12.6.09

Risco de pobreza em Portugal duplica nas zonas rurais do país

Ana Cristina Pereira, em Budapeste, in Público Última Hora

Invisibilidade é a palavra-chave quando se quer caracterizar a pobreza rural, conclui um estudo feito em 15 países da União Europeia e ontem apresentado em Budapeste. O problema "é significativo". Em Portugal, por exemplo, o risco de pobreza duplica nas zonas rurais.

A coordenadora do estudo, Paola Bertolini, da Fondazione Brodolini, usou três vezes a palavra invisibilidade na conferência organizada pela Comissão Europeia sobre o combate à pobreza em meio rural. Primeiro, os pobres rurais pouco aparecem nas estatísticas oficinais. Segundo, "estão menos organizados do que os das zonas urbanas por causa da dispersão geográfica, por estarem longe dos centros económicos e políticos". Terceiro, subsistem estereótipos como "o apoio da família e da comunidade é mais forte nas zonas rurais do que nas urbanas, o que torna os serviços menos necessários".

Os dados não permitiram fazer uma análise de toda a União. Apenas alguns Estados-membros tinham estudado a distinção entre zonas rurais e urbanas. Em anos diferentes. E, nalguns casos, com metodologias diversas. Os dados de Portugal, por exemplo, reportam a 2000.

É no Leste que o fosso entre campo e cidade é mais fundo. No Leste, pesa mais a agricultura. No Ocidente, o isolamento.

Nos países ocidentais, assiste-se há muito à "urbanização" (fluxo campo-cidade) e há pouco à "contra-urbanização" (fluxo cidade-zonas rurais com bons acessos). Nos países orientais, sobretudo na Bulgária, Polónia e Roménia, o êxodo rural é agora "muito relevante".

A importância da escola


A concentração de serviços básicos nas zonas urbanas afecta a qualidade de vida de quem está em risco: as crianças, os idosos, as mulheres. As maiores distâncias a um hospital foram detectadas no Norte da Noruega, no Norte da Escócia, no Sul de Itália, nas ilhas gregas, no Leste da Polónia e na Roménia, indica o estudo financiado pela Comissão Europeia.

Os investigadores chamam a atenção para a importância da frequência escolar nos primeiros anos de vida "como modo de compensar o desigual contexto familiar e social". Como falha a cobertura pré-escolar, "há maior risco de transmissão intergeracional de pobreza".

O problema coloca-se noutros níveis de ensino. Com a redução de escolas em meio rural, relacionada com a estratégia de as agrupar, o ensino básico e secundário ficou mais distante. Os alunos gastam mais energia e as famílias mais dinheiro. A frequência do secundário acaba por ser inferior.

Paola Bertolini usa a expressão "armadilha": "A única janela aberta a crianças e jovens de famílias pobres e pobremente educadas é sair: enfrentar a mobilidade geográfica como forma de mobilidade social". E isto leva ao envelhecimento das populações e a um declínio económico.

Estratégia de sobrevivência

Abre-se aqui um ciclo vicioso: "Baixo nível de educação rural provoca baixa taxa de empregabilidade, o que aumenta a pobreza, o que reduz as hipóteses de se receber um nível de educação elevado". E abre-se outro ciclo: pobres oportunidades de emprego forçam trabalhadores qualificados e migrar; uma força laboral desqualificada não chama investimento capaz de criar oportunidades de emprego. E abre-se outro ciclo: poucos jovens, muitos idosos, poucos nascimentos, reduzida densidade, má performance económica...

A agricultura ainda emprega muita gente. Mas a actividade é sazonal, os rendimentos diminutos e anunciam pensões baixas na idade da reforma. Na Polónia, na Bulgária e na Roménia o problema agrava-se com a transformação da agricultura estatal em agricultura privada.

O capítulo dedicado a Portugal debruça-se sobre a situação de quem vive da agricultura. "O risco de marginalização é determinado pela combinação de um significativo número de quintas com pouca rentabilidade e [...] de agricultores perto da idade da reforma", lê-se. O trabalho assinado por Florindo Ramos salienta, ainda assim, que o desemprego nas zonas rurais está "ligeiramente abaixo" da média nacional. Um dado que a coordenadora do Plano Nacional para a Inclusão, Fernanda Rodrigues, relaciona com a "dinâmica criada". "Nas zonas urbanas, as pessoas são mais complacentes com o desemprego de longa duração", nota. Nas zonas rurais, "a estratégia de sobrevivência é maior". Mais depressa a pessoa sai, vai para onde há emprego.

Nos meios rurais, as pessoas recorrem menos a medidas de apoio social como o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o Complemento Solidário para Idosos (CSI) - tendem a não se assumir como pobres por causa do estigma que se abateria sobre elas. Mas não é só isso. Por vezes, a informação nem lhes chega. Portugal está já a aumentar a rede de postos de informação.