comunidade, jantam e rezam juntos, divertem-se
“Aqui é um pouco diferente. Em casa, às vezes deixamos a meia jogada e a meia no outro dia não está lá. Mas aqui não. Sujou tem que lavar, desarrumou tem que arrumar. Há várias coisas que vão mudando o nosso comportamento, que agregam na nossa vida. O que a gente aprende aqui, o respeito pelo limite do outro, é uma experiência incrível, interessante, intensa, mas também difícil”, partilha o informático.
Ser voluntário, como eles admitem, é duro. “Se você me perguntar se eu conheço Lisboa, eu não conheço”, confessa Guilherme, que divide o seu dia entre o trabalho remoto para uma empresa americana com as tarefas da JMJ.
“Eu faço horário dos Estados Unidos. O meu trabalho aqui normalmente começava às 8h até 14h, 15h. Depois até às 23h continuava o meu trabalho para a empresa”, conta o voluntário. "E às 2h me levanto para rezar o terço."
Uma outra jornada
Ser voluntário, sobretudo quem não está escalado para estar nos locais dos eventos, pode também ser algo frustrante. Eles ajudam a tornar os eventos uma realidade, a garantir que a informação chega, que a app funciona, que nas redes sociais há informação publicada em várias línguas, que os jornalistas têm a informação na sua língua. Mas isso implica que muitas vezes não consigam estar nos eventos e apenas os acompanhem à distância.
“Eu não estou vivendo o que os peregrinos estão vivendo. Mas não viver os eventos não quer dizer que a gente não viva a jornada. A nossa jornada é um pouco maior do que só os eventos”, diz Guilherme.
Wender Batista não esconde essa tristeza. “Eu vivi três jornadas como peregrino e eu gosto de estar no meio da confusão, de levantar bandeira.” Para este brasileiro de Minas Gerais de 31 anos estar em frente a um computador a assistir a tudo, entristece-o por momentos, mas logo chega o sentimento de missão.
“É muito gratificante entender que eu estou fazendo parte daquilo de alguma maneira, através do meu trabalho”, diz Wender, que é publicitário e está na equipa de design gráfico da JMJ. Como durante a missa de abertura da JMJ, presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, em que a sua equipa teve de traduzir uma frase em 20 idiomas.
“Me jogaram para fazer um post em coreano. Tive que ir do lado de uma voluntária coreana para não colocar os elementos errados. E eu não falo muito bem inglês, estava nervoso, mas aí depois eu entendi que a jornada precisa chegar também na Coreia, assim como precisa chegar em árabe, em polaco, em todas essas línguas”, observa o voluntário. “Mesmo que a gente não vivencie tudo aquilo, a gente está proporcionando a jornada para pessoas que também não estão aqui. E isso ajuda a confortar um pouco também.”
Para Wender, esta é a quarta JMJ, depois do Rio, Cracóvia e Panamá. Está em Lisboa há dois meses. Passou por um processo de entrevistas e selecção. Chegou “de olhos vendados”, um pouco assustado com a ideia de ficar num convento. Mas rapidamente esses medos caíram por terra ao conhecer aquele espaço. “Eu mudei de casa, de país, de trabalho de uma semana para a outra. Um dia eu estava no Brasil, no meu trabalho com a minha família e no outro dia eu estava em Portugal, trabalhando em outro lugar, morando num lugar totalmente diferente. Cheguei sem conhecer ninguém.”
Na próxima semana, será altura do regresso e de retomar o trabalho que ficou suspenso durante estes meses para se dedicar totalmente à JMJ. “Vou reconstruir aquilo que eu deixei para trás, mas não me arrependo em nenhum momento, porque o crescimento aqui como pessoa, como cristão, como profissional foi muito grande”, assume o voluntário.
O regresso ao Brasil também será um recomeço para Isaac Silva, de 22 anos. É a terceira jornada, a primeira como voluntário. No Panamá, tinha pensado que não viria a esta, que esse dinheiro seria necessário para ajudar a cuidar dos irmãos. Mas uma bolsa apareceu, possibilitando-o vir para Lisboa.
Despediu-se da empresa em que trabalhava e chegou há dois meses para dar apoio no contact center, ou seja, a responder às dúvidas que os peregrinos colocam por telefone ou por email. Também para ele esta jornada é diferente, vivida de um lugar novo. "Eu estou na jornada, mas ao mesmo tempo parece que eu não estou. Como eu já fui peregrino, dá aquele sabor de querer estar no meio também. E aí, depois, tem que ter esse entendimento de que nós estamos aqui para servir”, diz.
As "diferentes partes do corpo" da JMJ
Pierre Jeanson, tradutor francês de 34 anos, partilha o sentimento, mas sabe que a recompensa virá. “Gosto muito do meu trabalho, mas lembro-me que também tive essa impressão na JMJ de Madrid. Quando nos encontramos com o Papa Bento XVI, ele disse 'muito obrigado, queridos voluntários, por tudo o que fizeram. Sei que vocês não puderam viver a JMJ de forma muito intensa a nível espiritual, mas o Senhor vai dar frutos'. E o primeiro fruto era estar ali a ver o Papa de muito perto”, recorda Pierre.
Não é a primeira vez que o francês é voluntário. Já o foi em Madrid a dar indicações no metro aos peregrinos. E ainda hoje mantém contacto com outros voluntários. “Isso é muito rico.”
Em Lisboa é um dos tradutores, já que a JMJ tem cinco línguas oficiais, ainda que muitas mais se falem por estes dias na capital. Por isso, além da parte espiritual, é também uma oportunidade para evoluir em termos profissionais. “Estou a aprender português desde há uns anos e quero praticar, melhorar. E também o encontro com Cristo, o encontro com os demais, com a Igreja Católica. Estou muito contente por poder ver o Papa Francisco”, diz Pierre.
No domingo, será o dia para isso acontecer mais de perto, já que terão também o seu momento com o Papa, numa cerimónia que encerrará a JMJ, no Passeio Marítimo de Algés.
Será o momento para "as diferentes partes do corpo da JMJ", como diz Pierre, se juntarem. “A jornada precisa de cada competência, e isto é muito interessante porque ninguém é inferior, ninguém é superior. Toda a gente é necessária.”
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