11.5.07

Membros da UE estão a mascarar ajuda pública ao desenvolvimento, denunciam ONG

Sofia Branco, in Jornal Público

O dinheiro europeu gasto no perdão da dívida pública, no acolhimento de estudantes estrangeiros e no auxílio aos refugiados está a ser contabilizado como ajuda ao desenvolvimento, quando, na realidade, não se traduz num investimento directo em novos recursos para os países que mais precisam.

Esta situação é contestada pela Concord, confederação de organizações não governamentais (ONG), que afirma que, dos 40.500 milhões de euros que os países europeus gastaram com a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), um terço não se traduziu em recursos que os beneficiários possam usar no combate à pobreza.

Portanto, alerta a Concord, que agrega 1600 ONG para o desenvolvimento europeias, todos os Estados-membros da União Europeia (UE), uns mais, outros menos, estão a mascarar o volume das suas contribuições para a ajuda ao desenvolvimento. "Vários países europeus vão quebrar as suas promessas de ajuda aos países pobres até 2010, a não ser que aumentem radicalmente o montante de genuínos recursos de apoio ao desenvolvimento", estimam as ONG europeias. O aviso consta de um relatório hoje divulgado e a que o PÚBLICO teve acesso prévio, com o título: "Suspendam o aplauso! Os governos europeus arriscam-se a não cumprir as promessas de ajuda."

Se a tendência actual não for invertida, os países subdesenvolvidos "vão receber menos 50 mil milhões de euros da Europa, até 2010, do que o prometido", avalia a plataforma. Em particular, a ajuda ao continente africano tem-se mantido "estática desde 2004", realça. "A redução da pobreza não parece ser sempre o principal objectivo da ajuda europeia. A segurança, as alianças geopolíticas e os interesses domésticos frequentemente prevalecem", analisa.

Dívida, alunos e refugiados

"Muitos governos europeus estão a inflacionar as estatísticas da ajuda com perdões da dívida", concretizam as ONG. O cancelamento de dívidas representou, em 2006, 10.500 milhões de euros, que foram, na opinião da plataforma, erradamente incluídos no montante da APD. Destacam-se os volumes dos perdões de dívida ao Iraque e à Nigéria: oito mil milhões de euros no seu conjunto.

"As ONG para o desenvolvimento europeias apoiam o perdão da dívida, como uma questão de justiça e, em certos casos, como uma forma de fornecer recursos adicionais para o desenvolvimento. Mas opõem-se firmemente a que as operações de cancelamento da dívida sejam contabilizadas como ajuda. As pessoas desfavorecidas precisam de ajuda ao desenvolvimento e de perdão da dívida", vinca a plataforma.

Mil milhões de euros destinados aos refugiados e 1700 milhões de euros gastos na educação foram também incluídos na ajuda ao desenvolvimento de 2006.

A Concord discorda ainda de que um quinto da ajuda consista em "assistência técnica, muita da qual não é eficaz para a construção de capacidades nos países pobres". E defende uma calendarização dos apoios, porque "os fluxos de ajuda imprevistos prejudicam seriamente" o planeamento dos beneficiários.

A Concord faz uma avaliação Estado a Estado, mas também analisa a prestação da Comissão Europeia, que, em 2005, devotou "apenas" 43 por cento do seu orçamento de APD aos países menos desenvolvidos. Para além disso, sublinha, "menos de oito por cento" foi gasto em serviços básicos de saúde e de educação, montante que defende dever subir para "pelo menos 20 por cento".

A plataforma considera ainda que a escolha dos países beneficiários está a resultar de "negociações políticas prolongadas em que cada Estado-membro garante os seus próprios interesses". E aponta que "a transversalidade do género ainda não é uma prioridade na cooperação para o desenvolvimento da UE".