24.8.23

Com a execução a derrapar, Governo ajusta prazos do 1.º Direito

Rafaela Burd Relvas, in Público


O Governo fez uma alteração de detalhe aos prazos do 1.º Direito, mas que permite alterar as metas de um dos principais programas de política pública destinados a responder à crise habitacional.


Depois de os atrasos na execução dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) já serem assumidos pelo próprio Governo, e numa altura em que as carências habitacionais tendem apenas a aumentar, começam a ser feitos ajustes aos prazos que foram inicialmente estabelecidos. Foi isso que o Governo fez agora relativamente ao 1.º Direito, através de uma alteração de detalhe, mas que permite mudar as metas do programa destinado a criar soluções para as famílias a viver em situações consideradas indignas.

O 1.º Direito é um dos principais programas da política habitacional do Governo, destinando-se a apoiar autarquias, empresas municipais, instituições particulares de solidariedade social, misericórdias ou beneficiários directos, através do financiamento de construção, reabilitação, aquisição ou arrendamento de habitações para famílias que vivam em casas indignas. No ano em que entrou em vigor, 2018, estavam identificadas 26 mil famílias a viver nesse contexto, mas, desde então, o número tem vindo a crescer de forma significativa e, hoje, já estão identificadas 77 mil famílias nesta situação, de acordo com os dados que constam das estratégias locais de habitação (ELH) em execução por 258 municípios.


Nessa altura, a portaria que veio regulamentar o 1.º Direito já definia uma janela temporal para a sua execução, estabelecendo que as estratégias locais de habitação deveriam conter "a programação das soluções habitacionais por forma a cumprir o objectivo de proporcionar uma resposta habitacional a todas as pessoas e agregados objecto do diagnóstico num período máximo de seis anos". Este prazo (que, considerando a entrada em vigor da lei em 2018, terminaria em 2024) ia ao encontro daquela que, já então, tinha sido a meta estabelecida pelo primeiro Governo de António Costa: garantir uma habitação digna para todas as famílias até à celebração do 50.º aniversário do 25 de Abril.

Agora, o Governo mantém a meta de 2024, mas acrescenta uma nova expressão à lei, definindo que o objectivo é dar uma resposta habitacional a todas as pessoas "preferencialmente num período máximo de seis anos", de acordo com a nova portaria publicada, esta quarta-feira, em Diário da República.


Esta não é a primeira vez que o Governo socialista faz ajustes ao discurso sobre as metas para a habitação, que, embora cirúrgicos, são também um reflexo da incapacidade de cumprir os prazos propostos. No programa eleitoral apresentado em 2019, a "meta muito clara" do PS consistia em "erradicar todas as carências habitacionais até ao 50.º aniversário do 25 de Abril". Perante os atrasos que já então se faziam sentir, no ano passado, quando tiveram lugar eleições antecipadas, o novo programa eleitoral trazia uma meta semelhante, mas com um detalhe diferente: a "meta muito clara" passou a ser erradicar "as principais" carências habitacionais, e não "todas", até aos 50 anos do 25 de Abril.

Os dados disponíveis no portal governamental Mais Transparência mostram que, até à data, foram pagos 92,8 milhões de euros no âmbito do 1.º Direito, o equivalente a cerca de 7,7% do total de 1200 milhões que o PRR irá destinar, até 2026, a este programa. No mês passado, recorde-se, o ministro da Economia, António Costa Silva, admitiu atrasos na execução dos pagamentos do PRR, durante uma audição numa comissão parlamentar.

Ao mesmo tempo, e segundo adiantou a ministra da Habitação em audição recente na Assembleia da República, foram entregues, até à data, 1400 habitações no âmbito do 1.º Direito, estando outras 7500 em obra ou a entrar em obra no prazo de um ano. A meta traçada inicialmente estabelecia um total de 3000 casas entregues até ao final de 2023.

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