Helena Norte, in Jornal de Notícias
"O que mais me aterroriza é a possibilidade de ela sofrer e deixar de me reconhecer". Isabel Fontinhas fala da mãe, que sofre de Alzheimer, uma doença incurável que começa com falhas de memória e pode degenerar até à completa dependência. Estimam-se em 60 mil os portugueses que sofrem deste tipo de demência, que atinge principalmente idosos.
Os doentes não são, porém, os únicos afectados por esta patologia. Toda a família sofre e tem de reajustar-se a uma "nova realidade que muda todos os dias". Isabel Fontinhas conta que a mãe, de 79 anos, deixou de poder viver sozinha e ela e a irmã tiveram de reorganizar as suas vidas de forma a que ela nunca esteja sem apoio. Como ainda está relativamente autónoma, foi possível arranjar um centro de dia, em Lisboa, onde ela fica e uma empregada interna acompanha-a quando as filhas estão a trabalhar.
A carência de lares e outras estruturas com condições para receber estes doentes é um dos problemas mais graves com que os cuidadores se debatem. Maria do Rosário Reis, presidente da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer, conta um ou dois lares, a nível da rede pública, mais meia dúzia de privados com estrutura e pessoal qualificados. À falta de soluções, muitos familiares que não podem abandonar os empregos acabam por deixar os doentes sozinhos em casa. "Há situações dramáticas, alguns saem de casa e perdem-se. Às vezes, nunca se encontram."
O esquecimento de rostos e lugares, até então familiares, é um dos sintomas característicos de Alzheimer. Não se trata apenas de não se lembraram onde puseram as chaves ou de não finalizarem alguma tarefa que estavam a fazer. Da memória esvaem-se informações tão significativas como o nome dos filhos ou o local onde moram. Nalguns casos, a própria identidade não sabem o nome nem se reconhecem ao espelho. Aos esquecimentos, somam-se a desorientação, as dificuldades de linguagem, as muitas perturbações do raciocínio, a descoordenação de movimentos e as mudanças significativas no comportamento, que se vão agravando à medida que as células nervosas (neurónios) vão sendo destruídas pelas placas de amilóide que se acumulam no cérebro. Nas fases mais avançadas, os doentes de Alzheimer ficam completamente dependentes: não falam, não andam, não conseguem alimentar-se. Em estado vegetativo, sobrevivem, por vezes, anos a fio.
Isabel Fontinhas sabe que é esse o prognóstico, mas tem esperança que o mal da mãe continue a avançar lentamente. E não desiste de a estimular, com jogos e perguntas, para que ela também não se conforme com as falhas de memória e de orientação que a afligem. Embora incurável, esta forma de demência pode ser tratada. Há medicamentos que atrasam a evolução de Alzheimer e atenuam a sintomatologia, como a agitação, agressividade e a depressão, explica João Barreto, psiquiatra e chefe de serviço do Hospital de S. João (Porto). A dificuldade de diagnóstico é outro dos problemas associados à doença. Os médicos de família tendem a desvalorizar os sinais e, como não existem exames específicos para a detectar, podem passar anos desde o início dos sintomas até à definição do quadro patológico.
Congresso começa hoje
Especialistas nacionais e estrangeiros, doentes e familiares reúnem-se, a partir de hoje e durante quatro dias no Estoril, para participar no maior congresso sobre a doença de Alzheimer realizado em Portugal. A 17ª Conferência Alzheimer Europe vai abordar temáticas como os direitos das pessoas com a doença de Alzheimer, os custos inerentes à doença, os cuidados paliativos, a importância do cuidador, as novas abordagens de tratamento e as novidades em termos de investigação científica. Na cerimónia de abertura, será lançado o livro "O pequeno elefante memo", de Paula Guimarães. Destinada a crianças, esta obra pretende desmistificar a doença, esclarecendo os mais pequenos sobre as alterações que acompanham Alzheimer.
Cem mil portugueses sofrem de demência
A doença de Alzheimer é a forma mais frequente de demência, sendo responsável por 60% dos cerca de cem mil casos de demência em Portugal. Caracteriza-se por um declínio lento e irreversível das faculdades mentais, acabando os doentes, quase sempre, acamados, entre dois a 15 anos.
Sinais de alerta para os familiares
A perda da memória recente é dos primeiros sintomas. A dificuldade em executar tarefas domésticas, problemas de linguagem, perda da noção de tempo e desorientação, discernimento fraco ou diminuído, dificuldades com pensamentos abstractos, trocar o lugar das coisas, alterações do humor e do comportamento, transtornos de personalidade e perda de iniciativa são outros sinais de alerta.
Incidência aumenta com a idade
A incidência aumenta significativamente com a idade. Estima-se que 5% das pessoas com mais de 65 anos sofram da doença. Os medicamentos para tratar Alzheimer são bastante caros e comparticipados a 40%. No site da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer (www.alzheimerportugal.org) estão disponíveis informações para apoiar os cuidadores.