Sofia Branco, in Jornal Público
Relatório global da Organização Internacional do Trabalho indica que as mulheres ainda são as mais afectadas e que cresce o tratamento desigual dos imigrantes e minorias étnicas
Inês, Beatriz, Pedro, Ricardo, Cândida e Teresa trabalham na mesma empresa fictícia. Inês tem rastas no cabelo, Beatriz pintou-o de cor-de-rosa e usa piercings, Pedro fuma, Ricardo é obeso, Cândida tem doença de Crohn e Teresa é lésbica. Todos diferentes, mas igualmente discriminados no acesso ao emprego ou no local de trabalho, conclui o relatório global da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ontem divulgado.
Inês tem 22 anos e muitas rastas. Nas suas tentativas de encontrar um part-time, disseram-lhe várias vezes que o seu cabelo era "um problema". Acabou por arranjar trabalho numa "loja de roupa jovem" mas, uma vez por mês, durante a "visita" das coordenadoras externas, tinha que "dar um jeito ao cabelo para disfarçar", apesar de haver clientes que lhe pediam para fazer tranças às filhas.
Beatriz também tem "um problema" capilar, mais exactamente cor-de-rosa. E também usa piercings, o que leva alguns colegas a tratarem-na por "punkzinha". A gerir o site de uma empresa do sector agrícola desde 2003, foi sempre a colega, que entrou ao mesmo tempo e tinha qualificações mais baixas, a receber os novos projectos e as maiores responsabilidades. Apresentava ideias, mas eram rapidamente vetadas - ideias essas que, quando eram da iniciativa da colega, já serviam. Beatriz não tem dúvidas de ser alvo de uma discriminação baseada no "aspecto", mas isso "nunca [lhe] foi verbalizado".
Pedro é jornalista num grande grupo de comunicação. Na entrevista que precedeu a sua contratação, perguntaram-lhe se fumava. Respondeu que sim, pouco. "Nós aqui não gostamos muito de fumadores e podes ser penalizado", avisaram-no. Assinou contrato e teve que pôr uma cruz no item "fumador". Tem de sair das instalações para fumar. Ao fazê-lo, passa um torniquete-ponto, que contabiliza as suas saídas. No final, poderá ser penalizado por "ausência injustificada do local de trabalho".
Teresa é um dos casos de discriminação com base na orientação sexual que chegou à CGTP. Trabalhava numa clínica de análises e, farta do assédio sexual do patrão, disse-lhe que era lésbica. Juntou à discriminação por ser mulher a discriminação por gostar de pessoas do mesmo sexo.
Ricardo e Cândida têm em comum a doença. O primeiro chegou a pesar 152 quilos e era insultado e gozado pelos colegas. Um emagrecimento de 56 quilos bastou para que passasse "a ser tratado de forma diferente". "Enquanto um cego gera pena, o gordo é maltratado", compara.
Cândida soube que tinha doença de Crohn em 1977. Estava nos quadros de um escritório há cinco anos e, até ali, tinha tido sempre "uma avaliação extraordinária". A doença, com crises crónicas, levou-a a estar de baixa várias vezes e "começaram os problemas". "Meteram outra funcionária e não me davam trabalho", conta. O caso acabou em tribunal e numa indemnização. Cândida reformou-se aos 36 anos por invalidez, mas hoje trabalha activamente na loja de cortinados que montou com o marido.
A orientação sexual, a deficiência, a doença e o estilo de vida são os "novos factores de discriminação laboral" identificados pela OIT no relatório. O mesmo documento acrescenta que se mantêm as "formas de discriminação tradicionais", decorrentes do sexo, da idade ou da raça, e que aumentam as injustiças relacionadas com imigrantes e minorias étnicas.
A discriminação de género - frequente nos casos de gravidez - continua a afectar "o maior número de pessoas" e "parece estar a aumentar nalguns países". A desigualdade salarial entre homens e mulheres "permanece um problema geral".
Realçando que tem havido "progressos significativos" no "combate à discriminação", a OIT indica que "o quadro global é uma mistura de avanços e falhanços". Muitos dos organismos criados para lidar com a discriminação não são adequadamente financiados nem têm equipas suficientes. A OIT considera que tem havido uma grande evolução nas leis antidiscriminação, mas alerta que isso não basta. São necessárias "políticas activas do mercado de trabalho". Medidas que passem pelo aumento da "empregabilidade daqueles que são vulneráveis à discriminação".