8.5.07

Precariedade está a forçar milhares a emigrarem

Paulo Ferreira (PÚBLICO), Graça Franco (RR), in Jornal Público


Um "alerta claro" ao Governo e aos patrões e a necessidade de dar "uma sacudidela" justificam a greve geral marcada para 30 de Maio



A cerca de três semanas da greve geral marcada para o dia 30 deste mês, Carvalho da Silva, 55 anos, justifica a razão desta subida de "patamar" no proposto às políticas laborais e sociais. Em entrevista ao programa Diga lá, Excelência, do PÚBLICO, Rádio Renascença e RTP2, o líder da CGTP diz que é preciso "dar um sinal" ao Governo e aos patrões e coloca o combate à precariedade, que diz estar na origem da emigração, na primeira linha das prioridades. Sobre a sua permanência à frente da central sindical, depois do congresso de Fevereiro próximo, deixa tudo em aberto.

Foi, na CGTP, dos que consideraram que não era oportuno avançar agora para uma greve geral. É verdade?

Se essa pergunta fosse colocada antes de 18 de Abril [data do anúncio da greve geral], teria uma resposta clara e fundamentada. Neste momento ela já não se coloca, porque há uma unanimidade na CGTP, mas merece dois comentários. Há uma decisão de todos de fazermos o máximo para dar expressão a esta luta. Estava decidido que era preciso elevar o patamar da luta e que era preciso fazer greve. Houve quem apresentasse a proposta tal como ela veio a ser aprovada e houve quem, em alternativa e não em oposição, apresentasse uma proposta de lutas amplas e greves convergentes.

Greves sectoriais?

Sim, sectoriais e de diversas formas. Mas para o mesmo dia e com os mesmos objectivos. Essa foi uma realidade. Mas é assim a decisão numa organização democrática e plural... é natural. A partir daqui temos todo o empenho.

Mas o que há hoje de novo que não existia há um ano e meio?

Há o andamento e a necessidade de elevar um patamar. É preciso dar um sinal aos patrões deste país, do sector privado e do público, e ao Governo. Esse sinal implica que os trabalhadores façam greve e digam aos patrões: "Nós não vamos abdicar da nossa dignidade."

Mas nos últimos meses nada se alterou. Não há propostas novas do Governo.

Alterou, alterou. As coisas estão a agravar-se, estão em andamento muitas coisas. Há uma necessidade imperiosa de os portugueses assumirem que, ou se mobilizam, participam e intervêm na sociedade, ou ficam à espera de um governo que resolva isto, e o país não sai do marasmo.

Quando vemos emigrantes portugueses em situações de exploração extrema, em Andorra, Navarra, Galiza, na Irlanda ou na Holanda, isso é reflexo de uma situação de descrença interna. Não apenas a exploração é muito dura como há uma falta de esperança, um desacreditar, porque as leis não se cumprem, porque se assumem compromissos e muitos dos patrões fazem o que entendem, porque o Governo se compromete e depois não cumpre...

O que é uma vitória nesta greve?

Se ela começar por ser um forte sinal de protesto, ainda mais forte do que a manifestação de Março. Segundo, ser um alerta que seja claro e sentido pelos patrões. E que a greve seja também um sopro de democracia nas empresas.

Mas mesmo que a greve venha a conseguir elevados níveis de adesão, que mudanças de política do Governo é que são essenciais para se considerar que teve sucesso?

Os reflexos da acção do sindicalismo não são observáveis nos dias nem nos meses seguintes. Há lutas muito importantes que até demoram uma geração a ter sucesso.
Primeiro centrámos a acção no combate às precariedades. Este caminho da precariedade provoca instabilidade na vida das pessoas e agrava-se muito. Isto provoca amputações de direitos, provoca desemprego e faz baixar a qualidade do trabalho. E é esta precariedade que está a forçar dezenas de milhares de portugueses a emigrarem.
Temos um agravamento da precariedade impressionante. O sector das comunicações, por exemplo, está enxameado de precariedades. E em empresas de referência e de sucesso. A economia clandestina também se está a agravar e há empresas que pretendem não ter responsabilidades na contratação de trabalhadores e estão a subcontratar tudo...

A greve geral é a bomba atómica da luta sindical. E depois dela?

Há análises diferenciadas sobre isso. Em conversas mais reservadas, há elementos da área do Governo que acham que isto precisa de uma sacudidela, precisa de progresso. Até na área do PSD se encontram os que acham que é preciso o povo dar uma sacudidela a isto.

Percebe-se que o PSD queira que a greve seja um grande sucesso.
Era possível fazer uma greve geral suportada mais em dinâmicas políticas desde que houvesse convergências espúrias com certos sectores populistas à direita, mas a CGTP não vai por aí.Mas essa convergência não chegou ao mundo sindical. Não conseguiu convencer a UGT a avançar também para esta greve geral.Esta dinâmica, neste contexto, tinha que ser implementada pela CGTP e não podia haver hesitação.

"Em conversas mais reservadas, há elementos da área do Governo que acham que isto precisa de uma sacudidela"

Entrámos numa espiral regressiva de destruição de direitos

Os trabalhadores não estão hoje mais divididos do que nunca? Os do sector privado em relação aos do Estado, por exemplo.

Não. Vivemos é cada vez mais em individualismo e numa dependência do consumo. Os jovens hoje não são mais individualistas do que os da minha geração. Isso é mentira. A sociedade é que está hoje organizada com esse individualismo. Há um individualismo institucionalizado, que é explorado...

Essa é uma arma usada pelo Governo, quando aponta as regalias dos funcionários públicos e coloca os trabalhadores do privado a pensar que não querem pagar aqueles privilégios com os impostos.

Que não são privilégios. Induziu-se essa ideia...

Para quem não tem esses direitos, eles são privilégios...

As realidades dos direitos laborais e sociais das pessoas estão profundamente ligadas às condições concretas que existem em cada sector, público ou privado, à sua história, à história das empresas... Nós estamos numa sociedade do trabalho. Há uma referência que guiou a sociedade durante muito tempo: conquistando aqui, vamos tentar alargar estes direitos e catapultar-nos para outros. A diferenciação de direitos tem a ver com as diferentes condições que em cada sector existem. Não quer isso dizer que não haja situações pontuais que são de privilégio. Mas os verdadeiros privilegiados são os que dizem que os outros são privilegiados. E o drama é quando entramos numa sociedade que começa a ser negativista, em que os que não têm alguma coisa defendem que os que têm terão que deixar de ter para ficarem em igualdade. Entrámos numa espiral regressiva que leva à destruição de direitos. E não é só nos direitos laborais, mas também no direito à saúde, ao ensino... O que são os direitos? São degraus, patamares que a sociedade foi solidificando no sentido do progresso.

Mas a questão é quem é que paga a conta desses direitos no fim do mês ou no fim do ano.

É curioso. Fala-se da necessidade de reduzir o défice público. Mas quem é que beneficiou do desvio do défice público? E, agora, quem é convocado para o pagar?
Quem é que beneficiou?

Foram os detentores do poder económico e financeiro. É inquestionável.
Não acha que todos os portugueses, de certa maneira, beneficiaram com o crescimento do final da década de 90?

Não misturemos o que são migalhas com o grosso da fatia. Não façamos confusões. Agora, quem é convocado são os trabalhadores com redução de salários, é a função pública com redução de direitos, e inventa-se essa coisa de os direitos dos trabalhadores e os salários serem privilégios.

Não deveria também o discurso sindical facilitar acordos como o da Autoeuropa, que é exemplo único?

Não é único. Há exemplos muito significativos. Há empresas em Portugal, multinacionais ou nacionais, onde a negociação é extraordinária, onde os índices de produtividade são extraordinários... Há em todos os sectores. Desde o têxtil, metalurgia, químico.

Não quer dar outros exemplos?

Não quero falar de casos concretos.

Na concertação social, a CGTP não é conotada com a imagem de um parceiro com abertura para fazer cedências para ultrapassar situações de crise.

Não é assim. Dou-lhe um exemplo. Na negociação para a reforma da Segurança Social a CGTP fez a participação que todos os outros parceiros fizeram. E em relação à questão mais sensível, que era o factor de sustentabilidade, demos alternativas. Mas foi instituído previamente que o modelo era aquele e que não havia mais discussão. Um dos erros mais graves deste processo foi o Governo não convocar para a discussão também o capital. A Segurança Social, para ter futuro, não dispensa o compromisso do capital. Em nome do aumento da esperança de vida, que é, talvez, a maior conquista da sociedade no último século e que é positiva...